Belô Velloso: altos e baixos da música na era digital

Cantora fala da vida pessoal, da carreira, dos tios famosos e do mercado fonográfico

Postado em: 02-05-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Cantora fala da vida pessoal, da carreira, dos tios famosos e do mercado fonográfico

Renato Estevão

É nas areias do litoral de São Paulo onde Isabel Teles Veloso de Mesquita, 45, passa as tardes de outono. Apesar de morar no Rio de Janeiro desde os 20 anos, ela nunca esqueceu Santo Amaro (BA), município onde nasceu. Rodeada por talentos, a baiana filha da escritora Mabel Velloso e sobrinha de Maria Bethânia e Caetano Veloso foi abençoada como Bibelô pela avó Dona Canô (1907-2012). A partir daí, Isabel saía de cena, e entrava Belô Velloso, uma das artistas mais talentosas da música popular brasileira.

Com a bênção da saudosa avó, que ficou só na saudade, Belô partiu de Santo Amaro com destino ao Rio de Janeiro a fim de guinar a carreira musical. Foi durante a década de 1990, época efervescente do axé music no Brasil, que não demorou muito para Belô conquistar o reconhecimento que almejava. Seus sucessos tocavam tanto nas rádios quanto nas telinhas, pois não eram difíceis de serem notados em comerciais e novelas. Desde o lançamento do primeiro álbum, em 1996, a artista já soma oito álbuns gravados com parcerias de cantores como Beth Carvalho, Caetano Veloso e Maria Bethânia.

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Com o talento na veia, a carioca do sangue baiano se reinventa para o trabalho. É uma camaleoa da música. Além de cantar, Belô compõe e até já trabalhou como DJ e blogueira. Ela também foi a primeira artista brasileira a apresentar uma WebTV e a primeira locutora de uma web rádio.

Em 1999, já prevendo os rumos da internet, Belô foi a primeira artista a lançar um áudio digital e a criar uma loja virtual direcionada aos internautas. Em entrevista ao Essência, a cantora baiana revelou detalhes de sua carreira, da aproximação com a música, das inspirações para trabalhar, e contou sobre a situação do mercado fonográfico atualmente. 

Entrevista: BELÔ VELLOSO 

Você sempre andou cercada de músicos consagrados que, assim como você, fazem parte da história da música popular brasileira. Qual é a primeira recordação, aquela que vem na sua memória desde menina ao se tratar de música?

Lembro-me com muito carinho das serenatas, no quintal da casa de meus avós, em Santo Amaro (BA). Lá sempre foi cenário de festas de nossa família e reuniões de amigos. Lembro-me de meus tios Caetano e Bethânia cantando e tocando violão com Gilberto Gil, Gal Costa e outros tantos nomes – famosos ou não, mas sempre com muito talento musical e boas risadas. Eu era muito criança na época. Gostava de ouvir as canções e aprendia com facilidade a cantar. 

Você é uma das cantoras mais prestigiadas atualmente no cenário musical. Como busca inspirações para cantar?

Minha maior inspiração vem de casa, de família, claro. Gosto de boa música. Venho de um berço musical. Quando nasci, meus tios já eram pessoas notórias. Grandes artistas. Sou muito agradecida por poder seguir um caminho já tão bem traçado por eles. Para mim, a maior inspiração sempre foi e sempre será minha madrinha, Maria Bethânia. Em minha opinião, a maior artista do Brasil.

O Brasil é um País que revela muitos talentos, e na Bahia a remessa é muito grande. Como é morar em um lugar que favorece o dom pela música, vista isso pelos históricos culturais da região? Você acha que o incentivo à música vem aumentando, tanto no Brasil quanto na Bahia?

A Bahia tem um cenário cultural muito próprio. Tem vida própria e capaz de se alimentar sozinha. Existe a diversidade que vai da MPB em essência, passa pelo axé music e vai além. É um estado muito grande e rico em ritmos. O samba de roda do Recôncavo baiano, por exemplo, está presente no meu trabalho. Acho que a motivação maior vem do público, do interesse do povo que consome todo tipo de música. Não acredito que haja um crescimento no incentivo externo, nem de mercado nem privado. O que existe – e está aí – é o mesmo, o de sempre. E é para segmentos. Eu não vejo como algo que tenha melhorado, não. 

Como é ser sobrinha de Caetano Veloso e Maria Bethânia? No início da carreira, havia uma cobrança maior por esses parentescos?

É difícil, complicado! São dois ícones. Houve e há uma cobrança. No começo, ela foi maior. Mas eu me cobro bastante. A cobrança começa comigo. Não dá para vacilar. Muita gente fica de olho esperando um vacilo pra apontar. Eles são artistas grandiosos, com sua história já escrita e respeitada na música brasileira. Meu nome será vinculado sempre ao deles: uma grande responsabilidade para mim, já que a trajetória deles é imensurável. Busco fazer o melhor possível dentro de um universo que pertence a eles. Quando cheguei, já havia muito caminho percorrido. Fico feliz por ser bem recebida pelos fãs e admiradores principalmente de Bethânia. Uma honra para mim ter o carinho de cada um deles.

Já são oito álbuns gravados, tanto acústicos quanto de estúdios. Para você, qual álbum é seu ‘xodó’ e qual deles mais te marcou? Por quê?

Cada um tem um sabor especial e diferente… Particularmente, gosto de todos. É um pedaço do que sou e vivi, uma extensão de mim. O primeiro me marcou demais, por motivos óbvios: primeiro passo, desafio imenso! Gravei com meus tios. No segundo, tive uma canção na novela, o que é uma delicia! Meu xodó, por assim dizer… posso citar uma canção? Por te querer, que foi tema de Camila Pitanga em Porto dos Milagres. O CD Belô Samba significa muito para mim. Eu adoro!

Quais são seus instrumentistas nacionais favoritos?

Gosto muito dos músicos com quem trabalho. Tenho especial admiração por Luís Brasil, Eduardo Lages e Luciano Calazans. São músicos de universos distintos, mas que tem rigor e amor à música. O maestro Eduardo Lages dispensa apresentações; tive a honra de ter seus arranjos no CD Mares. Luís é um violão de ouro, amigo querido, com quem já trabalhei algumas vezes; Luciano Calazans é um dos maiores baixistas que temos: músico versátil e apaixonado pelo que faz; um amigo, parceiro, produtor do Versão Brasileira; é provavelmente dos meus próximos trabalhos. 

Sua primeira música incluída em uma novela foi “Menos Carnaval”, em Era Uma Vez (Rede Globo, década de 1990). Após isso, Desde Que o Samba é Samba foi tema do seriado  Mulher e, Por Te Querer, tema da novela Porto dos Milagres, da mesma emissora. Toda Sexta-Feira foi tema da campanha de lançamento do resort Costa do Sauípe. O que a inserção de uma música em uma novela ou campanha publicitária muda para a carreira do cantor? Houve um reconhecimento na sua carreira a partir dessa época?

Era outra época quando a internet não havia dado um novo rumo para as coisas – todas as coisas, mas me refiro ao mercado fonográfico. Sim, foi muito importante ter canções em novelas. Em seriado também. A publicidade e a música não eram tão diretamente ligadas como hoje. Foi ótimo ser tema de um empreendimento novo, bonito na Bahia. Tudo isso deu maior visibilidade ao meu trabalho. Sou muito grata. 

Outra música que teve bastante repercussão foi uma versão em reggae do clássico do R.E.M., Everybody Hurts, ao ser lançado em dezembro de 2011. Rapidamente, ela tomou as paradas musicais, ocupando o terceiro lugar entre as músicas mais vendidas. Como foi ter uma música tão bem executada no início desta década? 

Foi muito bom! Fiquei feliz, pois é uma versão diferente de um clássico dos anos 80. Foi arriscada a ideia, o arranjo… Muito diferente do original que é tão marcante, do REM. Era a mensagem que eu queria passar no momento. E foi muito bem recebida. Ótimo! Graças a Deus. 

Como você avalia o mercado fonográfico nestes últimos anos para cá?

Uma loucura! O poder e o crescimento da internet deram uma reviravolta nas coisas. Mas acho que, aos poucos, tudo vai se ajeitar. Tem muita bobagem, por aí, que não faz sentido ter tanta dimensão. Ficou tudo sem critério, sem ordem. Vai levar um tempo para separar o joio do trigo. Isso é só o que eu acho. 

Você foi a precursora a apostar no áudio digital integrando o casting da BMGV Music, a 1ª gravadora on-line legalizada da internet. Tratando-se do trabalho dos músicos, como você avalia este mercado (fonográfico) com a vinda das músicas digitalizadas e a escassez de trabalhos fonográficos físicos, como os CDs, que eram produtos que vendiam bastante?

Boa pergunta! Acredito que o caminho inevitável para o mercado era uma mudança radical. Sempre fui atuante na internet, sempre lancei singles e acreditei na MP3 como melhor solução contra pirataria numa época em que as pessoas ainda rejeitavam a ideia de digitalização. Hoje, o mundo está na web, nas redes sociais. O mundo cabe na palma da mão, através do celular. A música não pode ficar de fora dessa nova era. Mas sou a favor de direitos autorais para os artistas por sua obra em áudio, vídeo…

Você já veio cantar em Goiânia? Gostaria de vir conhecer a cidade?

Nunca cantei em Goiânia! Nem tive o prazer de conhecer a cidade, ainda. Adoraria ter essa oportunidade!

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