Realidade desautoriza ministro dos mercados e antecipa perdas à frente

Confira a coluna econômica, desta quinta-feira (04/03), por Lauro Veiga | Foto: Reprodução

Postado em: 04-03-2021 às 08h10
Por: Sheyla Sousa
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Confira a coluna econômica, desta quinta-feira (04/03), por Lauro Veiga | Foto: Reprodução

Lauro Veiga

Os
números do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, divulgados ontem pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), desautorizam as
projeções de um crescimento em “V” para a economia, alardeadas pelo senhor
ministro dos mercados ao longo de quase todo o ano passado – mais precisamente,
desde que a atividade econômica começou a mergulhar por conta da pandemia e das
medidas de afastamento social adotadas em diversos Estados numa tentativa de
conter o avanço do vírus. O agravamento da crise sanitária, com o País
experimentando praticamente cinco semanas consecutivas de recordes tenebrosos,
no pior momento da pandemia até aqui, com a retomada de medidas de
distanciamento em quase todas as regiões, a lentidão observada na vacinação, o
fim das medidas de suporte à renda das famílias e de pequenos empresários
reduziram de forma drástica as possibilidades de crescimento neste começo de
ano e tendem a inibir uma recuperação da economia nos meses restantes.

Olhando
o retrovisor, o cenário apresentado pelo IBGE já mostrava uma desaceleração na
passagem do terceiro para o quarto trimestre de 2020, ainda que o PIB
sustentasse números positivos. Nessa mesma comparação, que toma o trimestre
imediatamente anterior como base, o PIB sofreu quedas de 2,1% e de 9,2% nos
dois primeiros trimestres do ano passado, mas avançou 7,7% e 3,2% no terceiro e
quarto trimestres. O fim gradual das medidas de distanciamento, já a partir de
abril e maio, permitia antever algum crescimento para a economia, especialmente
em relação aos níveis muito achatados observados no primeiro pico da pandemia.

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Portanto,
a variação registrada no trimestre final de 2020, muito inferior à anotada nos
três meses anteriores, mostra uma desaceleração não antevista pelo otimismo
exercido até com doses de irresponsabilidade pelo senhor ministro dos mercados.
O consumo das famílias, que sofreu perdas de 1,9% e de 11,3% no primeiro e
segundo trimestres, ainda na comparação com trimestre imediatamente anterior,
chegou a registrar alto de 7,7% no terceiro trimestre, recuando para uma
variação de 3,4% no quarto final do ano passado.

Pior da série

Em
relação a 2019, os números jamais foram positivos, em todo o ano passado. O PIB
como um todo já havia experimentado recuo de 0,3% no primeiro trimestre, lembrando
que os primeiros casos de Covid-19 foram registrados em março e as medidas para
enfrentamento do vírus, concentradas nos governos dos Estados por inação do
governo federal. Nos dois trimestres seguintes, foram anotadas reduções de
10,9% e de 3,9%, com o tombo apresentando menor intensidade no quarto
trimestre, com recuo de 1,1%. O ritmo das baixas arrefeceu-se na segundo metade
do ano, com o PIB encolhendo 2,5% frente ao segundo semestre de 2019, depois de
ter desabado 5,6% na primeira metade de 2020. No ano, registra o IBGE, a
retração de 4,1% foi a pior em toda a série estatística recente, iniciada em
1996. O consumo das famílias, embora tenha recebido o reforço do auxílio
emergencial, recuou 0,7% no primeiro trimestre do ano passado, frente a igual
período de 2019, caindo 12,2%, 6,0% e 3,0% nos trimestres seguintes, encerrando
o ano com tombo de 5,5% – uma retração muito intensa, sob qualquer parâmetro.

Balanço

As
perdas tenderiam a ser muito mais intensas para a economia, caso o Congresso
não tivesse aprovado o pacote com medidas de compensação para famílias e
empresas de menor porte, incluindo os recursos do auxílio emergencial,
adiamento de impostos e créditos para que empresas pudessem manter seus
negócios e evitar demissões (que, ainda assim, cresceram fortemente, elevando o
desemprego a níveis recordes).

Num
estudo divulgado no começo de fevereiro (obviamente, ainda sem os dados
oficiais do PIB), Marina Sanches, Matias Cardomingo, Laura Carvalho,
economistas do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da
Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP),
mostraram que a economia poderia ter mergulhado entre 8,4% e 14,8% caso o
auxílio emergencial não tivesse sido pago em 2020, puxada para baixo por uma
redução no consumo das famílias entre 11,0% e 14,7% (muito acima da queda de
5,5% de fato observada).

Isoladamente,
sem a contribuição do setor externo (exportações menos importações), a demanda
doméstica (consumo das famílias, dos governos e investimentos) despencou 5,2%
ao longo de 2020, o pior resultado desde a queda de 6,2% registrada em 2015,
quando a economia encontrava-se em recessão. A retração em 2020 foi
parcialmente compensada pelo avanço de 1,2% no saldo entre exportações e
importações de bens, mercadorias e serviços.

Aquela
contribuição veio, no entanto, como resultado de uma redução de 1,75% no volume
exportado e da queda de 9,95% nas importações, motivada pela retração da demanda
interna e de descompassos na cadeia mundial de suprimentos causados pela
pandemia, que obrigou a paralisação da produção em diversos setores. A
contribuição do setor externo havia sido negativa em 2019 (-0,5%), já que,
naquele ano, a diferença entre exportações e importações havia sido negativa
(-R$ 18,163 bilhões). No ano seguinte, o saldo ficou positivo em R$ 103,332
bilhões.

O
investimento saltou 20,0% na saída do terceiro para o quarto trimestre, mas
parte desse incremento deveu-se a operações fictas envolvendo plataformas de
petróleo. Descontado esse fator, teria se aproximado de 12,0% na estimativa do
Itaú BBA. No ano, não houve crescimento, mas um recuo de 0,8%.

Nas
contas do banco e do economista José Francisco de Lima Gonçalves, economista
chefe do Banco Fator, os resultados do PIB em 2020 deixam um “carregamento”
meramente estatístico de 3,6% para este ano. Dito de outra forma, observa Lima,
caso o PIB apresente variação naquela faixa ao longo deste ano, a atividade
econômica não terá saído do lugar, reeditando os níveis muito reduzidos
observados em 2020.

“Mantemos
a estimativa de crescimento abaixo do ‘carry over’ (quer dizer, inferior
àqueles 3,6%), isto é, de queda na comparação com 2020”, antecipa o economista.
Segundo ele, as previsões para a economia neste ano “estão sendo refeitas para
baixo”, diante da “piora nas condições sanitárias, pela pandemia e pela
desanimadora vacinação, e do adiamento do auxílio emergencial, bem como de sua
modesta dimensão, continuam deixando muita incerteza sobre a recuperação da
atividade”.

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