Uso de “kit Covid”, sem eficácia comprovada, gera confronto entre médicos

Entidades divergem sobre eficácia no uso de Ivermectina e outros medicamentos contra o Sars-CoV-2| Foto: Wesley Costa

Postado em: 15-07-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Entidades divergem sobre eficácia no uso de Ivermectina e outros medicamentos contra o Sars-CoV-2| Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

A polarização em torno de dois modelos do tratamento da Covid-19 extrapola a questão médica e se torna política. Há o modelo pré-hospitalar que trabalha com prevenção e terapia da doença instalada por meio de medicamentos. Nesse modelo, vários protocolos orientam o uso de Ivermectina, Vitamina D3, Sulfato de Zinco e Hidroxicloroquina. No outro polo, existe o modelo hospitalar que não reconhece os benefícios da profilaxia medicamentosa e defende apenas o uso de fármacos que tratam os sintomas até a internação do paciente. A distribuição de kits de remédio pelo SUS é alvo de debate.

Um dos medicamentos recomendados pelo modelo pré-hospitalar é o uso de Ivermectina em estágio de prevenção da doença. No entanto, de acordo com o Ministério da Saúde e a autoridade sanitária do governo dos EUA, Food and Drug Administration (FDA), não há nenhuma comprovação científica de que a Ivermectina seja um medicamento eficaz para tratar pacientes com Covid-19. Os outros medicamentos também estão sendo distribuídos junto com a Ivermectina em “kits” por prefeituras e por sistemas de saúde privados, mas nenhum deles tem estudos que comprovem sua eficácia no combate à Covid-19.

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No modelo pré-hospitalar frente à doença instalada, considera-se três fases clínicas. Na fase inicial, é feito o uso dos medicamentos descritos na profilaxia acrescidos de Azitromicina e anticoagulante. Para a fase intermediária, é acrescentado a corticoterapia tipo Prednisona e pode-se fazer a troca de Azitromicina por outro antibiótico de largo espectro. Na fase avançada o doente deve estar internado, com acesso à UTI com indicação para intubação e soro de convalescente.

No modelo hospitalar não há reconhecimento dos benefícios da profilaxia medicamentosa e nem a utilização referente às fases inicial e intermediária. Este modelo defende o uso de fármacos sintomáticos até a fase avançada no ambiente hospitalar, em UTI com procedimentos de intubação para os casos mais graves.

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) afirma que os antiparasitários Ivermectina e Nitazoxanida mostraram atividade contra o novo Coronavírus em experimentos in vitro, mas destacam que ainda não há comprovação de eficácia dos medicamentos.

Pacientes assumem risco 

A vendedora Nara Rúbia Caetano foi diagnosticada com a Covid-19 no início deste mês. Ela descobriu que estava com a doença depois que a empresa em que trabalha realizou testagem dos funcionários. Nara estava apenas com sintomas leves da doença e teria continuado a ir trabalhar se não tivesse sido testada. “Estava sentindo dores lombares e de cabeça. Além de um cansaço muito forte, mas achei que era por causa do trabalho”, relata a vendedora. 

Apesar de ter sido testada positivamente para a doença na testagem que a empresa realizou, Nara buscou o teste pelo método PCR-H no Hospital de Campanha de Goiânia, mas o teste não foi realizado porque ela apresentava apenas sintomas leves. No entanto, a vendedora foi atendida por uma médica que optou pelo método pré-hospitalar com uso de medicamentos para tratá-la.

Ela tomou Ivermectina, Azitromicina, Vitamina D e Zinco por duas semanas. “A médica afirmou que o tratamento não tinha comprovação científica, mas alertou que os medicamentos não fariam mal”, diz. Nara afirma que não sentiu nenhum efeito da medicação em seu corpo. “Como eu fiz o teste no trabalho, por acaso, eu já estava no ciclo final da doença, já não tinha mais sintomas”.  A vendedora foi diagnosticada com Covid-19 no início do mês, mas já se recuperou e voltou ao trabalho.

Conselhos 

O Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO) se posicionou contra o uso indiscriminado de fármacos que não tenham eficácia comprovada no combate a Covid-19, mas a distribuição de kits com medicamentos preventivos tem apoio de um grupo de médicos em Goiás. O Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) não se posicionou sobre o assunto.

Por meio de nota, a Associação Médica do Estado de Goiás (AMG) tece uma série de considerações para reconhecer os dois modelos de prevenção e tratamento da doença e reconhece a polarização política da classe médica em relação a eles. Diante do reconhecimento da AMG, a Associação defende que o princípio adotado para a escolha do modelo mais adequado no tratamento ou prevenção da doença deverá se basear no princípio da bioética que é a autonomia do profissional médico e do paciente em relação aos tratamentos.

A AMG defende que a prática médica de transformar o “verbo em ação” deve ser estimulada. Ela se baseia no princípio de que o modelo que melhor convencer o médico deve ser aplicado a todos os pacientes, sejam eles pobres, ricos, desconhecidos, membros da minha família e para o próprio profissional. No entanto, a Associação ainda diz que o médico não deve omitir ao paciente a possibilidade do uso dos dois modelos aventados e permitir que a autonomia da vontade dos pacientes seja respeitada na plenitude.

Tratamento pré-hospitalar é debatido político e judicial

A liminar que pedia a obrigatoriedade do Estado e município de Goiânia a garantir a distribuição de tratamento ambulatorial precoce a pacientes diagnosticados com Covid-19 foi negado pelo juiz federal Euler de Almeida Silva Júnior. A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF-GO).

O juiz justificou que a atuação jurisdicional poderia implicar ofensa ao princípio constitucional da autonomia dos Poderes. O tratamento em debate faz o uso de cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e adjuvantes, como veiculados pelo Ministério da Saúde na Nota Informativa nº 09/2020-SE/GAB/SE/MS e atualizações supervenientes. De acordo com o magistrado, a escolha da “melhor evidência científica” aplicável concretamente ao SUS, no âmbito farmacológico, é matéria de mérito administrativo e a decisão não cabe ao Juízo Federal.

Para o autor da ação feita pelo Ministério Público, o procurador da república Ailton Benedito, todas as alternativas farmacológicas seguras que apresentaram resultados positivos no combate à pandemia deveriam ser considerados pelas autoridades sanitárias. O procurador recomendou ao Estado de Goiás e ao Município de Goiânia que providenciassem a distribuição dos medicamentos nas respectivas unidades de saúde do SUS, mas não teve êxito e optou por ajuizar a Ação Civil Pública que foi negada.

Política

O deputado federal Zacharias Calil (DEM) defende o tratamento preventivo para Covid-19 e afirma que a Câmara dos Deputados vai se posicionar sobre o dilema. A declaração foi feita na manhã da última segunda-feira (13) no Palácio das Esmeraldas, em Goiânia, durante coletiva de imprensa convocada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) e o prefeito de Goiânia, Iris Rezende (MDB) sobre o novo decreto da volta de atividades econômicas.

O parlamentar é cirurgião médico e acredita que o tratamento preventivo seria a estratégia mais eficaz para evitar que o sistema de saúde entre em colapso, diminuindo a demanda por leitos de UTI. “Muita gente critica e fala que é uma ‘balela’, que não tem estudo científico, mas como falar para o paciente não fazer se ele chega em seu consultório e quer fazer? Temos que dar opção”, declarou.

Zacarias acredita que o tema médico está sendo polarizado politicamente. “Está havendo uma politização da área sanitária e da política em si. O tratamento precoce hoje é o mais indicado. É uma doença desconhecida e nós temos que tomar uma posição e a nossa comissão na Câmara vai tomar essa posição”, disse. Ele ainda afirma que o tratamento precoce vai evitar que pacientes lotem os leitos de UTIs. O deputado também defendeu o uso preventivo de Ivermectina na profilaxia da doença, afirmando que ele e toda a família fizeram uso do fármaco. (Especial para O Hoje)

  

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