Crise já alcança distribuidoras e atinge setor de bioeletricidade

Setor enfrenta agora o risco de não ter honrados pelas distribuidoras de energia os contratos de longo prazo firmados no ambiente regulado| Foto: Divulgação

Postado em: 03-04-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Setor enfrenta agora o risco de não ter honrados pelas distribuidoras de energia os contratos de longo prazo firmados no ambiente regulado| Foto: Divulgação

A
crise detonada pela pandemia causada pelo Covd-19, já em curso, começa a
esboçar os primeiros impactos no setor de energia, com ameaças concretas para
as usinas de cana e etanol. Além da redução da demanda e queda dos preços de
ambos os produtos, o setor enfrenta agora o risco de não ter honrados pelas
distribuidoras de energia os contratos de longo prazo firmados no ambiente
regulado, por meio dos leilões de venda de energia realizados nos últimos anos.
Atualmente, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), 194
entre as quase 360 usinas em operação geram energia para consumo próprio e
exportam a carga excedente para o setor interligado nacional.

Desde
o começo da semana, as usinas do setor, assim como as geradoras de energia de
outras fontes, passaram a receber notificações de distribuidoras indicando que,
em função de “eventos de força maior” ou de “motivo fortuito”, os contratos de
fornecimento de eletricidade poderão não ser honrados integralmente, o que
poderá gerar uma cadeia de inadimplência em todo o setor, afetando desde o
sistema financeiro até fornecedores de serviços, máquinas, equipamentos e de
cana para o setor sucroenergético.

Para
dar uma dimensão do possível estrago, de acordo com Pedro Fernandes, diretor de
agronegócio do Itaú BBA, a cogeração de energia pode chegar a responder por 15%
das receitas das usinas e, mais importante, por até 30% da geração de caixa
medida pelo retorno antes de impostos, despesas financeiras, depreciação e
amortizações (Ebitda, na sigla em inglês). A rede de produção de energia a
partir da biomassa da cana responde hoje por uma fatia estratégica do negócio
das usinas, permitindo alavancar financiamentos e trazendo liquidez para todo o
sistema.

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As
distribuidoras, da mesma forma, encontram-se diante de um problema de dimensões
ainda não exatamente definidas. Diante da redução da demanda, as receitas do
setor mergulharam e, muito provavelmente, as concessionárias não terão como
vender toda a energia contratada no mercado regulado. Na visão de Newton
Duarte, presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia
(Cogen),o governo terá que interferir para evitar um processo de “bola de
neve”, com a generalização de calotes ao longo de toda a cadeia. “É papel do
governo definir uma solução e evitar uma crise sistêmica”, sustenta.

Ajuda bilionária

Setores
do mercado antecipam que o governo, por meio do Ministério de Minas e Energia,
negocia um pacote de socorro às distribuidoras, atribuindo um valor próximo a
R$ 15,0 bilhões à ajuda. Nas conversas com o governo, a própria Cogen chegou a
sugerir algo nessa direção. A sugestão envolveria uma intervenção direta do
governo, com a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) ou mesmo a formação de um pool de bancos, a exemplo do que ocorreu na crise de 2014, quando a distribuidoras
ficaram a descoberto e receberam uma injeção de R$ 22,0 bilhões, contratados
pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a um pool de bancos,
criando a conta ACR (sigla relacionada ao ambiente de contratação regulada de
energia).

Balanço

·  
O
descumprimento dos contratos criaria uma série de agravantes para as usinas. Os
contratos firmados no ambiente regulado são, invariavelmente, de longo prazo e
em geral servem como garantia para que as usinas captem financiamentos no
mercado, gerando compromissos proporcionais, lembra Duarte.

·  
Se
as distribuidoras deixarem de honrar esses contratos, ainda que parcialmente,
haverá um descasamento entre o fluxo de caixa e as obrigações decorrentes
daqueles financiamentos. Entre outras opções, prossegue Duarte, “as usinas
podem optar por gerar toda a energia contratada e buscar liquidar os valores
não honrados pelas distribuidoras no mercado de curto prazo”.

·  
A
questão, aqui, é que o mercado de curto prazo está virtualmente paralisado por
uma centena de liminares que têm dispensado as hidrelétricas do pagamento da
energia que foram forçadas a comprar no mercado spot para suprir seus contratos
de fornecimento na crise de 2014. “A CCEE pode até fazer a liquidação daqueles
valores (com base no chamado Preço de Liquidação de Diferenças, ou PLD). Mas
não tem caixa para fazer o pagamento”, observa Duarte.

·  
O
passivo gerado pelas liminares atingiu R$ 8,33 bilhões na posição de janeiro
deste ano, saindo de R$ 7,62 bilhões em igual período do ano passado, num
avanço de 9,3%. O risco de não receber, portanto, seria proporcionalmente alto para
as usinas que fazem cogeração.

·  
A
venda da energia excedente no mercado livre, na hipótese de as distribuidoras
de fato não cumprirem os contratos, esbarra igualmente na questão da excessiva
judicialização que travou aquele mercado. A alternativa restante envolveria uma
redução na geração, em comum acordo com distribuidoras e os órgãos reguladores,
o que traria outra sorte de complicação com a frustração das receitas esperadas
e o risco de descasamento entre o fluxo de caixa e as obrigações assumidas quando
as usinas contrataram os financiamentos para investir em cogeração.

·  
Outra
questão a pesar na equação envolve o nível elevado de endividamento das
distribuidoras, o que poderia complicar a contratação de novos financiamentos.
Na média, segundo consultorias da área, a dívida líquida das concessionárias
representaria em torno de quatro vezes a geração de caixa, além dos limites
prudenciais.

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