Moradores de rua sofrem violência

Titular da Semas diz que alto consumo de drogas aumenta índice de violência entre moradores de rua

Postado em: 09-04-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Titular da Semas diz que alto consumo de drogas aumenta índice de violência entre moradores de rua

Marcus Vinícius Beck*

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Em balanço divulgado no início deste mês, a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP) informou que houve 22 casos de violência só no mês de março provocado em pessoas que estão em situação de rua, em Goiânia. Levantamento do O Hoje, com base em dados disponibilizados pela própria pasta, mostra que 90,9% desses casos se deram no Setor Campinas, 4,5% no Universitário e 4,5% no São José, todas áreas com alto índice de violência. No Setor Central, próximo ao Universitário, cerca de três moradores de rua foram assassinados em menos de uma semana, neste ano.

No total, a Capital conta com 400 pessoas fazendo das ruas sua habitação. O Secretário de Assistência Social (Semas), Robson Azevedo, disse que o alto consumo de drogas é um dos fatores que leva pessoas em situação de vulnerabilidade a praticarem crimes. Em conversa com a reportagem, ele afirmou que a pasta a qual está à frente vem fornecendo assistência para esse grupo social. No entanto, diz o secretário, vários fatores sociais trazem as pessoas para as ruas e geram aumento dessa população. “Com isso, e devido aos conflitos internos entre eles, há um aumento nos casos de violência”, diz. 

A psicóloga A.P, de 54 anos, está em situação de rua há seis meses. Após cansar de ser alvo de violência doméstica, ela deixou os filhos com a mãe e faz dos bancos da praça Palácio Pedro Ludovico sua moradia. “Quem mora nas ruas está sujeito a vários tipos de violência, tanto por parte dos próprios moradores, que muitas vezes cometem furtos e roubos, quanto por parte da polícia militar que geralmente nos acorda da forma mais grosseira possível”, relata ela, que era agredida na frente dos filhos pelo marido. “Também temos nossos direitos e eu luto que nos respeitem”. 

Ações

Criado em 2015, o Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro Pop) atende de 80 a 120 pessoas por dia em estado de vulnerabilidade social. Os serviços prestados pela instituição contemplam áreas como assistência social e psicologia, e os profissionais do Centro Pop estão em contato diário com essa população, criando relacionamentos com o objetivo de tirá-los das ruas. Qualquer problema que tenham é passível de recorrer aos serviços do órgão, que fica aberto 24 horas por dia. 

O gerente do Centro Pop, Wellington Carlos Pereira, explicou que as ações de combate aos excessos que tem como alvo a população de rua são o ponto central das políticas públicas promovidas pelo órgão. “Somos amigos dessas pessoas”, diz o gerente, acrescentando que muitos estão nessas condições por conta de desemprego e problemas familiares. “Mas também vários estão nessa condições para conseguirem sustentar seus hábitos em relação às drogas. Já os que estão atrás de trabalho a gente o capacita por meio de cursos e depois o insere no mercado de trabalho”, afirma. 

Mas as políticas públicas para as pessoas em situação vulnerabilidade não são unanimidade. O defensor público Philipe Arapian disse que ainda é necessário ter maiores avanços neste sentido. “A prefeitura deveria promover mais políticas públicas para a população em situação de rua, envolvendo saúde, educação, moradia e emprego”, frisa. Atualmente, o Centro Pop fornece documentos pessoais para quem está em situação de rua. “O estado não tem nenhuma política pública que abranja os moradores de rua”. 

Por outro lado, fontes ligadas aos programas que contemplem moradores de rua dizem que algumas reuniões para definir a criação de outra Casa de Acolhida Cidadã vem acontecendo entre integrantes da Prefeitura e da Defensoria Pública. Porém, ainda é impossível garantir datas para que as instituições comecem a funcionar. No momento, a Casa Cidadã é o primeiro passo para que as pessoas em situação de rua sejam reinseridas à sociedade. O trabalho realizado pela Casa é 24 horas por dia, optando por ficar nas ruas. 

Forma perversa

Uma pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG), de 2016, apontou que 61 moradores de rua foram mortos nos últimos três anos em Goiânia. Desenvolvido pelo Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência da UFG, o estudo informou que o número se torna “alarmante” ao ser comparado ao total de 351 pessoas que viviam nas ruas da capital no ano anterior a pesquisa. Na ocasião, o sociólogo e coordenador do estudo, Djaci David de Oliveira, disse que os dados mostram que a população goiana “está achando uma forma perversa de resolver a questão”. 

À época, o pesquisador ainda frisou que o principal motivo que leva as pessoas a procurarem abrigo na rua são os conflitos familiares. Ainda conforme o sociólogo, vários tiveram de conviver com situações de brigas, maus-tratos e tantos outros problemas com parentes, o que culminou com que eles saíssem de casa e, consequentemente, fossem parar nas ruas. Notou-se ainda, segundo o estudioso, que esse grupo sabe em qual lugar estão seus parentes, porém eles preferem não procurá-los.  

Capital tem três mortes de pessoas em situação de rua em uma semana 

Em Goiânia, três pessoas em situação de vulnerabilidade social foram mortas em menos de uma semana no Setor Central. O caso mais chocante aconteceu com um morador de 29 anos que acabou sendo alvejado a tiros enquanto dormia na Praça Dr. Borges dos Santos Dias, no Centro da Capital. Os momentos que antecederam o assassinato foram de gritos e brigas.  Todos os crimes acontecem na mesma região e assustaram os moradores da região. 

No âmbito nacional, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em pesquisa divulgada no ano passado, mostrou que o Brasil possui pouco mais de 100 mil pessoas em situação de rua. O texto, que faz parte da Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil, informou que as grandes cidades tinham, naquele ano, a maior parte dessa população. 

O estudo informou também que das 101.854 pessoas vivendo nas ruas 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Já nos municípios menores, com até 10 mil pessoas, a porcentagem era menor, 6.63%. O pesquisador Marco Antonio Carvalho Natalino garantiu a importância dos dados para a formulação e implantação de políticas públicas. 

Especialistas dizem que a falta de políticas públicas para as pessoas em situação de vulnerabilidade e para egressos do sistema prisional contribuiu para o aumento da população que mora nas ruas. Da mesma forma, a falta de políticas neste sentido para quem já está nas ruas só agrava o problema. 

Outras cidades

No ano passado, o número de pessoas em situação de rua nas grandes cidades aumentou em relação ao ano anterior. De acordo com dados da prefeitura do Rio de Janeiro, o número de moradores de rua triplicou na cidade em três anos e disparou de cinco mil, em 2013, para cerca de 15 mil, no ano seguinte. (Marcus Vinícius Beck é estagiário do jornal O Hoje, sob orientação do editor de Cidades Rhudy Cryshtian)  

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