Além da matemática: quando problemas afetam o desempenho escolar

Volta às aulas exige atenção aos distúrbios e dificuldades de aprendizagem

Postado em: 17-01-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Além da matemática: quando problemas afetam o desempenho escolar
Volta às aulas exige atenção aos distúrbios e dificuldades de aprendizagem

GUSTAVO MOTTA*

Continua após a publicidade

O início das aulas é um período que requer atenção dos pais e responsáveis. As crianças embarcam em uma nova jornada de integração social e busca pelo conhecimento – que pode ser prejudicada pela manifestação de dificuldades e distúrbios que comprometem o processo de aprendizagem. A psicopedagoga e especialista em educação especial, Ana Regina Braga, conta que esta é uma fase de adaptação e sem fórmula pronta: “Cada criança tem as suas especificidades e o próprio tempo para aprender”.

Kênia Ribeiro é professora pela rede municipal de educação e destaca que “a inclusão de todos os alunos caminha pelo respeito das habilidades e capacidades individuais”. A profissional é especialista em psicopedagogia, e tem doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). “Todo diagnóstico precisa ser objetivamente informado por um especialista, mas são os responsáveis e educadores que vão identificar os sinais para que a criança seja encaminhada a atendimento”, pontua.

Atenção

Ana Braga afirma que cada criança aprende com o próprio tempo: “Cada um tem seu ritmo, mas existem casos em que elas demoram mais que os outros para aprender o conteúdo ensinado – por isso é importante a atenção de pais e professores para saber identificar os sinais típicos dos distúrbios de aprendizagem”. Apesar das múltiplas possibilidades para cada problema, a especialista conta que é importante saber diferenciar distúrbio e dificuldade de aprendizagem.

Kênia Ribeiro ressalta que a dificuldade é algo passageiro: “Pode acontecer tanto pelo uso inadequado de uma metodologia em sala, quanto por alguma alteração no ambiente familiar – que provoca uma mudança em comportamento”. Problemas de saúde física também podem repercutir na absorção de conteúdo, sendo que a professora alerta para a atenção à possíveis dificuldades auditivas e de visão. “Muitas vezes a criança franze a testa em frente a um livro, ou aumenta o volume de um televisor em excesso – isso pode apontar dificuldades na percepção do ambiente que afetam o processo de aprendizagem”.

“O distúrbio, por sua vez, caracteriza uma disfunção neurológica que leva o cérebro a reagir de modo diferente às situações”, ressalta. Kênia avalia que apesar dos transtornos que podem ser associados a distúrbios, o quadro pode ser revertido: “Caso o paciente seja diagnosticado corretamente, e a intervenção clínica adequada seja tomada, o problema pode ser tratado”. Apesar da relevância do especialista, a psicopedagoga reforça a responsabilidade familiar na identificação dos sinais mais comuns a cada distúrbio. “A família é o núcleo social primário da criança e, por isso, cabe aos pais ou responsáveis o primeiro passo no rumo ao diagnóstico, pela comunicação com os professores”, ressalta.

Parceria

“A escola é onde as crianças costumam passar a maior parte do tempo, e por isso os educadores têm uma responsabilidade muito grande na identificação de sinais que podem denunciar distúrbios”, afirma. A professora conta que a comunicação da família com a escola é determinante para o início do processo de atenção ao aluno: “Essa parceria permite trocas de informações, sendo que o educador deve recomendar a busca por um especialista”. A rede de educação, em Goiânia, mantém salas de recursos multifuncionais em escolas geograficamente estratégicas: “Essas salas atendem durante todo o dia a crianças em horário externo ao escolar”.

O projeto é uma parceria com o Ministério da Educação (MEC) e lida com deficiências diversas, tais como auditivas, intelectuais, físicas, além de atender alunos do espectro autista e que sejam superdotados. “As salas contam com professores efetivos, e especializados em educação especial, que dão suporte a alunos e podem ser acionados por um professor que identifique alguma necessidade especial em um dos seus estudantes”, pontua. Kênia destaca também a presença de equipes pedagógicas que fazem diligências às instituições de ensino para orientar os educadores na elaboração de ações específicas a esse público.

A Secretaria Municipal de Educação (SME) mantém Centros Municipais de Apoio à Inclusão (Cmais), órgãos compostos por profissionais especializados que atuam ao longo do ano em atividades de atendimento específico. Apesar das atividades desempenhadas pela educação municipal, a professora destaca que é necessária a separação entre os aspectos pedagógico e clínico no contato com quem apresente algum distúrbio ou dificuldade para aprender: “O apoio clínico é de responsabilidade dos profissionais da saúde, sendo que a obrigação do professor é adaptar conteúdos a esse público e orientar os pais a buscarem um especialista competente para diagnosticar o quadro do estudante”.

Identificação

“Apesar de passarem muito tempo nas escolas, as crianças às vezes ficam pouco tempo em contato com os pais, que geralmente precisam sair para trabalhar”, afirma a psicopedagoga. Kênia avalia que devido ao pouco tempo de contato, alguns pais podem não perceber algum comportamento que sinalize um distúrbio cognitivo. “Geralmente os pais vão dando pistas e a gente solicita deles uma avaliação para averiguar o que acontece”, afirma. Dependendo do que é identificado, cada criança precisa ser encaminhada a um profissional específico: “Caso tenha sido identificada a dislexia, por exemplo, a criança precisa ir a um fonoaudiólogo; para déficit da atenção, o profissional que se busca é um neurologista ou neuropsicólogo”.

“Quanto mais rápido o diagnóstico for feito, melhor para a criança”, ressalta Ana Regina. A psicopedagoga, que citamos no começo da matéria, alerta sobre a importância dos pais acompanharem o rendimento escolar dos pequenos porque notas baixas, em sequência, podem apontar para alguma dificuldade ou distúrbio de aprendizagem: “tirar nota baixa é normal e acontece, mas se isso persistir é importante analisar o caso com mais cuidado”, alerta. 

“O diagnóstico é muito importante, porque é ele que norteia o caminho adequado para as intervenções que serão realizadas com o estudante”, avalia Kênia. A especialista alerta para a necessidade de comunicação da família e educador com o especialista clínico para que o diagnóstico correto seja tomado: “Um parecer diferente leva a atividades inadequadas com aquela criança”. Outro risco é a definição de um distúrbio sem diagnóstico: “Infelizmente, pelo senso comum, as pessoas costumam associar a inquietação ao déficit de atenção e hiperatividade”.

“Às vezes a criança apenas está inquieta – devido a algum problema familiar ou por apresentar dificuldades de visão ou audição”, afirma. A psicopedagoga conta que muitas vezes essa situação pode deixar o aluno tímido e acuado, ou então o efeito pode ser oposto: “Ele precisa chamar a atenção de alguma forma, e vai obter isso pela indisciplina, o que leva as pessoas a associarem várias situações, erroneamente, ao quadro de hiperatividade ou déficit de atenção”. Apesar das atitudes serem influenciadas por diversos motivos, a professora ressalta que comportamentos não rotineiros exigem atenção à saúde e aprendizagem dos pequenos.

Dados, diretrizes e ações

Além das atividades realizadas pelos Cmais e pelas salas de recursos multifuncionais, Kênia Ribeiro conta que a rede municipal tem promovido ações de formação continuada junto aos educadores para atender às demandas dos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE). “Os Cmais podem ser requeridos pelos professores para prestar palestras nas escolas e auxiliar na elaboração de atividades para estudantes que apresentem dificuldades em aprender”, pontua. O funcionamento do atendimento público a essas demandas segue à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96).

O artigo 58 da lei define “educação especial” como modalidade a ser oferecida para alunos que tenham necessidades especiais, sendo essa uma obrigação do Estado. Durante a educação infantil, a oferta específica a pessoas com NEEs tem início na faixa etária entre zero e seis anos. Os dados mais recentes da SME, a respeito de alunos nesse perfil. são referentes a dezembro de 2017 e inclui um total de 2.047 educandos na Capital.

Desse total, deficiências intelectuais foram identificadas em 849 estudantes. Dificuldades auditivas, físicas e visuais foram registradas em, respectivamente, 142, 523 e 116 alunos. Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) e de espectro autista incluem 263 crianças. Síndrome de Down corresponde a 89 casos, e 21 educandos apresentaram algum grau de superdotação ou altas habilidades cognitivas. “Desenvolvemos diversas atividades pelos Cmais, e um belo exemplo é o de professores que querem trabalhar com surdos e, por isso, fazem cursos para se tornarem intérpretes”, comemora Kênia.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov 

Aprenda a identificar sinais dos principais distúrbios 

Ana Regina afirma que é importante o diagnóstico profissional para o encaminhamento às medidas necessárias ao tratamento do paciente. Apesar disso, são os pais ou familiares os mais responsáveis pela percepção de sinais característicos dos principais transtornos e, por isso, a psicopedagoga listou alguns dos mais comuns:

Discalculia

Desordem neurológica que dificulta a habilidade da criança em compreender e manipular números – como probleminhas, aplicações e conceitos matemáticos. Essa desordem não está relacionada com problemas na visão ou audição, e é definida por alguns especialistas como uma inabilidade para contextualizar os números. 

Déficit de atenção

É um transtorno neurobiológico com causas genéticas que costuma aparecer justamente na infância, mas frequentemente pode acompanhar a pessoa mesmo na vida adulta. É considerado um distúrbio de aprendizagem, caracterizado pela incapacidade involuntária da criança em manter atenção no que está  sendo ensinado.

Hiperatividade

Muitos confundem a hiperatividade com o déficit de atenção, apesar de uma das suas características ser a falta de atenção, já que a criança hiperativa não consegue prender a atenção a tudo por longos espaços de tempo. O hiperativo é muito agitado e não consegue ficar parado.

Dislexia

É considerada um distúrbio genético e neurobiológico, que não tem ligação alguma com a preguiça, falta de atenção ou má educação. O transtorno se manifesta com uma desordem das informações recebidas – que acabam inibindo o processo de entendimento das letras e interferindo na escrita. O processo de ler e escrever, por exemplo, exige duas funções do cérebro, e o disléxico possui uma limitação em uma delas. 

Veja Também