Usuários abandonam ônibus

Professor do Instituto Federal de Goiás denuncia a falta de planejamento e controle das empresas e afirma que as passagens de ônibus não valem pelo que são cobradas

Postado em: 27-01-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Professor do Instituto Federal de Goiás denuncia a falta de planejamento e controle das empresas e afirma que as passagens de ônibus não valem pelo que são cobradas

Gabriel Araújo*

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Antes mesmo da reunião da Câmara Deliberativa do Transporte Coletivo (CDTC) que definiu o novo valor da passagem, realizada no Paço Municipal na última segunda-feira (22), muito já se discutia sobre os valores e a qualidade do transporte. Pesquisa da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (ANTU) aponta que, de 2008 a 2016, mais de 26% dos passageiros médios abandonaram o sistema em Goiânia. Isso representa mais de 61 milhões de viagens que deixaram de ser realizadas por ano. Apenas nos dias úteis, o índice é de queda em 22%, mas o pior ocorre aos domingos e feriados, quando quase a metade (47,3%) dos usuários deixam de utilizar os ônibus.

Quando houve a mudança na configuração do sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana de Goiânia, por volta de 2006, as concessionárias contavam anualmente com mais de 235 milhões de usuários. 

A queda do numero de passageiros, em conjunto com o aumento nos custos do transporte são os principais responsáveis tanto pela qualidade quanto pelo valor cobrado. Para o especialista em transporte urbano, Antenor Pinheiro, o usuário goiano é responsável por todos os custos. “Por aqui a tarifa paga pelo usuário continua financiando o custeio do serviço, a manutenção dos terminais, a estrutura do órgão gestor (CMTC) e as gratuidades. Por isso o valor da tarifa é sempre alto.”, afirma.

Segundo informações da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), em apresentação durante a reunião da última segunda-feira, o valor da passagem é baseado na soma do aumento dos custos com o combustível, o salário pago aos motoristas, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), a coluna 36 da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK). O novo valor de R$ 4 passou a ser cobrado na quarta-feira .

Para o professor Marcos Reuthen, do Instituto Federal de Goiás, o cálculo do aumento é complexo, pois depende de várias variáveis e visa sempre elevar os preços cobrados. O IPK, por exemplo, é um índice que diminui todos os anos. “Se o IPK diminui, aumenta a tarifa. É um sistema impiedoso, ou seja, quanto pior for o transporte e menor a quantidade de usuários, mais caro ele será.”

Ainda de acordo com o professor, o principal causador do reajuste no valor da passagem não são os custos em se manter o serviço, e sim o orgulho por partes das empresas em não admitir o erro no controle do transporte coletivo. “As empresas desperdiçam muito dinheiro por terem uma oferta irregular, facilmente pode-se ver dois ou mais ônibus da mesma linha passando em um curto intervalo de tempo vazios. Veículos que passam depois do horário apenas para realizar a viagem, mesmo não tendo passageiros, são comuns, outro desperdício”, completa.

Para Antenor Pinheiro, a implantação de novas formas de financiamento é uma das saídas apontadas em todo o país. “É preciso que a gestão do sistema adote outras fontes mais estruturantes e permanentes quando tratamos dos possíveis mecanismos de financiamento do sistema.”, conclui.

Reajuste anual

O aumento do valor cobrado pela passagem do transporte coletivo da Grande Goiânia foi firmado em contrato na segunda metade da última década, quando novos contratos foram firmados entre o Poder Público e as empresas concessionárias responsáveis pelo transporte de passageiros. Na época, o contrato autoriza as empresas a reajustarem o valor da tarifa anualmente, de acordo com o aprovado pela Câmara Deliberativa do Transporte Coletivo (CDTC), que é constituída por onze representantes do poder executivo e legislativo das cidades que integram a rede metropolitana de transporte e do estado, além de membro da CMTC e da Agencia Goiana de Regulação (AGR).

O porteiro Ailton Alves trocou o transporte público pelo carro devido aos diversos problemas enfrentados. “Os horários não ajudam, às vezes temos de correr pra não perder o ônibus. Além da segurança, é bem complicado usar o transporte durante a noite ou mesmo a superlotação. No final era uma dor de cabeça.”, completa.

Ele ainda reclama dos horários. “O carro nos dá mais segurança, não precisamos ficar dependendo do transporte coletivo e podemos nos programar quando bem queremos”, conclui. 

Falta de segurança assusta usuários do transporte coletivo  

A falta de segurança, o valor cobrado e, principalmente, a qualidade do transporte são as razões que levam usuários a procurarem novas formas de locomoção. A estudante Maria Augusta, que trocou o ônibus pelo carro no início do último semestre, coloca a segurança como principal fator na escolha. “Eu já fui assaltada duas vezes indo para a faculdade, então achei que o carro poderia me ajudar a diminuir o risco de algo assim acontecer”, completa.

Já segundo Dayrel Godin, estudante de comunicação social, a segurança é mínima. “Não existe segurança quando estamos nos pontos, até nos programamos com os aplicativos para ficar o menor tempo possível esperando, mas não são todos que podem fazer isso.”

Em julho do ano passado, um passageiro foi esfaqueado ao reagir a um assalto no Terminal da Praça A enquanto esperava na plataforma do Eixo Anhanguera para ir trabalhar. Ele foi abordado por sete criminosos e foi atingido com um golpe na região das nádegas. O passageiro foi socorrido e levado ao Cais de Campinas, onde foi atendido e recebeu alta.

Na época, a Redemob, responsável pela administração dos terminais, afirmou em nota, que faz o monitoramento por meio de câmeras de vigilância e que todos os terminais e plataformas recebem rondas especiais da Polícia Militar.

Qualidade

Para Pinheiro, que também é perito em trânsito, as condições atuais do transporte coletivo da grande Goiânia são o resultado da falta de investimentos voltados para o transporte público. “Colhemos o resultado de décadas de omissões e descasos com investimentos em transporte coletivo no Brasil, principalmente na infraestrutura das cidades.”, completa.

Ainda segundo ele, os problemas são causados por políticas públicas que investem no transporte individual. “O problema é estrutural, em especial os que tangem os mecanismos de financiamento e custeio do sistema e a qualidade técnica da gestão. Está claro que os problemas históricos se justificam em função de decisões políticas equivocadas quando a questão é a mobilidade urbana.”, conclui.

Para João Gabriel, que chegou em Goiânia no início de 2015 para estudar, existe um déficit de veículos. “No início eu me assustei, nunca tinha visto um ônibus tão cheio, lembro que não sabia como tinha espaço para todo mundo.” disse João.

Ação contra CMTC

O Ministério Público do Estado de Goiás deu início ontem (22) a uma ação de improbidade administrativa contra o presidente da Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC), Fernando Meirelles, por ter se omitido em seus deveres funcionais. Segundo o documento, o período de mandato de Meirelles, não foi exigido das empresas o total cumprimento dos contratos de concessão e, ainda, ele deixou de prestar manutenção aos pontos de ônibus.

A promotora da ação, Leila de Oliveira, pontuou que houve omissão por parte do presidente. Ele “não tem executado a organização, o planejamento e o gerenciamento do serviço de transporte público coletivo, o que reflete em desorganização do sistema e prestação de serviço inadequado pelas empresas concessionárias”, completou. (Gabriel Araújo é estagiário do jornal O Hoje sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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