Respeito não tem cor, tem consciência

Dia da Consciência Negra eterniza o processo de construção da liberdade e da igualdade

Postado em: 20-11-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Respeito não tem cor, tem consciência
Dia da Consciência Negra eterniza o processo de construção da liberdade e da igualdade

GABRIELLA STARNECK*

Continua após a publicidade

O Dia da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, nesta segunda-feira (20), mediante a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data foi escolhida por coincidir com a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares – o maior dos quilombos do período colonial. A comemoração objetiva levantar uma reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.

Segundo Irene Dias de Oliveira, pesquisadora das relações etinicorraciais, a data é importante, pois “pretende lembrar a realidade brasileira de opressão, de discriminações, de preconceitos que, ao longo dos séculos, tem criado uma estrutura racista na compreensão de todas as dinâmicas e processos culturais, políticos, econômicos que envolvem a realidade brasileira”. 

Data comemorativa

Segundo o antropólogo Waldemir Rosa, o Dia da Consciência Negra é uma contraposição ao dia 13 de maio, Abolição da Escravatura. “Nos estudos sobre a memória, compreende-se que as comemorações possuem como função transformar o passado, por meio da lembrança sobre um evento ou personagem, como algo fixo e imutável. O dia 13 de maio celebra a abolição da escravidão negra no Brasil por meio da Princesa Isabel. Por sua vez, o 20 de novembro busca eternizar o processo de luta da população negra escravizada e de todos os grupos subalternizados pelo colonialismo e escravismo, na conquista da liberdade”, afirma o professor.

O antropólogo ainda ressalta que o passado sempre é um assunto do presente, e que ele só existe como uma referência se ancorado no processo de significação. “Essa é a importância de uma data do Dia da Consciência Negra, que não é o dia da população negra, mas o dia em que se recorda e se eterniza o processo de construção da liberdade e da igualdade”, afirma Waldemir.   

Outro aspecto a ser levantado sobre a data comemorativa é que, embora o Dia da Consciência Negra seja importante, o debate acerca do preconceito e da discriminação não pode ficar restrito ao mês de novembro, mas deve ser todos os dias, todas as semanas, ao longo de todo ano. “Acho que a questão do enfrentamento em relação às questões raciais deve ser um debate constante”, afirma a professora. 

Racismo

De acordo com estudos da professora Kabengele, racismo é uma ideologia criada para dividir a humanidade em raças que possuem características físicas e hereditárias comuns. Até o início do século 20, acreditava-se que a inferioridade dos negros em relação aos brancos era de fundo biológico. Contudo não é possível definir geneticamente a raça humana, pois não possui respaldo científico. O termo ‘raça’ é uma construção social, faz parte de uma cultura simbólica. 

No Brasil, esse simbolismo perdura desde o período colonial, quando a Princesa Isabel extinguiu, em 13 de maio de 1888, o escravismo no País por meio da Lei Áurea. Contudo essa lei não instituiu políticas públicas para reinserção dos negros na sociedade, o que acarretou em práticas discriminatórias que perpetuam até hoje, mesmo que de forma velada. Segundo a professora Irene, muitas vezes as pessoas estão tendo atitudes preconceituosas, e elas mesmas não se dão conta, seja na sua linguagem, atitude, ou até mesmo na forma de olhar as pessoas. “Tudo isso muitas vezes são formas que foram legitimadas, e que elas escondem um racismo explícito”, afirma Irene. 

Segundo Waldemir, o escravismo e o colonialismo foram formas de estruturação do poder e de um processo de opressão na sociedade brasileira. “O preconceito é uma das formas de persistência desta estrutura de dominação na atualidade, assim como o racismo e a sua principal manifestação social, que é a discriminação racial, que refere-se à forma como preconceito e o racismo operam na restrição de oportunidades sociais de negros e indígenas. Esta é a forma mais emblemática na atualidade de manifestação do preconceito racial, a discriminação como uma restrição de direitos econômicos, sociais e políticos da população negra, que se expressa nos elevados índices de pobreza e miserabilidade da população negra, assim como os indicadores desfavoráveis no campo da educação, no emprego e na renda”, afirma o antropólogo. 

Combate

Segundo Waldemir Rosa, o que mais dificulta o combate do racismo no Brasil é a crença difundida de que o problema não existe. “Temos a tendência de naturalizar e principalmente individualizar o fenômeno da discriminação racial. Ela sempre é compreendida como uma ação individual, e não como um processo social amplo e restrito. A negação do problema é a nossa principal barreira na atualidade”, diz o professor.

O antropólogo ainda afirma que o poder público e a sociedade podem atuar de diferentes formar para combater o preconceito. “Existem diversas formas de se combater as desigualdades raciais. E o conjunto de ações com esse objetivo chamamos de políticas afirmativas, que podem ser de três tipos básicos: valorativas, punitivas e redistributivas”, descreve Waldemir.

Segundo o professor, as formas valorativas objetivam valorizar a contribuição de um grupo para a formação da sociedade. Esse tipo de combate se evidencia na sociedade por meio da implementação da Lei 10.639, que institui a ­obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena na grade curricular dos alunos. 

Outra forma de combate  são as políticas punitivas: conjunto de leis que criminalizam as práticas do preconceito, do racismo e da discriminação. No terceiro grupo, estão as políticas redistributivas que têm como objetivo distribuir riqueza e postos de poder e prestígio na sociedade. As cotas nas universidades são um exemplo de políticas redistributivas. 

“Uma atuação eficiente no enfrentamento ao preconceito, ao racismo e à discriminação tem que possuir ações nestes três campos, e que as ações sejam equilibradas e articuladas. Muito tem se feito, mas os desafios ainda são enormes, principalmente na forma como as diversas formas de políticas afirmativas se articulem na garantia de direitos”, afirma o antropólogo.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE 

sob orientação da editora Flávia Popov 

Veja Também