Movimentos antirracistas cobram mais ações em Goiânia

Pela primeira vez, prefeitura e presidência da Câmara são ocupadas por pessoas negras simultaneamente | Foto: Wesley Costa

Postado em: 17-01-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
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Pela primeira vez, prefeitura e presidência da Câmara são ocupadas por pessoas negras simultaneamente | Foto: Wesley Costa

Eduardo Marques

Apesar de Goiânia ter prefeito (Rogério Cruz) e presidente da Câmara Municipal (vereador Romário Policarpo) negros, representantes de movimentos dizem que a luta pela igualdade racial será um desafio. Segundo movimentos antirracistas da Capital, falta diálogo e políticas públicas de incentivo a igualdade racial em Goiânia. Eles destacam que a sociedade em geral deve adotar a pauta antirracista e que o poder público promova bem-estar social.

Líder do Instituto Coordenação de Negras e Negros de Goiás (Conngo), Thales Damascena disse que gestão de Rogério Cruz e a do presidente da Câmara Municipal não sinalizaram nem na campanha e após a posse apoio a causa negra. “[Na gestão passada da prefeitura] tínhamos uma relação mais próxima com a Secretaria de Cultura (Secult). Nem com a atual e o presidente da Câmara ainda não temos”. Segundo ele, até então “estava sem Conselho de Igualdade Racial, tanto estadual quanto municipal e isso gerou um vácuo entre a relação entre o executivo, legislativo e a sociedade civil”.

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Em relação ao prefeito e presidente da Câmara serem negros, ele ressalta que isso traz representatividade. “Mesmo Rogério Cruz sendo pastor, mas é um prefeito negro em um Estado muito conservador. Então é de grande importância e isso incomoda muito, não só ele, mas na Câmara, dos 35 vereadores, 3 se declaram negros. É importante para que os jovens possam estar participando cada vez mais da vida política, mostrando que é possível”, diz ele.

De acordo com Thales, a juventude negra pensa na parceria com o poder público para mostrar a necessidade dessa relação. “Muito mais do que essa ruptura que as pessoas pensam que os jovens negros querem uma distância do Estado. Muito pelo contrário. Lutam pelo reconhecimento financeiro, igualdade racial para dialogar e buscar soluções para esse grupo, tanto cultural como emprego, estudo, enfim. O diálogo é a única forma que se tem para alcançar os objetivos”.

Ele aponta que o movimento negro luta para criar o Conselho Estadual de Igualdade Racial. “É o Estado que mais mata jovens negros do Brasil. Goiás e Goiânia passam a média nacional. Goiânia não apoia tanto a cultura negra. E isso tem prejudicado. É um grande desafio a atuação do movimento negro nesse Estado conservador. Por isso precisa estabelecer uma agenda de diálogo com a prefeitura e a Câmara”, defende.

Combate ao racismo

Ao O Hoje, o titular da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas, Filemon Pereira Miguel, garantiu que a atual gestão municipal desenvolve ações. A principal delas, segundo ele, é o combate ao racismo desenvolvido pela Superintendência de Igualdade Racial (com palestras, rodas de conversas em escolas públicas). E também com formação voltada ao público universitário.

De acordo com Filemon, a prefeitura dispõe do Conselho Municipal de Igualdade Racial, que foi estruturado durante o mandato do ex-prefeito Iris Rezende. Ele reconhece que estabelecer uma política de saúde para população negra, sobretudo a questão da Anemia Falciforme, é uma pauta desafiadora. O secretário salienta que também existem ações de formação junto aos servidores de combate ao racismo institucional.

Na campanha, a coligação de Maguito Vilela e Rogério Cruz assumiu o compromisso de valorizar a cultura e garantir os direitos da população negra da Capital. À época, o então candidato à vice-prefeito enfatizou a importância de estabelecer ações que valorizem a cultura.

“Tratamos sobre a questão do antirracismo e também destacamos a importância que a nossa cultura seja preservada, e temos certeza de que na gestão de Maguito a cultura afro será muito respeitada. Nosso objetivo é criar uma cidade que ofereça oportunidades e qualidade de vida para cada um de seus moradores e é isto que vamos fazer”, disse Cruz.

A reportagem entrou em contato, por meio de aplicativo de mensagens, com o vereador Romário Policarpo para comentar sobre o assunto, mas até o fechamento da edição ele não respondeu. 

Movimento confia em parceria pela igualdade racial 

O presidente do Centro de Cidadania Negra do Estado de Goiás (Ceneg-GO), Aluísio Black, disse que está confiante que o prefeito da Capital dará suporte à luta pela igual racial. “Eu conheço a trajetória de Rogério Cruz. Ele é defensor dos direitos humanos. É um cara que merece estar onde está. Ele disse na campanha que a comunidade negra estaria dentro dos planos dele, uma vez que ele é defensor dos direitos civis”, salienta.

Embora, reconheça os desafios. “Em nenhum momento podemos descansar, achando que chegamos ao topo. Esta igualdade da promoção racial está distante pela desigualdade que assistimos em nossa cidade. Pessoas negras ocupando espaços menos favorecidos e ganhando salários inferiores, com a mesma capacidade técnica. Os desafios são em todas as áreas. Temos muito a conquistar”, defende.

Black ressalta que os movimentos negros precisam dialogar com o poder público para alcançar os objetivos. “Temos que dialogar sempre com o poder público, independente de quem vai sentar lá. Vendo que temos um gestor igual ao prefeito, vai ser fácil esse diálogo porque ele já conhece nossa luta. Já faz parte de nossa luta. Então, acreditamos que ela vai ocorrer de forma harmoniosa. Nós queremos muito colaborar, uma vez que temos condições para isso”.

Luta

Coordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Ieda Leal faz uma retrospectiva histórica da luta negra no Brasil. “Estamos aqui há mais de 500 anos e Goiânia tem 87, então com essa idade e o tempo que temos com Câmara de Vereadores, é a primeira vez, se não me engano, temos reeleito um presidente da Câmara Municipal negro. Ele se posiciona diante do racismo de uma forma muito contundente”, defende.

Ieda afirma que o prefeito da Capital tem o dever de organizar a cidade para combater o racismo. “Nós temos também a presença de um homem negro na prefeitura de Goiânia. Rogério deve firmar o compromisso de propor políticas de combate ao racismo, ao machismo. Ele tem que organizar a cidade de forma que resgata a luta por igualdade racial. Eles terão que fazer isso com muita propriedade. A luta pelo racismo a responsabilidade é da cidade. E nas mãos de homens negros, a tarefa é cuidar dela e cuidar dessa pauta que não é exclusiva da comunidade negra. A luta antirracista de toda a sociedade”, salienta.

Ieda sugere que a sociedade integre a luta de combate ao racismo. “Temos que trabalhar para o racismo desaparecer, como machismo. É preciso que eles tenham o cuidado de, ao propor para a cidade, políticas que escutem negros e negras e mulheres brancas. Nós não podemos mais conviver com uma cidade racista e nem machista. O movimento negro estará a todo momento cobrando a pauta racial, mas também para a cidade. Queremos viver em uma cidade que tenha condições de ter educação, saúde, lazer pata todo mundo. A parcela negra é significativa. A tarefa dos gestores extrapola a identidade partidária e de igreja”. (Especial para O Hoje) 

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