Moradores de rua sofrem com primeiras noites geladas na capital

Menor temperatura do ano foi registrada na madrugada da última segunda-feira (21), termômetros chegaram à 7º C na Capital

Postado em: 22-05-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Menor temperatura do ano foi registrada na madrugada da última segunda-feira (21), termômetros chegaram à 7º C na Capital

Gabriel Araújo*

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Na madrugada da última segunda-feira (21) Goiânia registrou a menor temperatura do ano, com termômetros chegando à casa dos 7º C na Capital. A população em situação de rua, que vive em situação de vulnerabilidade social, sofreu com a falta de condições mínimas de habitação durante a noite mais fria do ano. 

Conforme informado pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), três equipes estão nas ruas monitorando as pessoas em situação de rua na Capital e, até o fechamento desta edição, nenhuma morte foi confirmada. Com o efetivo de 25 pessoas, as equipes vão fazer as abordagens às pessoas em situação de rua em Goiânia e toda e qualquer pessoa que quiser será acolhida.

De acordo com o ex-marceneiro Raimundo Bezerra Neto, de 58 anos, a última noite foi uma das piores desde que passou a viver nas ruas da Capital. “Ontem, quando ‘deu’ 8 horas, já estava insuportável, minhas pernas estavam doendo demais e não consegui dormir”, disse.

Ainda segundo ele, o frio e a violência são os que mais dificultam a vida nas ruas. “Só esse ano já devo ter sido roubado umas oito vezes. Tem gente que chega e leva até o sapato da gente”, completou.

Outro morador, o goiano Luciano Alves, de 38 anos, lembra que a última madrugada foi uma das priores dos mais de três anos em que vive nas ruas. “Tava muito frio mesmo. Sorte minha que encontrei um cochão e consegui dormir, mas ninguém passou para dar uma ajuda”, afirmou.

De acordo com o site Clima Tempo, as temperaturas na Capital devem continuar abaixo da média até o fim desta semana. Com mínima de 15º e máxima de 27º. Hoje, a temperatura não deve passar dos 29º, com mínima de 14º para toda a Grande Goiânia.

Campanha do Agasalho

A Campanha do Agasalho é uma campanha anual que envolve entidades da sociedade civil e governamentais na distribuição de roupas durante o período de inverno. Em Goiânia, diversas instituições participam e, devido à chegada das baixas temperaturas, a campanha foi adiantada.

Segundo a Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), este ano foram comprados 50 mil cobertores. Em nota, a instituição afirmou que “a distribuição dos cobertores já começa na próxima semana” e o “benefício será doado a entidades sociais cadastradas na instituição, presídios e pessoas em situação de rua”, conclui. Além disso, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) adiantou em uma semana o início da campanha, que começou na tarde de ontem (21).

Números

Dados do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) estimam que mais de duas mil pessoas estejam em situação de rua em Goiânia. Apesar disso, o coordenador estadual do movimento, Eduardo Matos, afirma que estes dados já podem está defasados. De acordo com ele, o poder público não conseguiu acompanhar o desenvolvimento urbano. “O principal problema é a ausência das políticas públicas, que não conseguiu acompanhar o crescimento da população e leva muitas pessoas a situações de vulnerabilidade.”, completa.

Para Matos, que condena algumas das políticas públicas implantadas na Capital, a questão social das pessoas em vulnerabilidade social só pode ser resolvida a partir do investimento em políticas que visam à melhora na qualidade de vida de toda a população. “A solução seria construir uma rede de políticas públicas setoriais, na área da educação, cultural, assistência social e trabalho para ajudar a resignificar a vida dessas pessoas”, concluiu.

Pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência (Necrivi) da Universidade Federal de Goiás (UFG), realizado em 2016, apontou que 46,4% dos moradores em situação de rua vivem na região Central de Goiânia, que é seguida pela região Sul, com 15,8%, e a região Oeste, com 11,5%. Já a região Leste concentrava 10% das pessoas em situação de rua, seguida das regiões Norte (8,1%), Sudoeste (3,3%) e Noroeste (1,9%).

O estudo explica que a concentração de moradores no Setor Central se dá em razão da grande circulação de pessoas. Segundo Matos, cerca de 70% desses moradores trabalham para conseguir uma renda mínima para suprir as necessidades básicas, como alimentação. Outro fato para a concentração ser maior no Centro da Capital, é em função dos serviços de assistência pública, como Casa de Acolhida Cidadã, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) e o Complexo 24 horas.

Dados apontam que a maior parte da população em situação de rua é constituída por adultos, com quase 85% dos casos, além de crianças e adolescentes que, juntos somam cerca de 9% do total. Foram encontrados 22 idosos, o que corresponde a 6,3%. 

Ex-morador de rua relata situação de medo 

Em reportagem do O Hoje, publicada em abril deste ano, constatou que três pessoas em situação de vulnerabilidade social foram mortas em menos de uma semana no Setor Central. Dentre os casos citados, um morador de 29 anos que foi alvejado a tiros enquanto dormia na Praça Dr. Borges dos Santos Dias, no Centro de Goiânia. Todos os crimes aconteceRAm na mesma região e assustaram os moradores da região. 

Uma pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência da Universidade Federal de Goiás (Necrivi-UFG) e publicada em 2016, aponta que mais de 60 moradores de rua foram mortos entre os anos de 2013 e 2015 em Goiânia. O estudo destaca que esse número é alarmante se comparado ao total de 351 pessoas que viviam nas ruas da capital no período.

Em entrevista ao jornal O Hoje, um ex-morador de rua da capital, que preferiu não se identificar, afirmou que morar nas ruas era sempre uma luta. “Eu sentia medo, sabia que ia dormir, mas não tinha a certeza de que iria acordar. Vi alguns companheiros de rua morrerem de frio, outros morrerem assassinados”, completou.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirmou, em pesquisa publicada em 2017, que o Brasil possui pouco mais de 100 mil pessoas em situação de rua. O estudo constata que das 101.854 pessoas vivendo nas ruas 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Enquanto nos municípios menores, com até 10 mil pessoas, a porcentagem era menor, 6.63%. O pesquisador Marco Antonio Carvalho Natalino garantiu a importância dos dados para a formulação e implantação de políticas públicas. 

A pesquisa faz parte da Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil, que busca opções para resolver o problema social causado pela falta de políticas públicas voltadas para as pessoas em situação de vulnerabilidade e para egressos do sistema prisional. Tais fatos, segundo especialistas, contribuem para o aumento da população que mora nas ruas. (Gabriel Araújo é estagiário do jornal O Hoje sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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