‘Sobre a Pele’: “Como deglutir o que te afeta?”

Espetáculo instiga espectador a pensar e refletir as relações humanas

Postado em: 22-02-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Espetáculo instiga espectador a pensar e refletir as relações humanas

GABRIELLA STARNECK*

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O espetáculo Sobre a Pele, do grupo Das Los Cia. de Dança, será apresentado, nesta quinta-feira (22), no Sesc Centro. O enredo, inspirado no livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes, instiga o espectador a pensar e refletir as relações humanas de um modo primitivo e visceral: Como deglutir o que te afeta? O que temos feito com nossos sentimentos? Onde e como temos guardado nossas angústias, medos, complexos? Como tem sido nossa relação com o passado e o que construímos para o futuro?

“O Sobre a Pele aborda as relações humanas  e suas implicações/consequências. O espetáculo apresenta corpos  em movimento que esboçam e desenham relações, ora marcadas pelo ritmo interno de cada um, ora produzindo forças que tencionam e esgarçam o espaço, descobrindo assim um lugar de afirmação enquanto indivíduo pertencente a um grupo. Mais do que apresentar respostas, Sobre a Pele busca o limite pelo mover, transbordando a forma, expondo suas fragilidades sobre as finas camadas que revestem o chão, vasculhando no corpo do outro a força e o desejo pelo coletivo, carregado de afeto frente a um mundo melancólico e brutal”, afirma o coreógrafo do espetáculo, João Paulo Gross. 

Espetáculo

Segundo o coreógrafo, Sobre a Pele trata de uma apresentação de dança contemporânea composta por dez bailarinos, que foi inspirada na obra Fragmentos de Um discurso Amoroso. “A escolha do  livro se deu por acreditar que sua obra é atemporal, visto que o livro lançado em 1977 e se tornou referência em estudos filosóficos que abordam como o ser humano contemporâneo-homogeneizado se adequa a um mundo tecnológico e acelerado – exigindo racionalidade e lógica. É importante perceber a empatia que cada leitor cria com esta obra. Todas as emoções impressas no texto despertam uma ou outra vivência íntima, gerando assim um intenso elo entre o ponto de vista do escritor e as experiências existenciais de cada um”, destaca João Gross.

Embora o espetáculo seja mais voltado para dança, o coreógrafo relata que as interpretações da obra são diversas e proporcionam um diálogo com o teatro. “A dramaturgia estabelecida é repleta de significados que se conectam com outras áreas artísticas viabilizando uma pluralidade de sensações e sentidos a partir do movimento proposto em cena”, afirma João Gross.  Por esse motivo, o coreógrafo ainda destaca que o processo de criação do Sobre a Pele foi interessante – já que os integrantes do grupo trabalharam com as palavras e seus significados. 

“A partir daí fomos trazendo e acessando nossas memórias de vida para incorporar (dar corpo) a essas palavras para que isso pudesse virar cenas, situações, ações para daí reunir e tecer um discurso coreográfico pertinente com o que foi sendo esboçado enquanto roteiro. Todo o trabalho foi sendo construído a partir de laboratórios, criações de frases de movimento, algumas leituras para que os encontros pudessem avançar não somente em superfície, mas adentrar em profundidade”,  conta João.

Dificuldades 

O coreógrafo destaca que um dos principais desafios em estruturar o espetáculo foi reunir as ideias dos integrantes, já que um trabalho em grupo sempre tem suas dificuldades, pois os desejos são diferentes. “É preciso afiná-los e fazer com que todos os envolvidos estejam acreditando na proposta que você quer desenvolver. E, aos poucos, a gente foi se afinando e trabalhando para clarear os nossos objetivos e desejos para que pudéssemos atingir um propósito único em comum. Toda essa sintonia cria uma força poderosa, mas para se chegar a isso requer ensaio e muito trabalho!”, ressalta João.

Outro ponto que também dificulta a montagem do espetáculo está relacionado aos recursos financeiros. Segundo a diretora geral do Das Los Grupo de Dança, Tassiana Stacciarini, só foi possível estrear o espetáculo em outubro de 2015 no Teatro Sesi, porque o grupo teve o apoio do Edital da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, em 2014. “Após a estreia recebemos convites para dançar no Festival Dança em Redes, realizamos alguns ensaios abertos em 2016 e na programação do Sesc Aldeia Diabo Velhos, em 2017”, afirma a diretora. 

Expectativa

Segundo Ana Aquino, produtora cultural e CEO and Founder da Aviva Curadoria de Arte – que já assistiu ao espetáculo anteriormente – o Sobre a Pele é surpreendente. “É esteticamente belo e como um eixo narrativo claro e bem definido. O título já indica caminhos a serem percorridos pelo expectador (não é difícil imaginar que o tema das relações humanas estará em pauta), mas o espetáculo transborda e ultrapassa, em muito, a promessa a que veio: não  interessa olhar para as relações de cada um com o outro, com o mundo ou consigo mesmo, pois cada um assiste a partir de sua própria experiência com o outro, com o mundo e consigo, sempre tendo em mente a experiência sensorial demarcara pela  ‘pele’ como uma linha fronteiriça entre essas entidades”. 

João Gross completa a fala de Ana ao afirmar que o objetivo central do espetáculo não é apenas levantar uma reflexão no espectador. “O intuito é proporcionar uma enxurrada de sensações que podem ou não provocar reflexões a partir das experiências que cada espectador tem diante da vida. Me instiga mais pensar na seguinte pergunta:  Como deglutir o que te afeta?”,  reflete o coreógrafo. Além disso, segundo Ana, o espetáculo tece um olhar sobre o amor/alma e o amor/pele na contemporaneidade, em um cotidiano inundado por selfies e um exacerbado individualismo.

Em relação à apresentação desta quinta-feira (22), João Gross diz: “É sempre uma expectativa levar um trabalho para a cena. Estamos muito felizes de poder apresentar novamente em Goiânia e proporcionar mais um encontro com pessoas interessadas em discutir e pensar a dança, junto a um trabalho que fala das motivações e desejos a partir de um coletivo. Estão todos convidados!”. 

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da 

editora Flávia Popov

SERVIÇO

Espetáculo ‘Sobre a Pele’

Quando: quinta-feira (22) às 20h

Onde: Sesc Centro (rua 15, esquina com a Rrua 19, Centro –Goiânia)

Entrada: R$ 8 (comerciários e dependentes), R$ 10 (conveniados), R$ 11 (meia-entrada) e R$ 22 (inteira)

Entrevista : Tassiana Stacciarini, diretora geral do Das Los Grupo de Dança 

Qual a principal dificuldade em dirigir um grupo de dança em Goiás?

Dirigir um grupo requer um planejamento de ações coerentes, um espaço adequado para que as atividades sejam desenvolvidas, uma agenda de atividades direcionadas à formação dos bailarinos e apresentações que possibilitem a continuidade do trabalho do grupo, assim como uma equipe de apoio competente. A maior dificuldade é sustentar financeiramente esta estrutura.

Você acredita que essa dificuldade está ligada estritamente à falta de investimentos do governo ou também em relação à receptividade do próprio público?

Os incentivos proporcionados pelo governo são oferecidos através de leis de incentivo à cultura e editais. A concorrência é enorme, pois todos os grupos, companhias e artistas independentes necessitam deste apoio para dar continuidade às suas atividades artísticas – sejam elas: circulação de espetáculos, montagem de espetáculos, projetos de formação, residências artísticas – dentre outras atividades. Manter um grupo é um desafio constante. Exige criatividade nas ações planejadas, pois as atividades precisam gerar ‘verba’ para que o grupo possa se manter. Não é sempre que temos um edital aprovado. Em relação ao público, deveríamos primeiro refletir sobre a educação que recebemos. Infelizmente não faz parte de nossa cultura apreciar arte. Não faz parte do cronograma de uma boa parcela da população brasileira ir ao teatro, apreciar uma boa peça, um espetáculo de dança, uma orquestra sinfônica. Diferente de países como a Alemanha, que, desde os 6 anos de idade,a escola inclui em seu cronograma constantes idas ao teatro para assistirem A peças especialmente criadas para essas crianças. A familiarização e constância de assistir e ir ao teatro é primeiro passo para a formação de público e, consequentemente, a receptividade. A arte educa, socializa, gera ações generosas para com o outro e é um dos caminhos para o autoconhecimento. 

Em relação ao espetáculo ‘Sobre a Pele’, como foi o retorno do público?

O espetáculo Sobre a Pele é uma obra prima do coreógrafo João Paulo Gross: é poético, encantador, instigante, forte – são inúmeras sensações geradas ao longo da apresentação, por vezes de tirar o fôlego. Aborda as relações humanas de uma forma sensível e visceral ao mesmo tempo. A primeira reação do público, normalmente, é o silêncio e um brilho nos olhos causado por uma emoção ainda em elaboração – o que se diz e o indizível, energias opostas que no final do espetáculo geram encantamento, reflexão e, talvez , um outro olhar em relação as relações humanas.

Quais foram as principais dificuldades em estruturar o ‘Sobre a Pele’?

Tempo hábil para a montagem da coreografia, visto que o grupo também tinha dois dias antes, outra estreia – Ali se, do coreógrafo José Vilaça.

O espetáculo é voltado apenas para dança, ou tem uma mistura com o teatro?

Dança. A interpretação passa pela energia que cada cena ou movimento quer imprimir. Expressão e intenção do movimento gera, constrói o ambiente para cada momento da coreografia.

Qual a expectativa para apresentação desta quinta-feira (22) no Sesc Centro?

A expectativa é de apresentar um trabalho que possa tocar o público em sua essência e possibilitar que ele consiga mergulhar neste nosso universo, vivenciando conosco as sensações, os desejos, os desafios e as alegrias. O intuito é que o público alcance outras esferas do sentir, refletir, do perceber além! 

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