Segunda-feira, 18 de março de 2024

Por que a pandemia produz estragos mais severos na economia brasileira

Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Quarta-feira (21/4) | Foto: Reprodução

Postado em: 20-04-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Por que a pandemia produz estragos mais severos na economia brasileira
Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Quarta-feira (21/4) | Foto: Reprodução

O
mercado de trabalho já vinha observando desempenho modesto em todo o País desde
o começo do ano passado e foi severamente afetado pela pandemia, registrando o
fechamento de quase 8,4 milhões de empregos na comparação entre o quarto
trimestre de 2019 e igual período de 2020, chegando a 86,2 milhões de ocupados.
Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de ocupados
chegou ao número mais baixo para um quarto trimestre desde o começo da série
histórica mais recente, iniciada em 2012.

Ao
mesmo tempo, o total de desempregados aumentou quase 20,0% naquela mesma
comparação, atingindo pouco mais de 13,9 milhões de trabalhadores. Incluindo
desalentados e trabalhadores que deixaram de buscar ocupação, mas gostariam de
trabalhar, a crise no setor afetou pouco mais de 31,0 milhões de pessoas (quase
30,0% mais do que no mesmo trimestre do ano anterior). Se incluídas na
estatística do desemprego, a taxa de desocupação saltaria daqueles 13,9% para
26,5%.

O
estrago poderia ter sido menos grave se a estrutura produtiva na economia
brasileira apresentasse níveis de complexidade superiores, com empregos de
melhor qualidade, anota Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de
Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor da Escola de
Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV), em artigo publicado na
edição deste mês da revista Conjuntura Econômica, editada pelo Instituto
Brasileiro de Economia (Ibre), da própria FGV.

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O
nível reduzido de complexidade entre os diversos setores de atividade, com
participação relevante de empregos de menor qualificação em sua “estrutura
ocupacional”, ajudou a agravar os reflexos da pandemia, penalizando
proporcionalmente mais exatamente aqueles trabalhadores que já recebiam
salários médios mais baixos, piorando a concentração dos rendimentos no mercado
de trabalho. Na verdade, complementa Marconi, “a prévia concentração da renda
agudizou os efeitos da pandemia no País”.

Como
descreve o economista em seu artigo, “a heterogeneidade domercado de trabalho
brasileiro foi importante para determinar, como era esperado, a distinção entre
os efeitos da pandemia sobre seus diversos segmentos. Como nele predominam
ocupações que demandam habilidades menos complexas e em setores de serviços que
requerem contato direto, altamente afetados durante a pandemia, o impacto da pandemia
foi mais agudo”.

Falta
complexidade

Numa
economia com estruturas ocupacional e setorial mais complexas, que
contemplassem “empregos de melhor qualidade (em termos de complexidade de
atividades, remuneração e condições de trabalho, entre outros)”, o tamanho do
impacto seria outro, provavelmente menos intenso. “Como lição”, acrescenta
Marconi, “reforça-se que a mudança estrutural e a consequente melhoria da
qualidade das ocupações deve ser um dos principais objetivos da política
econômica e das políticas públicas em geral”.

Balanço

·  
De
acordo com Marconi, a análise da composição setorial da produção, mostrando
quais segmentos são mais relevantes na economia, assim como a avaliação da
composição das ocupações no mercado de trabalho, diretamente relacionada à
estrutura produtiva, ajudam a entender “o cenário do mercado de trabalho de
modo estrutural, e os motivos pelos quais a pandemia afetou mais intensamente
alguns grupos de trabalhadores”.

·  
O
professor da FGV trabalhou microdados da PNADC e identificou as diversas
combinações entre ocupações e setores produtivos. Para efeitos do artigo,
Marconi selecionou 15 combinações entre ocupações e setores, que representam em
torno de 60,8% do total de ocupados no País. Para cada uma delas foi
estabelecida sua participação no total de ocupações, o rendimento médio
relativo (ou seja, comparado à remuneração média efetiva de todos os ocupados),
média semanal de horas trabalhadas e escolaridade média, considerando o total
de anos de estudo.

·  
Entre
os grupos analisados, Marconi identificou uma predominância de ocupações ou de
setores com remunerações médias abaixo da média nacional. “Entre as 15
combinações selecionadas, somente duas (relacionadas a ocupações nas áreas de
ciências, educação, saúde, informação e comunicação, além de atividades
financeiras) pagam remunerações acima da média, demonstrando que a pandemia
atingiu fortemente grupos que já recebiam rendimentos reduzidos”, constata.

·  
Num
segundo destaque, profissionais qualificados em educação, saúde humana e serviços
sociais, informação, comunicação, finanças, serviços modernos e alguns
tradicionais, e da agropecuária registram avanço na participação sobre o total
de ocupados, com redução para “trabalhadores domésticos e os atuantes no setor
de alojamento e alimentação, ou nos serviços pessoais e relacionados ao lazer”.
Para Marconi, “o grau de qualificação das pessoas fez toda a diferença no
momento de tentarem se manter em suas ocupações durante a pandemia (ou mesmo
obter outras)”.

·  
Para
o conjunto de setores de atividade analisados, o trabalho mostra que
praticamente 56,0% das ocupações referem-se a empregos de baixa complexidade ou
de menor exigência de qualificação.

·  
Conclui
Marconi: “Portanto, não basta a sociedade possuir maior nível de escolaridade e
habilidades para promover o desenvolvimento econômico. Certamente esse é um
aspecto crucial, pois incrementa a disponibilidade de pessoas mais qualificadas
para o trabalho, mas o processo de mudança estrutural, na direção de setores
mais complexos, também é fundamental para que haja demanda por pessoas que
possuam maiores habilidades. Temos que investir muito em educação e no processo
de mudança estrutural se quisermos gerar bons empregos, e até mesmo enfrentar
pandemias futuras em condições melhores.”

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