Sob deboche e escárnio, governo gastou 0,04% do dinheiro destinado às vacinas

Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta sexta-feira (5/3) | Foto: Reprodução

Postado em: 05-03-2021 às 08h15
Por: Sheyla Sousa
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Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta sexta-feira (5/3) | Foto: Reprodução

Lauro Veiga

Enquanto
o presidente despeja sobre o País todo o seu deboche e escárnio, sem a menor
repercussão criminal, o seu desgoverno consegue a proeza, em plena pandemia,
com o número de mortos se aproximando de 2,0 mil por dia, de sequer se mostrar
competente para dar o destino necessário para os R$ 20,0 bilhões reservados
para a compra de vacinas. Os dados atualizados até ontem pela Câmara Federal
mostram que, até aqui, apenas 0,04% daquele total foram de fato gastos pelo
governo federal, somando algo próximo a R$ 7,162 milhões.

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Entre
abril de 2020 e o começo deste mês, o governo gastou R$ 523,084 bilhões em
políticas e ações para enfrentamento do Sars-CoV-2, pouco menos de 87,0% do
valor total autorizado pelo chamado “orçamento de guerra” que o governo foi
autorizado a gastar no ano passado. Sobraram nada menos do que R$ 80,323
bilhões dos R$ 603,408 bilhões referendados pelo Congresso, que agora bate
cabeça para tentar aprovar uma versão mitigada do auxílio emergencial que
custará, atenção, pouco mais da metade dos recursos que deixaram de ser gastos.
Precisamente 54,8%.

Visto
de outra forma, o governo poderia aumentar o valor proposto para o auxílio em
quase 82,6%, já que ainda ficariam restando R$ 36,3 bilhões depois de gastos
aqueles R$ 44,0 bilhões anunciados. E por que o governo não pode usar essa
dinheirama? Claro, por inapetência para a gestão da economia de seu ministro
dos mercados e de sua equipe. Resumindo: a equipe chutou que a pandemia e a
crise por ela gerada estariam superadas em dezembro, com a retomada da economia
tratando de prover os empregos necessários para dar sustentação a uma reação da
renda das famílias.

“Ideologia”
rasteira

Emperrada
em sua “ideologia” rasteira, marcada por um fiscalismo igualmente medíocre, o
ministro e seus auxiliares recusaram-se a incluir na proposta orçamentária para
2021 a previsão de abertura de novos créditos extraordinários que permitiriam
aproveitar as “sobras” dos programas de enfrentamento da Covid-19 aprovados
para 2020. O motivo? A medida poderia colocar em risco do tal “teto de gastos”,
uma estultice inscrita na Constituição e que literalmente “congela” as despesas
em valores reais ao longo de duas décadas. Quer dizer, mesmo em situações
emergenciais (e o que há de mais emergencial do que a pandemia com seus 260,0
mil mortos?), o governo fica proibido de gastar. Pior: ainda que as receitas
experimentem crescimento, a arrecadação adicional não poderia ser destinada a
cobrir gastos correntes, mas apenas para o pagamento da dívida pública federal.
Há uma lógica genocida e grande dose de hipocrisia por trás dessa política,
especialmente nesses tempos de pandemia descontrolada.

Balanço

Como
lembra a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida
Graziane, o argumento usualmente assacado em defesa do teto de gastos sequer se
sustenta. A “narrativa acerca da suposta imutabilidade da Emenda 95/2016 (a Lei
do Teto) é juridicamente falsa, sobretudo porque ela já foi alterada pela
Emenda 102/2019. Ou seja, já houve ampliação do rol de exceções ao teto global
federal de despesas primárias, por meio do acréscimo do inciso V ao art. 107,
§6º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), para permitir a
repartição federativa dos recursos oriundos da cessão onerosa do pré-sal
licitada no final de 2019”.

Os
dados da Câmara mostram desempenho menos negativo na execução do orçamento
destinado a financiar a participação do País no consórcio Covax Facility,
iniciativa global comandada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para
acelerar o desenvolvimento e produção de imunizantes contra a pandemia. De um
total de R$ 2,514 bilhões aprovados em setembro por medida provisória, perto de
33,1% foram gastos até o começo deste mês, somando R$ 830,895 milhões.

O
total de recursos aprovados para compra, produção e transferência de tecnologia
para a fabricação da vacina está fixado em R$ 24,509 bilhões e, desse total,
apenas 9,05% foram gastos até aqui, ou pouco mais de R$ 2,218 bilhões. Falta
empenho e, fundamentalmente, interesse em gastar o que já está autorizado.

“Faltou
gerenciamento para termos políticas engatilhadas para enfrentar reveses em
2021, tanto do ponto de vista fiscal quanto de saúde. Ambos deveriam andar
juntos nessa crise, mas o que vemos são mundos desconectados”, afirma a
economista Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em entrevista à repórter Solange
Monteiro, da revista Conjuntura Econômica (também da FGV).

Para
a economista, se a recuperação observada na segunda metade do ano passado já
vinha perdendo fôlego mais ao final daquele período, o cenário para o começo
deste ano agravou-se, no sentido de um desaquecimento ainda mais severo do que
o esboçado anteriormente. A equipe de economistas do Boletim Macro projeta uma
variação de 3,2% para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, o que significa
dizer que o resultado do ano, isoladamente, tende a ser negativo ao se
desconsiderar o “carregamento” estatístico entre 2020 e este ano.

Como
detalhado na coluna de ontem, por mero efeito contábil, o avanço observado para
o PIB nos dois trimestres finais de 2020 deixou uma “herança” de 3,6% para
2021. Isso significa que, ainda que a economia nada cresça neste ano, o
resultado final poderá ser uma variação de 3,6% para o PIB. Se o produto
crescer 3,2%, a economia terá consumido toda sua herança e deixado um saldo
negativo, grosso modo, de 0,4% (a diferença entre os 3,2% projetados e o
“carregamento” estatístico de 3,6%).

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