Lambança na Petrobrás desnuda (mais uma vez) a falta de visão estratégica

Política de preços do diesel, da gasolina e do gás de cozinha está atrelada às flutuações do barril no mercado internacional há pelo menos meia década, o que motivou, até o momento, a queda de dois presidentes da Petrobrás | Foto: reprodução

Postado em: 22-02-2021 às 23h58
Por: Sheyla Sousa
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Política de preços do diesel, da gasolina e do gás de cozinha está atrelada às flutuações do barril no mercado internacional há pelo menos meia década, o que motivou, até o momento, a queda de dois presidentes da Petrobrás | Foto: reprodução

Lauro Veiga 

Os
preços do barril de petróleo no mercado internacional vinham oscilando
intensamente nos primeiros meses do segundo semestre de 2020, alternando quedas
e altas, mas embicaram para cima a partir de novembro, refletindo movimentos
especulativos de fundos de investimento, expectativas de alguma normalização da
demanda global, desautorizadas até o momento diante da gravidade da segunda
onda da pandemia em todo o mundo, e a redução na produção. O barril continuou
subindo neste ano, com mais um corte na oferta decidido pelos países
exportadores reunidos na Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep+) em janeiro passado. Por aqui, a política de preços do diesel, da
gasolina e do gás de cozinha está atrelada às flutuações do barril no mercado
internacional há pelo menos meia década, o que motivou, até o momento, a queda
de dois presidentes da Petrobrás, incluindo a troca, anunciada na sexta-feira,
19, do economista Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna.

Mais
do que a mudança no comando da maior empresa brasileira, a política de preços
adotada pela estatal tem sido um fator de instabilidade para preços que são
essenciais dentro da economia, afetando virtualmente todos os setores
econômicos e mais visivelmente os consumidores. Companhia de capital aberto, a
Petrobrás responde a seus acionistas ao adotar a política de preços em vigor.
Mas ela também é uma empresa pública, sob controle do Estado, portanto, deveria
exercer um papel mais estratégico – aliás, como exerceu no passado. Função
abandonada desde o governo anterior, quando se acelerou o desmonte da empresa.

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Um
dos desafios da estatal, entre vários outros, seria
conciliar a visão de curto prazo dos acionistas privados, totalmente voltados
para a extração de taxas de lucro e retorno crescentes, e os interesses maiores
do País. O condicional, no caso, justifica-se pela ausência mais absoluta de
capacidade de pensar e planejar no longo prazo demonstrada pelo governo desde
sempre.

Erros e
improviso

De
qualquer forma, um dos caminhos sugeridos por especialistas e economistas mais
arejados passa pela criação de algum tipo de fundo de equalização dos preços
domésticos do petróleo e de seus derivados. Uma das ideias envolveria a fixação
de um preço para o mercado interno baseado nos custos enfrentados pela
Petrobrás aqui dentro, acrescidos de uma margem que assegure a rentabilidade da
operação doméstica. A diferença entre esse preço de referência e as cotações
observadas no mercado externo seria coberta pelo fundo de equalização, a ser alimentado
por recursos fiscais (talvez a cobrança de algum tipo de imposto regulatório
cobrado especificamente sobre a comercialização de derivados aqui dentro, que
permitiria ao governo se apropriar de ganhos eventuais trazidos pela alta do
dólar).

Balanço

·  
Por
enquanto, o que se tem visto é um festival de erros e de improvisação, a
exemplo das propostas intempestivas de redução da tributação dos combustíveis. Além
disso, a forma atribulada e agressiva escolhida mais uma vez para colocar em
prática decisões de governo, reafirmando o modus operandi do ocupante ocasional
do Palácio do Planalto, atropelou normas de boa governança, no mínimo, e abriu espaço
para jogadas no mercado de capitais e nas bolsas, com ganhos para grupos
“amigos”.

·  
Deve-se
lembrar que as mudanças na Petrobrás vinham sendo já antecipadas, por caminhos
nada ortodoxos, pelo presidente atualmente no poder, contrariando regras
explícitas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – que, não por acaso, abriu
procedimento para averiguar os fatos que levaram ao anúncio da queda de
Castello Branco.

·  
Ontem,
as ações preferenciais da estatal despencaram mais 21,5%, para R$ 21,45, o que
significou um tombo de 27,5% desde o último dia 17. Quem recebeu a informação
antecipadamente, teve oportunidade de vender o papel antes da queda e poderá
recomprar as ações, mais adiante, embolsando ganhos mais do que proporcionais.

·  
Um
novo modelo para os preços dos derivados de petróleo se impõe quando se
considera, por exemplo, a instabilidade que tem sido a marca do setor. No
início do ano passado, a disputa entre Rússia e Arábia Saudita fez com que a
cotação do barril caísse abaixo de zero no mercado futuro, algo inédito.

·  
Os
preços voltaram a níveis próximos a US$ 48 e US$ 43 o barril no Reino Unido e
nos Estados Unidos em agosto, desabaram 22,4% e 16,0% entre agosto e outubro e,
desde lá, subiram em torno de 73% considerando-se o fechamento de ontem nas
bolsas internacionais. Apenas entre o final de dezembro e ontem, 22, as
cotações experimentaram elevações de 25% a 28%.

·  
O
governo conseguiu, ao mesmo tempo, agravar um problema por si já complicado e
ainda criar outros, observa o economista chefe do Banco Fator, José Francisco
de Lima Gonçalves. “Ao invés de propor claramente uma política pública voltada
à modicidade dos preços do diesel e do gás de cozinha, por exemplo, com
instrumentos e subsídios explícitos, atuou de modo a desmoralizar a governança
da Petrobras e seu valor de mercado”.

·  
Ainda
segundo ele, “em sua melhor tradição, (o presidente) estimulou a polarização,
pressionado pelo risco de uma greve de caminhoneiros que somaria graves
dificuldades às já existentes. E deterioraria rapidamente sua popularidade”.

·  
Gonçalves
prossegue. “Óleo e gás perpassam todas as cadeias produtivas e pesam nos custos
de produção de diversos setores de modo diferenciado. Pesam no consumo das
famílias de modo fortemente regressivo. Seus custos são dados pelo câmbio e
pelo mercado global dominado pela OPEP+.Imaginar que as famílias e
caminhoneiros, em país movido a diesel, vão abrir mão de seu direito de
reclamar é grotesco”.

 

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