No país da injustiça, pobres pagam mais impostos do que famílias ricas

Isso acontece porque o sistema tributário adotado pelo Brasil, além de complexo, é muito regressivo – ou seja, cobra menos de quem pode mais | Ilustração: Reprodução.

Postado em: 08-08-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: No país da injustiça, pobres pagam mais impostos do que famílias ricas
Isso acontece porque o sistema tributário adotado pelo Brasil, além de complexo, é muito regressivo – ou seja, cobra menos de quem pode mais | Ilustração: Reprodução.

Lauro Veiga 

O
brasileiro paga imposto demais? A “carga tributária” (soma de todos os
tributos, impostos e contribuições recolhidos pelo Estado) é muito alta? Bom,
isso depende de que lado da tal “pirâmide” da renda você está. Se você e sua
família estiverem entre os 10% ou mesmo entre os 20% de menor renda, então sua
“carga tributária” é exorbitante. O mesmo ocorre com as famílias que se
encontram em faixas de renda intermediária, a chamada classe média. Mas, se por
alguma ventura, você está entre os 10% mais ricos, não há motivos para
reclamações – embora estes estejam entre os que mais se queixam.
O total de impostos que você paga, neste caso, corresponde a quase um terço do
que os mais pobres são obrigados a pagar todos os anos – e obrigados aqui não é
“força de expressão”, porque a fatia mais pesada dos impostos vem embutida nos
preços dos produtos e serviços.

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Isso
acontece porque o sistema tributário adotado pelo Brasil, além de complexo, é muito
regressivo – ou seja, cobra menos de quem pode mais, enquanto aqueles que não
podem têm que pagar muito mais do que deveriam ou poderiam. O peso dos impostos
indiretos, quando se consideram as despesas de consumo das famílias, parece
enganosamente equânime, chegando a 16,8% para os 10% mais pobres e a 16,4%
entre os 10% mais ricos. A questão é que as famílias mais pobres destinam
praticamente toda a renda para o consumo de mercadorias e serviços. Por isso, a
parcela da renda destinada a pagar impostos indiretos atinge 34,2% entre as
famílias de renda mais baixa, diante de apenas 11,9% para os 10% mais ricos.

Essa
característicaexacerba a concentração da renda e torna o sistema econômico mais
injusto, como lembram David Deccache, doutorando em economia pela Universidade
Nacional de Brasília e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em economia da
Universidade Federal Fluminense, e Lucas Di Candia, professor substituto do
Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, em trabalho
recente. O estudo mostra, entre uma série de outros dados, que os tributos
indiretos respondiam, até 2017, por 47,7% de tudo o que o Estado arrecada, o
que se compara com pouco menos de 32,7% na média dos países que formam a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Desigualdade
crônica

Na
mesma comparação, que inclui 34 países, o Brasil é o que menos taxa renda,
lucros e ganhos de capital – categorias que respondem por 20,1% de toda a carga
tributária bruta, estimada em 32,29% em 2017. O imposto arrecadado naqueles
setores corresponde a 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) por aqui, diante de
11,40% na média da OCDE. O imposto sobre a propriedade representava 1,50% no
País e 1,90% na OCDE, também em média. Mas a taxação de bens e serviços subia
para 15,40% do PIB no Brasil, acima dos 11,2% observados para a média da OCDE.
“Ao contrário do que ocorre naqueles países, a carga (tributária) brasileira
incide, principalmente, em tributos indiretos e caráter extremamente
regressivo, o que ajuda a aprofundar a nossa histórica e crônica desigualdade
social”, escrevem Deccache e Di Candia.

Balanço

·  
O
lado perverso do sistema de cobrança de impostos no Brasil, que sempre “alivia”
para os que mais podem, já era conhecido e não representa exatamente uma
novidade. Mas explicitar as diferenças gritantes entre como são tratadas as
diversas faixas de renda da população entre as nações mais desenvolvidas e o
Brasil já seria relevante, num momento em que o superministro dos mercados
planeja remendar o sistema tributário.

·  
Mas
o trabalho da dupla de economistas vai além e escolhe um caminho original para
defender, ao final, uma reforma verdadeira, que permita tornar o sistema mais
justo, equilibrado e progressivo. Em primeiro lugar, Deccache e Di Candia
demolem o mito segundo o qual no Brasil a carga tributária é não apenas alta,
mas excessiva dado o nível de renda médio do País em relação ao restante do
mundo.

·  
Num
dado explorado cansativamente no debate econômico brasileiro, os economistas
mostram que a carga tributária bruta no Brasil (32,29% em 2016) era a 11ª mais
elevada em 34 países e apenas ligeiramente inferior à média da OCDE (34,3%). Se
for considerada a renda per capita média no Brasil, em torno de US$ 14.137 a
preços internacionais constantes de 2011, diante de US$ 39.692 na média da
OCDE, parece sim uma carga elevada.

·  
Mas
o dado não considerado no debate está precisamente na distribuição muito
desigual na cobrança de impostos no País, como visto, com concentração mais do
que excessiva em tributos indiretos (que penalizam proporcionalmente os mais
pobres). As alíquotas sobre rendimentos no mercado financeiro variam de 15% a
22% e há total isenção na distribuição de lucros e dividendos. Na relação de 34
países, o Brasil é o que menos cobra impostos sobre rendas, lucros e ganhos de
capital, o que significa dizer que há espaço para apertar a cobrança de
impostos sobre esse tipo de ganho e, ao mesmo tempo, afrouxar na taxação sobre
os mais pobres e a classe média.

·  
O
trabalho mostra que a carga tributária nos países mais ricos chegou a ser até
mais elevada do que a brasileira quando estavam na fase de construção de seus
sistemas de Estado de bem-estar social e registravam renda média similar à do
Brasil hoje (por volta de US$ 14,7 mil a US$ 14,9 mil per capita). Na Noruega,
no Reino Unido e na França, a carga era de 33,3%, 33,4% e 33,8% do PIB.

·  
“Se
por um lado países de baixa e média renda per capita possuem maiores
dificuldades em arcar com cargas tributárias mais elevadas, por outro lado, a
construção de um Estado de bem-estar social é muito mais onerosa e cara do que
a manutenção e ampliação de uma rede de proteção social já consolidada. Ou
seja, em países como o Brasil, que possuem uma estrutura em termos de Estado de
bem-estar social ainda embrionária, o esforço fiscal para se construir uma
estrutura do tipo é muito maior que o exigido para a mera manutenção e
ampliação do já consolidado Estado de bem-estar social”, afirmam Deccache e Di
Candia. 

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