Famílias lutam para produzir alimento em meio à ordens de despejo

No ano passado, enquanto o dono da rede de restaurantes Madero anunciou a demissão de 600 trabalhadores, o MST anunciava a doação de 12 toneladas de arroz orgânico cestas básicas | Foto: reprodução

Postado em: 18-04-2021 às 16h45
Por: Carlos Nathan Sampaio
Imagem Ilustrando a Notícia: Famílias lutam para produzir alimento em meio à ordens de despejo
No ano passado, enquanto o dono da rede de restaurantes Madero anunciou a demissão de 600 trabalhadores, o MST anunciava a doação de 12 toneladas de arroz orgânico cestas básicas | Foto: reprodução

João Gabriel Palhares

Com pouco mais de um ano de
pandemia tem ficado cada vez mais evidente como a sociedade se mostra injusta
com diferente grupos socioeconomicos
. Em abril de 2020, pouco tempo após a confirmação do
primeiro caso do vírus da Covid-19 no Brasil, diversas crises começaram a se
instaurar pelas bases do país. Os segmentos conseguiram seguir sua caminhada,
alguns pela solidariedade e outros pelo capital. No Rio Grande do Sul, no mesmo
dia em que o dono da rede de restaurantes Madero anunciou a demissão de 600
trabalhadores, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) divulgou a
doação de 12 toneladas de arroz orgânico para compor a cesta básica de pessoas
em situação de vulnerabilidade social.

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A solidariedade dos povos do campo, não só nesse momento,
como desde a sua primeira semente posta em meio a terra, ultrapassou todas as
expedições dos milionários brasileiros na busca pelo lucro. Apesar dos esforços
e das reinvenções da agricultura familiar para manter sua autonomia, ainda
falta um apoio por parte do Estado. De acordo com a agricultora familiar,
Agajoeme Alves, apesar das circunstâncias de pandemia, os agricultores da sua
comunidade estão dispostos a produzir, mas, ainda, falta muita cooperação por
parte do Governo.

Agajoeme é uma das lideranças do Assentamento Padre Ilgo,
que fica na região de Caiapônia. Segundo ela, no ano de 2019, uma das famílias
que moram na comunidade chegou a produzir 40 sacos de arroz. Com perspectiva
maior para o ano seguinte, a produção não pode ser continuada em decorrência
das inseguranças da pandemia para os agricultores. No início do isolamento,
como estratégias para circular os produtos e não deixá-los perder, continuaram
a ser realizadas as feiras semanais dos assentados. Entretanto, com o passar
dos meses e o surgimento dos decretos municipais, diversas pessoas da cidade começaram
a se refugiar no campo, tornando inviável a continuação.

“Diversos alimentos foram jogados para os animais”, conta.
Se reinventando, a comunidade estabeleceu uma rede de comunicação pelo
aplicativo Whatsapp, onde foi
possível restabelecer a comercialização, de forma que evita-se tanto contágio
entre as famílias. Não atendendo tanto às necessidades dos produtores, Agajoeme
relata que tiveram que recorrer aos projetos de incentivos federais e
estaduais. Segundo ela, a busca pela prefeitura de Caiapônia, não foi uma
opção, pois, desde o início da pandemia ninguém teria chegado a comentar sobre
algum auxílio de transporte ou comercialização dos produtos dos assentamentos.

Na busca por incentivos, no ano de 2020, 15 mulheres do
Assentamento Padre Ilgo realizaram, com apoio da Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) e 
da Cooperativa Mista Agroindustrial dos Agricultores Familiares dos
Municípios de Caiapônia (Coopercap) inscrições nos Programas de Aquisição de
Alimentos (PAA). Com a aprovação das propostas, as famílias se preparam e
produziram diversos alimentos. Entretanto, por volta do final do ano, com os
produtos prontos para serem enviados, os recursos não chegaram.

Em segunda tentativa, houve o apoio novamente às famílias,
por parte da cooperativa e da confederação para a realização dos projetos no
âmbito estadual. Em número reduzido, 4 famílias concorreram e foram aprovadas.
Mas, novamente, não se ouviu falar sobre o recurso. Recorrente a situação pelas
famílias, Agajoeme conta que com diversas pressões foi dado um retorno e o
auxílio pretende ser enviado nas próximas semanas, de acordo com a Secretaria
de Desenvolvimento. Passado por todas as situações de luta por um direito que é
básico e fundamental, as famílias se encontram desamparadas. “Como a produção
estava sendo jogada fora, as famílias ficaram mais incentivadas”, conta.

Invasões

Além das atrocidades e tentativas de cercar os frutos da
agricultura familiar, em 2020, foram realizadas diversas invasões em comunidades
do campo, com tentativas de despejos. Até o momento, em Goiás, 30 famílias
passam por risco iminente de serem retiradas de suas terras. Em decorrência das
situações, com apoio da Campanha Parem os Despejos, organizada pelo Coletivo de
Advogadas e Advogados Populares, Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás
Balduíno e Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da UFG, foram
criadas diversas redes de solidariedade e fortalecimento da reforma agrária.

Até o momento, com apoio de movimentos e coletivos foram
derrubadas 4 decisões judiciais, tornando-as favoráveis à permanência das
famílias nos assentamentos Chê, Oziel Alves, Dom Tomás Balduíno e Fazenda
Monjolo. De acordo com Angela Cristina, uma das coordenadoras executivas do
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno, as decisões têm cada vez
mais acirrado  as desigualdades sociais.
“Caso se cumpram esses despejos, teremos um agravamento sem precedentes da
crise humanitária que cresce a cada dia com o aumento da pobreza, miséria e da
população em situação de rua”, conta.

O estado de Goiás passa pelo momento mais grave da pandemia.
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES-GO), foram contabilizados até
a terça-feira (06/4) 497.643 casos confirmados de coronavírus, tendo a
incidência de 7.090 notificações para cada 100 mil habitantes. Em mortes, até o
momento foram notificadas 12.306. Como um ponto que também impacta na escala de
infectados e mortos pela Covid-19, as decisões em relação às liminares de
despejo demonstram não só um crime contra a vida dos agricultores, como também,
de saúde pública.

Vítimas de uma tentativa de despejo, em 2020, no Acampamento
Oziel Alves, o agricultor e a agricultora familiar, Valdivino Maria e Magna
Pires, contam que apesar de ser resumida à opressão, trouxe, no final, uma
grande vitória. Após cerca de uma semana de luta, a comunidade conseguiu que a
liminar de despejo fosse removida. Na semana, Magna lembra sobre a forma como
foram abordados. “Derrubaram diversas barracas, sem mesmo pensar em deixar que
retirássemos nossas coisas. Chegaram na cisterna  que demoramos dias para construir e entupiram
ela com terra em questão de minutos”, relembra.

Valdivino questionou sobre as posições por parte do poder
público. Ele conta que procurou o campo, pois, na cidade não havia mais espaço
para ele. “Não há emprego para nós, por isso procuramos a agricultura
familiar”, afirma. De acordo com ele, desde o início da ocupação, o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) havia assegurado a terra para
eles, entretanto, em 2016, após o Golpe no Governo Dilma as discussões sobre a
regulamentação das parcelas não foram retomadas.

Como uma forma de proteção dos agricultores familiares, será
votado nos próximos dias pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) um
Projeto de Lei que prevê a proibição de que famílias sejam despejadas de suas
moradias durante a pandemia. Com autoria da deputada estadual Adriana Accorsi
(PT), a proposta dispõe sobre os efeitos do Estado de Calamidade Pública prevista
no Decreto n˚ 501, de março de 2020, sobre a suspensão do cumprimento de
medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas que resultem em despejos,
desocupações ou remoções forçadas, em imóveis privados ou públicos, em áreas
urbanas ou rurais.

“O Projeto em questão visa justamente garantir a
sobrevivência de pessoas que podem, a qualquer momento, se verem desabrigadas
em meio a maior crise sanitária de nossa história”, afirma a deputada. A
chegada da proposta até a Alego – um local predominantemente pertencente aos
detentores de grande poder aquisitivo, representa mais um galho da agricultura
familiar e dos movimentos sociais que ainda resistem. Mostrando assim, que,
mesmo que tentem podar o último ramo, os povos do campo e suas redes
compartilhadas continuam a florescer.
 

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