Aumenta procura por clinicas populares

Consultas e exames médicos a preços acessíveis expõem dificuldades na saúde pública e até na particular

Postado em: 19-03-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Consultas e exames médicos a preços acessíveis expõem dificuldades na saúde pública e até na particular

Igor Caldas*

Clínicas populares tem sido uma saída para acudir cidadãos goianienses que necessitam de atendimento médico e não conseguem pela saúde pública ou por meio de plano de saúde. Em Goiânia, há pelo menos seis grandes clínicas que oferecem consultas a preços acessíveis, algumas viraram até franquias. O valor da consulta pode variar entre R$ 80 a R$ 120 e algumas fazem parcelamento em até 10 vezes sem juros. Além de consultas, as clínicas também oferecem exames laboratoriais, de imagem ou complementares. A notícia parece ser boa, mas na verdade o crescimento desses estabelecimentos revela falha grande tanto na saúde pública quanto na privada.

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Domingos Ribeiro trabalha com materiais recicláveis. Com 57 anos já sofreu sete infartos. O último foi há aproximadamente 30 dias numa segunda-feira às 10h40 em casa. Ele foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) que o levou até o Posto de Saúde Cais de Campinas, depois, seguiu para o Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) onde só conseguiu uma internação na madrugada da terça- feira. Domingos seguiu para mesa de cirurgia só às 14:30 do mesmo dia. Após 9 dias na internação, ele passou por três procedimentos cirúrgicos, duas angioplastias e um cateter.

Após o sufoco, Domingos deveria ser consultado por um cardiologista, que foi prometido pelo Sistema Único de Saúde, mas quase 30 dias se passaram e nada foi feito. Desesperado, ele optou por usar os serviços de uma clínica popular próximo ao Terminal Praça da Bíblia. O valor da consulta ficou em R$ 90. “Fiquei esperando a consulta que o SUS me prometeu e não deu. Tive que pagar particular. A única coisa que o sistema público me forneceu após a cirurgia foi uma caixa de remédios que preciso tomar para ralear o sangue”. Segundo o médico que Domingos consultou na clínica particular, ele vai necessitar tomar esse remédio todos os dias pelo resto da vida. A caixa de remédios que o SUS lhe deu continha apenas 30 comprimidos.

Todos os dias Domingos tem que enfrentar as dificuldades de seu trabalho para custear seu problema de saúde. Segundo ele, foi necessário vender cerca de 2 mil quilos de material reciclável para pagar a consulta. Ele está juntando mais materiais para pagar a consulta de retorno ao médico e realizar exames de eletrocardiograma e Persistência do Canal Arterial (PCA), além disso, precisa comprar os remédios para sobreviver. Somado aos problemas de saúde, existe ainda o fator de risco de sua profissão. Domingos pode sofrer cortes procurando materiais em ferros velhos e o remédio que ele precisa tomar aumenta o risco de hemorragia de forma perigosa.

Filas sem fim 

Nilo Almeida é desempregado e tem 30 anos. Ele está com problemas gástricos e procurou a emergência do atendimento no Posto de Atendimento do Cais Nova Era em busca de um diagnóstico. Lá, foi detectado que vai precisar fazer uma cirurgia de retirada de vesícula. Ele foi conduzido ao Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia (Huapa), mas lá não era possível fazer o procedimento cirúrgico.

Almeida voltou pra casa e depois tentou ir ao posto de atendimento no bairro onde mora, Parque Amazônia, para passar novamente com um clínico geral e tentar uma consulta com um médico gastroenterologista. Foi pedido exames de ultra-som do abdome superior. Depois de duas tentativas para conseguir os exames pela saúde pública, Nilo foi aconselhado pelas funcionárias do posto de atendimento a realizá-lo por uma clínica particular.

“Eu voltei duas vezes no posto para tentar pegar as guias necessárias para fazer o exame. As próprias funcionárias do SUS me apresentaram uma lista com telefones de clínicas populares para agilizar meu lado”, confirma Almeida. Ele ressalta que cada vez que tentou conseguir a guia para realização de exames, foi necessária sua presença no posto de atendimento. “Isso dificulta muito para grande parte de usuários do SUS que tem dificuldades de locomoção como idosos e gestantes”.

Depois de pagar pelo exame em uma clínica particular, Nilo relata que foi mais fácil conseguir uma consulta com outro clínico geral que lhe deu uma guia para realização de internação para cirurgia que precisa. “Daí agora a novela é conseguir um protocolo, chamado ‘Regulação’, que na prática é a inclusão na fila de espera para uma vaga em algum Centro Cirúrgico que faça a cirurgia que preciso”.

Direito desrespeitado 

O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Para a Professora do curso de Medicina da Universidade UniCerrado, a enfermeira Vanessa Coltan, não existe nenhum sistema de saúde que não haja problemas, mas apesar de todas as dificuldades, o SUS aumentou o número de pessoas beneficiadas com o serviço público, além de ser reconhecido mundialmente por tantos programas que são referencia internacional.

Para ela, que trabalhou quatro anos e nove meses como coordenadora de um Posto de Saúde da Estratégia Saúde da Família, o maior desafio da saúde pública é o financiamento dos processos, além do fortalecimento da atenção básica que reconhece as necessidades da população para agir de forma eficaz na promoção, prevenção e tratamento de doenças.

“Ainda encontramos entraves para o acesso universal à saúde pública, além de lacunas assistenciais importantes e um financiamento público insuficiente. As clínicas populares tornaram-se alternativas que amenizam momentaneamente a necessidade do paciente, mas a longo prazo e, a depender do quadro clínico, ele acaba retornando para o SUS, caso necessite de um tratamento prolongado ou de alta complexidade, o qual seria dispendioso se fosse realizada de forma particular”, opina Coltan. 

Planos de Saúde não garantem eficiência em atendimento médico 

Problemas em atendimento na área da saúde não figuram apenas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da contratação de planos de saúde ser considerada uma conquista importante na vida do cidadão, relatos de usuários e dados divulgados por órgãos de defesa do consumidor apontam que mesmo que a pessoa pague para ter acesso à saúde, ela ainda pode enfrentar dificuldades e até erros em diagnósticos concedidos ao beneficiário.

Para se ter uma idéia, a Unimed – Goiânia, um dos planos de saúde que tem maior cobertura no estado de Goiás aparece na lista divulgada pelo Procon Goiás do ranking das 50 empresas que tiveram maior número de reclamações por consumidores junto ao órgão durante o mês de Fevereiro de 2019. A lista é um serviço prestado pelo Procon Goiás que tem o objetivo dar conhecimento ao consumidor goiano sobre empresas que mais infringiram o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Igor Vieira trabalha informalmente vendendo frutas pelas ruas do Setor Marista na Capital. Ele não possui mais plano de saúde, pois seu pai perdeu o emprego que concedia o benefício à sua família. No entanto, Vieira afirma que quando precisou usar a Unimed Goiânia, sofreu mais do que se tivesse sido atendido pela saúde pública. “Eu estava impossibilitado de trabalhar por causa de uma sinusite brava que tinha me pegado. Depois de realizar um exame de raio-x simples o médico disse que eu deveria ‘entrar na faca’ para fazer um dreno de muco no pulmão”. Segundo Vieira, seu exame de raio-x foi trocado e era outra pessoa que necessitava fazer o procedimento cirúrgico. Ele conseguiu descobrir a confusão a tempo e foi tratado apenas com antibióticos.

Ainda assim, para quem tem emprego fixo e sabe que o salário vai cair todo mês na conta bancária, a contratação de plano de saúde pode dar certa segurança. Afinal, nunca sabemos quando vamos ficar doentes e alguns exames e procedimentos cirúrgicos podem ser muito onerosos para o trabalhador. Segundo levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar a contratação de planos de saúde acompanha o crescimento de empregos formais.

Os dados apontam que no Brasil o mercado de planos de saúde médico-hospitalares iniciou 2019 com crescimento de 226,7 mil vínculos entre janeiro de 2019 e o mesmo mês do ano anterior. O setor registra alta de 0,5% nesse período. O crescimento está em linha com o mercado de trabalho do país que também apresentou crescimento em janeiro deste ano, com saldo positivo de 34,3 mil postos formais. (*Especial para O Hoje) 

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