De olhos vidrados no céu

Hobby em ascensão no Brasil, o spotting reúne goianos apaixonados pela aviação e no registro fotográfico de aeronaves

Postado em: 16-10-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Hobby em ascensão no Brasil, o spotting reúne goianos apaixonados pela aviação e no registro fotográfico de aeronaves

ALLAN DAVID

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‘Peguei. Peguei’. A narrativa, que, conforme o ponto de vista, admite um sem-fim de interpretações, é cada vez mais comum nas cabeceiras das pistas dos principais aeroportos do Brasil. O terminal de Goiânia, inclusive, é ponto certo dos chamados spotters, ou fotógrafos da aviação, que na expressão ‘peguei’, indicam que mais um pouso ou decolagem foi registrado por suas câmeras. Principalmente aos finais de semana, grupos de até dezenas se reúnem próximo ao Aeroporto Santa Genoveva para praticar um hobby levado com a seriedade de quem investe milhares de reais no equipamento fotográfico.

Há cerca de dez anos a cena se repete. Nunca as máquinas voadoras atraíram tantos olhares na chegada e na saída do solo goianiense. O spotting, de origem europeia, tem milhares de adeptos no Brasil, onde chegou com força nas últimas décadas. Num plano geral, a prática recreativa consiste em observar e fotografar aeronaves, aproveitando o momento para troca de ideias e conhecimento entre os spotters. Não há contraindicação. Crianças, adolescentes, jovens e adultos entram na dança, ou melhor, na rota dos aparelhos aeronáuticos. A brincadeira é levada a sério. Há blogs especializados e tudo mais.

A própria Infraero – estatal que administra serviços aeroportuários no Brasil – admite a envergadura do hobby. Em 2016, a empresa promoveu um dia dedicado especialmente aos fotógrafos da aviação, que puderam acessar o pátio de manobras e a pista do Santa Genoveva, usufruindo de posições privilegiadas para o registro das aeronaves. Em suma, os ‘comandos’, como brincam entre si os spotters, vêm de diferentes formações. Aeronautas, aeroviários, profissionais liberais, fotógrafos propriamente ditos e pessoas da comunidade em geral formam o rol dos aficionados em fotografias e vídeos de aviões.

É um mercado de entretenimento, mas com elevado grau de profissionalismo. Isto porque os praticantes de spotting fazem questão de investir em pesquisa e conhecimento sobre as máquinas que fotografam. Só com a informação da matrícula – o conjunto de letras inscrito geralmente na cauda dos aviões – muitos spotters já sabem informar qual o modelo do avião, se é empregado na aviação comercial, executiva ou militar, e, com equipamentos conectados à internet, têm na ponta da língua a origem e o destino do voo que aguardam para fotografar. A sinergia entre os fotógrafos da aviação fica explícita nos detalhes. Dos bottons nas camisetas aos chaveiros das mochilas, as preferências não negam o estilo.

Estilo próprio dos spotters

Ligados pelo DNA da aviação, os spotters de Goiás se encontram não só na Capital. Anualmente, os praticantes do hobby se encontram também na Base Aérea de Anápolis, que abre as portas num evento para receber a visita de civis. Lá o objeto é o mesmo, aviões, mas a pauta muda para a defesa militar. Os olhares se voltam aos caças da Força Aérea Brasileira (FAB), à Esquadrilha da Fumaça e às demais aeronaves, incluindo helicópteros que, no dia, fazem voos à baixa altura, para delírio do público. Neste ano, milhares de visitantes assistiram também a performances dos caças F5, que protegem o nosso espaço aéreo enquanto o Brasil não recebe as novas unidades dos jatos Gripen NG, de origem sueca.

O spotting exige seus adereços, até mesmo para proteger os fotógrafos do sol escaldante que recai próximo às pistas de pouso. Além da câmera, é preciso se munir de boné, filtro solar, camisetas leves e mangas longas – de tecido preferencialmente sintético – e óculos de sol. Uma cultura que tem moda própria. Aliás, também são singulares os horários que os spotters consideram melhores para fotografar. Geralmente nas primeiras horas do dia e no final da tarde, devido a condições de luz e temperatura.

Investimento alto

O piloto e empresário Luis Fernando Menezes, de 24 anos, pratica spotting há cinco anos. Ele prefere registrar as aeronaves comerciais por seus diferentes esquemas de pintura, que o atraem. Luis é entusiasta do hobby. “Praticar spotting é a oportunidade de sentir de perto a emoção que a aviação proporciona. Diante de pousos e decolagens, sentir a potência dos motores de cada avião e poder registrar cada modelo diferente é garantia de diversão na certa”, conclui.

Quem também está sempre a postos a registrar os aviões Brasil afora é o agente de aeroporto Icaro Roberto de Farias. Aos 22, o spotter acumula sete anos de experiência na fotografia aeronáutica. Apesar da pouca idade, Icaro soma já R$ 15 mil investidos em câmeras fotográficas, lentes, acessórios e tudo o mais que precisa para eternizar os momentos de lazer e trabalho, já que presta serviço a sites especializados no segmento. O valor gasto com o spotting, acrescenta Icaro, não inclui passagens e hospedagens que arcou nas viagens para fotografar, principalmente, no aeroporto de Guarulhos (SP).

Foi no terminal internacional de São Paulo, aliás, que Icaro registrou a passagem dos dois maiores aviões do planeta: o Airbus A380, recordista no transporte de passageiros, e o Antonov An-225, com incomparável capacidade para transporte de cargas. “Gosto de fotografar tudo que voa, mas a aeronave que mais me encantou até hoje, que fotografei, foi o Mirage 2000 aposentado pela Força Aérea”, complementa Icaro.

O agente de aeroporto fala com entusiasmo do que o spotting representa em sua vida. “O spotting, nada mais é que uma diversão, um meio de sair da rotina, encontrar os amigos, bater papo, fotografar, claro! É uma terapia para alguns e acaba que o spotting abre diversas oportunidades na vida também, sem contar que em alguns casos você acaba sendo mais visto”, diz Icaro.

Ação de solidariedade

Spotting, segundo ele, é também sinônimo de solidariedade. Icaro Roberto explica que junta amigos de diferentes regiões do Brasil para fazer uma campanha de arrecadação de brinquedos para crianças em situação de vulnerabilidade social. “Arrecadamos brinquedos para doação no fim do ano, no Natal, para crianças carentes do projeto Profesp, em São Paulo, em apoio com a Base Aérea de São Paulo (Basp). Fazemos o que gostamos e aproveitamos para ajudar o próximo”, arremata Icaro. 

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