Golpe do falso emprego expõe candidatos ao risco de Covid-19 em Goiânia

Advanced RH anuncia vagas de emprego, mas aos desempregados são ofertados cursos que chegam a custar R$ 900 em ambiente sem cuidados para evitar coronavírus

Postado em: 23-07-2020 às 16h50
Por: Lucas de Godoi
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Advanced RH anuncia vagas de emprego, mas aos desempregados são ofertados cursos que chegam a custar R$ 900 em ambiente sem cuidados para evitar coronavírus

Lucas de Godoi

Trabalhadores desempregados continuam sendo vítimas de uma
falsa agência de emprego em Goiânia em plena pandemia de Covid-19. A Advanced
RH, situada no 17º andar do Edifício Parthenon Center, no centro de Goiânia, é
o local onde Heisanier Oliveira Peres recebe jovens em busca de trabalho, mas
que são levados a contratar cursos de atualização profissional que chegam a
custar R$ 900,00.

O homem se apresenta como contratado de grandes empresas
nacionais e multinacionais para realizar processos seletivos, principalmente em
cargos administrativos. Pelo perfil das vagas, o homem acaba atraindo jovens
inexperientes ou que buscam o primeiro emprego.

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Matheus Silva, de 20 anos, foi um dos que se candidataram a uma
vaga anunciada nas redes sociais e foi até o local com todos os documentos. Ele
lembra que a abordagem inicial foi intimidatória. “Desde o início, houve tom de
ameaça que, caso eu agendasse a entrevista e não comparecesse, meu nome ficaria
vinculado negativamente a cerca de cinco mil empresas que o grupo tem parceria
no Estado de Goiás”, explica.

“Quando eu cheguei lá, ele mesmo era o recepcionista e
guardou consigo o currículo para ser encaminhado a uma das três vagas que tinha
em aberto com salários exorbitantes”, conta o jovem. Em seguida, conta, todos
os candidatos foram encaminhados para uma sala onde o homem ministrou uma
palestra em que falava aleatoriamente sobre vários assuntos.

A reportagem conversou com outro candidato que não quis se
identificar por medo de represálias. Ele havia se deslocado de ônibus de Aparecida
de Goiânia para participar do processo seletivo. Ele ficou aflito ao se dar
conta de que fora enganado. Também ficou preocupado ao lembrar que o homem
agora mantém um currículo com suas informações. 

A Diretora e Mentora de Gestão de Carreira da Apoio
Consultoria de Negócios, Dilze Percilio, conta que esse tipo de evento é muito
comum em épocas de crise econômica, momento em que as pessoas estão mais
frágeis e desesperadas por voltar ao mercado de trabalho formal.

“Está muito recorrente, desde que entramos no auge da crise
de 2015, muitos sites e muitas empresas estão aplicando esses golpes de vagas.
O golpe tem vários níveis. Por exemplo, havia uma época que estas pessoas anunciavam
as vagas por meio de uma escola profissionalizante e condicionava a vaga à
realização do curso”, esclarece.

Segundo a profissional, nem mesmo a realização dos cursos é
garantia para a contratação. A orientação da especialista é analisar com
atenção os anúncios e checar junto às empresas citadas se há vagas em aberto. “Vá
direto na fonte, se você não sabe qual empresa que é a contratante, pesquise
sobre a consultoria que está ofertando a vaga, busque referências nos sites de
busca, leia as avaliações. Se tiver dúvidas, descubra o telefone, ligue e
pergunte se a vaga existe mesmo, porque há muitos golpes sobre a busca de
trabalho”, alerta.

O Hoje entrou em contato com a Advanced RH nos telefones
divulgados nas redes sociais, mas a ligação foi interrompida pelo consultor,
que não retornou. Por meio do WhatsApp, nosso pedido de entrevista foi lido,
mas não respondido até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto
para esclarecimentos.

Venda de cursos

Aos pretensos candidatos as vagas de empregos, Heisanier
Oliveira Peres oferecia um pacote de curso denominado Gestão Financeira &
Contábil, onde segundo o contrato, seriam abordados conteúdos sobre rotinas de departamento
de pessoal, escrita fiscal, tesouraria, contabilidade, faturamento, técnicas
bancárias, rotinas financeiras, sistemas de informática.

As pessoas eram levadas a acreditar que também participavam
de um programa estudantil e, por isso, os cursos teriam desconto de 50% por
meio de uma parceria com a instituição PRONAFE – FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. A
reportagem apurou que esta empresa foi aberta em 23/05/2011, mas não está ativa
na Receita Federal desde 18/10/2018 por omissão de declarações.

O Hoje procurou os responsáveis pela empresa citada como parceira,
mas os telefones cadastrados junto à Receita Federal estão desabilitados.

Investigado

Oliveira do RH, como se descreve nas redes sociais, chegou a
ser preso suspeito de aplicar golpe do falso emprego em 2015. Na época, pessoas
denunciaram à Polícia Civil que o homem, hoje de aproximadamente 50 anos, publicava
vagas falsas em jornais de grande circulação e, depois, oferecia cursos de
capacitação, assessorias e atualização de currículo. Na época ele foi solto
depois de pagar fiança de R$ 5 mil.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da
Polícia Civil de Goiás para descobrir o andamento da investigação e foi
informada que o inquérito policial foi concluído e remetido ao Poder Judiciário. 

Covid-19

Nos relatos feitos à reportagem também há a preocupação em
relação à propagação do coronavírus. Na porta da agência, há um aviso que leva
a crer que o Decreto nº 9653, baixado pelo Governo de Goiás em 19 de abril de
2020, autorizava o trabalho no espaço. O estabelecimento citou que o documento
permitia o desempenho de “XI – Atividades econômicas de informação e
comunicação” e que, portanto, permitia a realização de “atividade de informação
de empregos”.

Naquela época, o documento do Governo liberava o
funcionamento somente das atividades consideradas essenciais, como
supermercados, farmácias, espaços médicos, transportes coletivos e privados e
outros envolvidos diretamente no combate à pandemia. O artigo citado pela
empresa faz referência, especificamente, ao trabalho executado pelos veículos
de imprensa e comunicação, como rádios, jornais, emissoras de televisão e sites
de notícia.

Na manhã desta quinta-feira (23), Heisanier Oliveira Peres
palestrou por cerca de 2 horas para 14 pessoas sem o uso de máscara de proteção
facial. No local também não havia álcool gel, água potável ou local indicado
para higienização das mãos. Em uma gravação cedida ao O Hoje, é possível ouvir
quando o homem incentiva a retirada da máscara para, segundo ele, melhorar o
conforto na atividade.

Aos presentes, o homem justificou a ausência do equipamento
de proteção individual. “Vocês devem estar estranhando um pouquinho: todos
vocês estão de máscara e eu estou sem máscara. A minha filha é formada em
Engenharia Química e hoje é funcionária da Petrobras, concursada”, afirmou
antes de mostrar um frasco de uma pomada para desobstruir o nariz em situações
de resfriado.

“É um produto que tem uma propriedade, minha filha me levou
no laboratório e me provou que o [produto] tem o poder de matar qualquer bactéria,
inclusive o Coronavírus. Não é receita médica de WhatsApp não, pessoal, isso
aqui é verdade”, alegou. Não há comprovação científica de que o produto previna
a Covid-19.

Fiscalização

Questionada sobre fiscalização específica em locais que
reúnem muitas pessoas, a prefeitura de Goiânia informou que a fiscalização está
nas ruas com a Central de Fiscalização Covid-19 , que reúne fiscais da Vigilância
Sanitária, Secretaria Municipal de Planejamento (Seplanh), Superintendência de
Desenvolvimento Tecnológico e Informação (Sedetec) e Guarda Civil Metropolitana.  

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