‘Uma gama de sentimentos’, diz Nando Reis sobre CD que chega às bancas
‘Jardim Pomar’, novo disco de Nando Reis, trata de temas sérios, com leveza, e retoma o romantismo cativante dos hits do cantor
Júnior Bueno
Nando Reis, tanto em sua carreira solo, como nos tempos em que era um dos Titãs, sempre teve uma vocação para hitmaker. De cabeça, dá para citar pelo menos uma dezena de músicas compostas por ele que fazem parte da biografia de muita gente nos últimos 30 anos. O Segundo Sol, Relicário, Luz dos Olhos, Marvin, Os Cegos do Castelo, Do Seu Lado, Resposta, Diariamente e Por Onde Andei são apenas algumas das muitas canções que ficaram eternizadas tanto na voz do ruivo quanto por outros cantores como Cássia Eller, Skank e outros.
Neste mês, chega às lojas Jardim Pomar, o mais recente álbum de Nando, com a missão de render mais frutos para o cancioneiro popular.
Se depender de Só Posso Dizer, primeiro single do álbum, a colheita será farta. Executada nas rádios desde outubro, já é um hit. A música foi gravada em Seattle, e uma nova versão, feita em São Paulo, também figura no disco. São duas versões diferentes, mas com a mesma melodia cativante e o romantismo de Nando. A escolha dessa canção para apresentar Jardim Pomar se mostrou acertada. Outras canções têm potencial para seguirem a fila: 4 de Março, Inimitável, Como Somos, com melodia de Samuel Rosa, Concórdia, que já havia sido gravada por Elza Soares, e Pra Onde Foi.
Azul de Presunto reúne um time de luxo em uma algazarra musicada. Paulo Miklos, Sérgio Britto, Arnaldo Antunes e Charles Gavin, ex-companheiros de Nando nos Titãs, se juntam a Tulipa Ruiz, Luiza Possi, Pitty e aos filhos de Nando: Zoé, Sebastião e Teodoro. O tom festivo da música combina com o clima do álbum, leve até quando fala de morte, e questiona a existência de Deus. O álbum de inéditas, o primeiro desde 2012 e o sétimo de estúdio, foi gravado em duas etapas, entre Seattle, nos Estados Unidos, e São Paulo. A obra inaugura o selo Relicário, de propriedade do cantor.
Nando Reis é um apaixonado pela materialidade do disco. Em entrevista ao Essência, ele diz que, ao se consumir música on-line, nem sempre “há a calma necessária para ouvir, para se ter o descobrimento e o estranhamento de se ouvir um disco”. Ao todo, as 13 músicas de Jardim Pomar compõem um belo mosaico e justificam a existência do CD enquanto bem físico. A arte do álbum é primorosa, e a coleção de canções escritas por Nando Reis coloca o álbum entre os melhores frutos da carreira do artista.
Entrevista Nando Reis
Você esteve em Goiânia há um mês, em um show no formato voz e violão, com seus grandes sucessos. E, agora, lança um disco de inéditas. Como é o processo de mostrar coisas novas para um público acostumado às músicas de sempre?
O show tem muitas músicas lado B também. Cantei músicas minhas que nunca tinha cantado em show; músicas minhas que outras pessoas gravaram e até apresentei Só Posso Dizer. Então é um repertório mais variado, mas você está certo em dizer que o público está mesmo mais acostumado com algumas músicas e que é preciso ter esse ‘desmame’. No show com banda, há uma predileção por essas músicas. Eu gosto que as pessoas saiam satisfeitas do show. Então é uma equação difícil. Tem essas 13 musicas novas para apresentar em um show que também não pode ficar muito grande. O show de Jardim Pomar vai estrear em maio, e esse é um problema que vou ter, em fevereiro, nos ensaios. Mas é um problema positivo. Quem bom que as pessoas gostam de muitas músicas.
Só Posso Dizer já é hit. Qual a história por traz dessa canção?
Eu a compus há dois anos e meio. É uma música linda, de uma tristeza, mas também é a revisão de uma longa história de amor que nunca é linear. É, como muitas outras, feita para a minha mulher, e é sobre esse amor que resiste ao desgaste, sobre saber o que se quer, apesar de tudo. O refrão resume bem isso e cita um verso de Lupicínio: ‘Não consigo dormir sem seus braços’. São cacos e trechos de uma relação que compõem um bonito mosaico.
E por que você colocou duas versões da mesma música no álbum?
Porque eu gravei o disco em duas etapas. Em junho do ano passado eu gravei em Seattle e, em fevereiro deste ano, gravei no Brasil outras músicas. E depois que a música estava gravada lá, eu percebi que ela estava muito lenta. Aí eu refiz, de uma outra maneira, e resolvi deixar as duas. Tem uma certa referência ao George Harrison que, no álbum All Things Must Pass, fez duas versões de Isn't a Pitty. E tem uma coisa legal: é que, pelo tempo do álbum, não caberia todo em um vinil, então vão sair dois vinis, um chamado Jardim, e outro, Pomar. E cada um terá uma versão. Quem preferir um ou o outro terá uma versão, e quem chegar a ele, apenas pela música, vai ser agraciado por qualquer um deles.
A música Lobo Preso em Renda soa como Raul Seixas. Foi uma referência?
Já tinham falado em Zé Ramalho, Bob Dylan e Belchior. E agora Raul. É uma letra longa, verborrágica, parece ter mais letra que tempo musical. Por ser coloquial, falada, há sim uma proximidade com essas referências, mas não se dá de maneira óbvia. Claro que toda criação vem do que se conhece, da formação do gosto de quem cria.
Os temas presentes no álbum – morte, fé, ausência de Deus e as paixões – vieram de experiências pessoais?
Não só das vivências e experiências, mas também de reflexões. São questões que compõem a nossa vida. A única certeza que temos é da morte, então que possamos viver, que a angústia não nos esmague. Que possamos viver com alegria. O álbum tem essa gama de sentimentos. Mas com leveza, sem maniqueísmo. Claro que há uma uma dualidade, ambiguidade, mas sem isso de mal e bom, certo e errado, esses antagonismos. A vida não é simples, tem essa densidade, e eu sempre falo sobre isso, mas não como um desalento, mas como constatação.
Você costuma dizer que tem uma visão de álbum como uma obra completa, um conjunto de músicas que fazem sentido juntas. Como é lançar o objeto CD na era do consumo de música pela internet?
É o que eu gosto de fazer. A riqueza do disco é a sequencia de músicas, a mudança que se nota de uma faixa para outra, o envolvimento com a história que ele conta. O disco não se consome em uma audição. A cada vez que se ouve, pode se descobrir alguma coisa nova. A música digital precisa de uma sobreposição de sentidos. E, no conjunto do álbum, ouvir música se torna uma coisa mais rica, mais diversificada, porque ativa outros sentidos, como o tato e a visão. Eu gosto da ideia de se baixar só uma música, mas a maneira como a música é consumida está despertando ansiedade nas pessoas. Não há a calma necessária para ouvir, para se ter o descobrimento e o estranhamento de se ouvir um disco.