Desemprego cai, mas os números refletem a desistência

Dados são da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid-19)

Postado em: 26-09-2020 às 09h30
Por: Sheyla Sousa
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Dados são da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid-19)

Em mais uma edição semanal da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid-19), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números apontam redução do desemprego, acompanhada de uma quase estagnação do total de ocupações na comparação entre a semana final de agosto e a primeiro de setembro. Os números parecem contraditórios? Pois é, não são. A queda no número de desempregados, no entanto, é enganosa, porque reflete muito mais uma piora no mercado do que uma recuperação propriamente, por mais paradoxal que possa parecer.

Não se trata de pessimismo, no caso. O número de desempregados ficou menor de uma semana para outra porque mais gente desistiu de procurar uma vaga no mercado de trabalho, seja por falta de opções, com uma retração na oferta de vagas, seja por conta da pandemia – que, ao contrário do que muitos parecem pensar, ainda não foi debelada e continua produzindo vítimas em escala muito maior do que ao que se poderia considerar “tolerável”, na situação atual, diante da ineficiência e negligência dos setores responsáveis por coordenar o combate ao Sars-CoV-2. 

A taxa de desemprego oscilou de 14,3% para 13,7%, enquanto o total de ocupados no País, que havia atingido 82,174 milhões na semana entre 23 e 29 de agosto, chegou a 82,341 milhões na semana entre os dias 30 de agosto e 5 de setembro, antes do feriado. Foram abertas, assim, em torno de 167,371 mil vagas, numa variação modestíssima de 0,2% (o que configura certa estabilidade, na leitura do IBGE). Apenas para colocar esses números em perspectiva, na terceira semana de maio, a pesquisa registrava 84,777 milhões de pessoas com algum tipo de ocupação, ou seja, 2,436 milhões a mais do que na semana inicial deste mês.

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Desproporções

A estatística do desemprego mostra uma queda desproporcional, a ser considerado o comportamento do emprego isoladamente. O total de pessoas desocupados encolheu 4,69% entre o final de agosto e o início de setembro, baixando de 13,687 milhões para 13,044 milhões (quer dizer, 642,542 mil a menos). Parece evidente que a variação no número de ocupados guarda relação distante com a evolução (ou involução, no caso) do desemprego. Então, o que explica esse recuo no desemprego? Nesse período, o total de trabalhadores na força de trabalho (ou seja, a soma de todos os ocupados com o número de desempregados que ainda buscavam uma colocação) encolheu 0,5%, significando que 475,172 mil desistiram de procurar emprego. A força de trabalho caiu de 95,860 milhões para 95,385 milhões. Supõe-se que um agravamento nas condições do mercado deva ter afugentado os trabalhadores, o que pode ser antevisto nos dados a seguir.

Balanço

A redução no tamanho da força de trabalho explica quase 74,0% da queda observada no total de desocupados. Mas não explica tudo. Na medição do IBGE, o número de pessoas com 14 anos ou mais, considerada população em idade ativa, recebeu mais 95,845 mil novos participantes na semana analisada (variação de 0,06%), passando a somar 170,340 milhões.

Acrescentando esse número aos que desistiram de procurar emprego, a soma chega a 571,017 mil pessoas, correspondendo ao aumento da população fora da força de trabalho (que avançou 0,8% na semana, saindo de 74,384 milhões para 74,955 milhões). Entre esses, perto de 36,4% deixaram de procurar uma ocupação, mas gostariam de trabalhar. O contingente, aqui, aumentou 2,3% entre as duas semanas analisadas, passando de 26,658 milhões para 27,263 milhões de pessoas (quer dizer, foram 605,640 milhões a mais).

Em torno de dois terços daquelas pessoas deixaram de procurar uma colocação por conta da pandemia ou por falta de trabalho no local onde moram. Mas esse número apresentou variação menos intensa, crescendo 1,51% na primeira semana deste mês, de 16,803 milhões para 17,056 milhões (252,956 mil a mais).

Se incluídos entre os 13,044 milhões de desempregados esses 27,263 milhões que deixaram o mercado, mas ainda estavam dispostos a trabalhar, o desemprego “real” teria se mantido em torno de 32,9%, praticamente a mesma taxa observada na semana final de agosto.

A piora (e não melhora, como alguns números poderiam sugerir a analistas mais apressados) pode ser vista na composição dos empregos que foram criados no começo deste mês. O total de trabalhadores formais, na verdade, não se moveu ou recuou ligeiramente, de 54,555 milhões para 54,435 milhões (-0,2%).

As ocupações informais, desempenhadas por trabalhadores sem carteira nos setores públicos e privados, empregadores foram do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e trabalhadores não remunerados, que prestavam serviços a familiares e amigos, cresceram 1,04% naquele mesmo período, de 27,618 milhões para 27,906 milhões de pessoas (287,864 mil a mais). Ou seja, a informalidade, que saiu de 33,4% para 34,0%, sustentou todo o aumento no número de pessoas ocupadas, retomando um padrão que já vinha vigorando mesmo antes da pandemia.

Num levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), com base nos microdados da PNAD Contínua (a pesquisa convencional, que acompanha trimestralmente o mercado de trabalho), embora o rendimento médio real dos ocupados tenha crescido 6,8% em termos reais entre o segundo trimestre deste ano e o mesmo período de 2019, a massa real de rendimentos, “base do consumo das famílias”, caiu 7,1%.

“Esta evolução, porém, sugere que a pandemia afetou principalmente os postos de trabalho de menores rendimentos, fazendo com que a média aumentasse”, aponta o instituto. Mais claramente, os efeitos da pandemia sugerem um agravamento nas desigualdades no mercado de trabalho.

 

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