“Mocós” ferem patrimônio histórico de Goiânia

Há concentração de bens culturais com valor histórico nas áreas mais antigas da cidade, Centro, Campinas, Setor Sul e Universitário. Bairros onde há maior concentração de abandono de edifícios - Foto: Wesley Costa

Postado em: 08-11-2019 às 06h00
Por: Leandro de Castro Oliveira
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Há concentração de bens culturais com valor histórico nas áreas mais antigas da cidade, Centro, Campinas, Setor Sul e Universitário. Bairros onde há maior concentração de abandono de edifícios - Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Imóveis abandonados que acabam se transformando em ocupações para pessoas em vulnerabilidade social podem ter valor para o patrimônio histórico da cidade. De acordo com o gerente de fiscalização de áreas Públicas da Prefeitura de Goiânia, Célio Nunes, a maior parte de lugares abandonados está localizada na região central da cidade. Estima-se que haja pelo menos 473 edificações protocoladas no cadastro de imóveis abandonados da Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh). O gerente afirma que edifícios com ausência de cuidados são “mocós” em potencial.

No dicionário da Língua Portuguesa, Mocó é um mamífero roedor típico da região da caatinga. O sentido popular da palavra denota esconderijo de drogas e local para uso constante de entorpecentes. De acordo com Célio, os “mocós” também são mais comuns nas áreas do centro da Capital. “Pessoas em vulnerabilidade social procuram estes lugares mais próximos do centro para se protegerem das agruras das ruas. São regiões onde elas conseguem sobreviver com doações de comida ou por meio de trabalhos não remunerados”, destaca.

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Para o coordenador do Movimento Nacional de População de Rua em Goiás, há o estigma de relacionar a população de rua com a dependência química. Ele fala sobre um estudo que revela que essa população é constituída de 79,9% de trabalhadoras e trabalhadores que desenvolvem alguma atividade não remunerada como vigiar carro, limpar para-brisas, catar material reciclável pela ausência de política pública de trabalho que contemplem essas pessoas.

“Muitas delas são egressas do sistema prisional, aí fica muito fácil apontar e dizer que todo mundo na rua é ladrão e usuário de drogas”, afirma Eduardo. Ele ainda diz que a população de rua é crescente no país por ausência de políticas públicas ao longo do desenvolvimento das pessoas de uma forma geral. Não temos educação pública de qualidade, não temos habitação de qualidade a renda da população é baixa. Um desenvolvimento ideal com qualidade, com educação de qualidade para possibilitar que as pessoas mantenham o equilíbrio ao lidarem com suas dificuldades ao longo da vida.

Dinâmica de abandono

Célio alerta que é difícil constatar qual é o dado real sobre o número de imóveis abandonados devido à dinâmica do fato na cidade. “No entanto, o número acaba sendo estável porque a atividade desses abandonos na Capital tem um certo equilíbrio. Por exemplo, hoje pode ter um imóvel cadastrado como abandonado e amanhã ele pode ter sido regularizado para sair do cadastro, mas a informação não é atualizada. Por outro lado, um outro edifício fica em situação de abandono, mas não é notificado”.

Ele ainda afirma que a questão de fiscalização é precária. Há vinte anos não há concurso para fiscais na pasta. A arquiteta e urbanista, conselheira do Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Janaína de Holanda, afirma que a fiscalização de prédios abandonados é fundamental e que o quadro de fiscais atualmente é muito aquém da realidade territorial da cidade.

O gerente de fiscalização afirma que quando uma propriedade consta como abandonada, ela é acometida por problemas de higiene, segurança pública ou risco de desabamento. No entanto, Célio relata que o abandono de prédios e edificações pode refletir em prejuízo ao patrimônio histórico da cidade. A tendência é que haja uma concentração de bens culturais históricos nas áreas mais antigas da cidade como Campinas, Centro, Setor Sul e Universitário. Justamente, os bairros onde há maior concentração de abandono de edifícios e “mocós”.

“Muitos proprietários deixam seus prédios descuidados, na esperança de que a Prefeitura faça o trabalho da demolição. Mas acontece, que alguns desses edifícios são acautelados”. Imóveis acautelados são aqueles que possuem valor cultural histórico passível de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A certidão de acautelamento impede que o bem seja demolido. O gerente de fiscalização afirma que a maior dificuldade da pasta é encontrar o proprietário desses edifícios para facilitar o processo de notificação.

Município deve assegurar tombamento de imóveis

O inventário de imóveis com valor histórico e cultural da Capital feito pelo Iphan em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), a pedido do Ministério Público de Goiás (MP-GO) revela que existem 339 imóveis tombados em Goiânia. A administração do município tem até março do ano que vem para elaborar uma política pública de preservação do patrimônio arquitetônico de Goiânia. Ela deve averiguar o estado de mais até 600 propriedades para assegurar as certidões de acautelamento destes locais, assegurando o tombamento.

Célio afirma que as pessoas que possuem edifícios nessas circunstâncias e querem dar uma outra finalidade para o espaço, devem buscar uma alternativa para conseguir o alvará de demolição. “Às vezes, o cidadão não tem interesse de ficar com o prédio e quer transformá-lo em um estacionamento, por exemplo. Nesse caso, deve procurar logo o alvará de demolição para que não tenha que abandonar o imóvel com a finalidade de que a Prefeitura faça a demolição por risco de desabamento, higiene ou segurança pública. É um problema que pode ser evitado”.

Segundo Janaína, prédios abandonados podem ser um risco à saúde pública pois podem ser locais de atração de vetores de doenças. Além disso, após anos de abandono, há risco na segurança estrutural dessas edificações.“Em situações extremas, onde o proprietário não tem mais interesse na conservação desse imóvel ao seu patrimônio, e que esteja com alta dívida de impostos há previsão legal para que estes sejam arrecadados e encampados pelo poder público, e posteriormente demolidos”, afirma.

O fiscal da Seplanh revela que o processo para se conseguir um alvará de demolição se tornou mais fácil. Os dados sobre a situação das propriedades entraram recentemente para um sistema informatizado da Seplanh. O fato facilitou a questão burocrática para determinar se as propriedades poderiam ou não poderiam ser demolidas com mais rapidez. “Antes, não tínhamos a informação do histórico de valor cultural do edifício em mãos. Hoje, isso deu uma dinâmica maior para que o alvará de demolição saia com mais rapidez”, constata o gerente.

Célio ainda afirma  que se as informações sobre edifícios acautelados fosse mais transparente para a população, o patrimônio histórico poderia ter uma atenção mais garantida. “A referência de que os prédios e casas poderiam possuir valor histórico deveria ser acessada de maneira mais fácil pelo cidadão. Acho que poderia haver até placas de identificação nesses locais. Quando sabe-se que um lugar tem valor histórico, ele passa a ser mais zelado e cuidado por todos. Isso aumenta as denúncias em caso de invasões à essas propriedades”, alerta.

De acordo com a conselheira do CAU-GO, Janaína de Holanda, é necessária uma política de apoio e estímulo aos proprietários visando a conservação desses imóveis, inclusive com financiamento público. “Esses imóveis, se for o caso, podem sofrer adequações para usos mais contemporâneos e compatíveis com a localização dos mesmos”, afirma.

 

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