Desmonte do BNDES reduz desembolso ao seu nível mais baixo desde 1997

O banco de fomento continua sendo desprezado de forma até afrontosa pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, incapaz de vencer preconceitos ideológicos e antever a gravidade da crise - Foto: Reprodução.

Postado em: 23-05-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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O banco de fomento continua sendo desprezado de forma até afrontosa pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, incapaz de vencer preconceitos ideológicos e antever a gravidade da crise - Foto: Reprodução.

Lauro Veiga 

A
política de desmonte premeditado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) prosseguia no começo deste ano, quando os sinais da pandemia
já se faziam observar e a equipe econômica começava a perceber que teria que
tomar medidas urgentes para tentar dar algum suporte à economia. Não obstante,
o banco de fomento continua sendo desprezado de forma até afrontosa pela equipe
do senhor Paulo Guedes, incapaz de vencer preconceitos ideológicos e antever a
gravidade da crise. O banco poderia ser uma ferramenta poderosa para fazer o
crédito chegar especialmente a micro, pequenas e médias empresas, mas a equipe
econômica continua com sua política de esvaziamento da instituição.

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Isso
ajuda a explicar porque as empresas de menor porte bem ou mal conseguiram
contratar apenas 4,3% do crédito reservado a elas pelo governo durante a
pandemia. Isso, claro, e a crescente aversão ao risco, exacerbado pelas
condições inóspitas enfrentadas pelas empresas neste momento, com queda
vertical no faturamento e, portanto, no volume de recebíveis, que poderiam ser
utilizados como garantia em empréstimos e financiamentos, e pela perspectiva de
escalada da inadimplência.

Ao
longo do primeiro trimestre, os desembolsos do BNDES chegaram a nível mais
baixo desde o mesmo período de 1997, num retrocesso de mais de duas décadas,
considerando valores atualizados até março deste ano com base no Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os recursos desembolsados pelo
banco de fomento encolheram nada menos do que 44,31% no acumulado dos primeiros
três meses deste ano em relação a igual período de 2019, murchando de R$ 15,065
bilhões para menos de R$ 8,390 bilhões – um tombo equivalente a R$ 6,675
bilhões.

Tanto barulho…

O
tombo foi ainda mais estrondoso quando comparado à renda total produzida pela
economia, o que permite uma visão mais nítida da insignificância a que o banco
foi relegado nos últimos anos. Em valores nominais (quer dizer, se correção com
base na variação dos preços em geral), nos 12 meses terminados em março de
1997, o BNDES havia desembolsado algo em torno de 1,0% do Produto Interno Bruto
(PIB), proporção que atingiu quase 3,4% nos 12 meses encerrados em março de
2014 (quando os desembolsos alcançaram seu valor mais elevado na série). Nos
últimos 12 meses até março deste ano, considerando o valor estimado para o PIB
pelo Banco Central (BC), a relação desabou para apenas 0,67%. Observem, raras
leitoras e raros leitores, que essa comparação não chegou a avançar muito além
de 3,0% do PIB, o que foi suficiente para disparar uma campanha contra a
instituição. Motivo? Alegava-se, então, que a “elevada” fatia do chamado
crédito direcionado (ou subsidiado) na economia distorcia a tal “alocação de
recursos”, levando as empresas a tomarem decisões de investimento supostamente
equivocadas e de maior risco, além de reduzir a “potência da política
monetária” (significando que os juros, mesmo na estratosfera, teriam menor
poder para desestimular investimentos, esfriar a economia e assim segurar os
preços). Bem, parecia muito mais o rabo balançando o cachorro, já que o crédito
total respondia, em 2014, por 54,7% do PIB.

Balanço

·  
Entre
as grandes áreas da atividade econômica, os desembolsos caíram fortemente no
setor de infraestrutura, com tombo real de 59,42% entre o primeiro trimestre do
ano passado e igual intervalo deste ano, encolhendo de R$ 7,241 bilhões para R$
2,938 bilhões.

·  
A
indústria em geral sofreu redução de 51,49% no total de desembolsos, que
baixaram de R$ 2,696 bilhões para alguma coisa abaixo de R$ 1,308 bilhão em
valores atualizados até março deste ano. No setor de transformação, a queda
chegou a 51,54%, já que os desembolsos baixaram de R$ 2,673 bilhões para R$
1,295 bilhão.

·  
O
crédito injetado nos setores de comércio e serviços despencou 21,53%, saindo de
R$ 1,447 bilhão para R$ 1,135 bilhão. Os projetos tocados pela agropecuária
receberam R$ 3,008 bilhões no primeiro trimestre deste ano, o que se compara
com R$ 3,682 bilhões no mesmo período do ano passado, numa retração de 18,29%.

·  
Ainda
em valores reais (ou seja, corrigidos com base no IPCA), as consultas
experimentaram o que parece ser um ligeiro sopro de alento depois de anos de
naufrágio. O crescimento, no entanto, parece um tanto enganoso. No total, as
empresas enviaram ao banco consultas no valor de R$ 9,781 bilhões neste ano,
até março, diante de R$ 9,205 bilhões em 2019, demonstrando elevação real de
6,25%.

·  
O
avanço ficou concentrado em alguns setores específicos, a exemplo das áreas de
energia e de atividades auxiliares de transportes (armazenagem, serviços de
carga e descarga e outros). As consultas de empresas do setor energético
saltaram nada menos do que 821,12% entre um trimestre e o outro, subindo de
apenas R$ 221,726 milhões para R$ 2,042 bilhões.

·  
A
base para comparação era muito baixa, denotando um período alongado de
enxugamento, o que explica em parte o crescimento vigoroso. Além disso, o
avanço parece ser explicado pelo anúncio de projetos na área de energia
renovável, que poderão ou não se concretizar daqui em diante, a depender do
impacto da crise sobre as empresas do setor.

·  
Desconsiderado
o setor de energia, as consultas no restante da economia sofreram baixa de
13,86%, saindo de R$ 8,984 bilhões para R$ 7,739 bilhões. A agropecuária e a
indústria de transformação registraram quedas de 25,43% (de R$ 4,329 bilhões
para R$ 3,228 bilhões) e de 10,56% (de R$ 1,187 bilhão para R$ 1,062 bilhão),
respectivamente. Nas áreas de comércio e serviços, a redução chegou a 6,41% (de
R$ 1,696 bilhão para R$ 1,587 bilhão). Como exceção, as consultas no setor de
infraestrutura, turbinadas pelo segmento de energia, aumentaram 95,83% (de R$
1,984 bilhão para R$ 3,885 bilhões (52,6% dos quais para energia).


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