Coluna

Recuo do desemprego se deve ao crescimento das contratações informais

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 01 de novembro de 2019

Os
indicadores do mercado de trabalho até aqui, vencidos três quartos de 2019,
despacham para o próximo ano quaisquer perspectivas de uma recuperação
sustentada nesta área. As contratações no lado formal continuam a derrapar,
conforme indica a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que parece explicar a
anemia no rendimento real médio do total de pessoas ocupadas e, por tabela, a
desaceleração ainda em curso para a massa real da renda do trabalho (quer
dizer, a soma total dos rendimentos recebidos pelos trabalhadores, a valores
atualizados com base na inflação).

Parece
pouco provável que a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e dos programas PIS/Pasep possam alterar esse quadro de forma
duradoura e mais ampla, assim como vai se esgotando, no calendário, o prazo
para que se criem as condições de uma reação ainda neste ano. Assim como ainda
parecem reduzidas as probabilidades de uma alteração mais sensível em 2020, a
serem mantidas as linhas gerais da política econômica em curso desde, na
verdade, o governo anterior.

O
número total de pessoas ocupadas, como aponta a pesquisa, de fato avança e
alcançou níveis recordes no trimestre encerrado em setembro deste ano, atingindo
93,801 milhões de vagas. Para comparação, a pesquisa registrava 92,333 milhões
de ocupados no trimestre entre julho e setembro do ano passado e 93,342 milhões
entre agosto e junho deste ano. Seria muito positivo não fossem os detalhes. E,
como os raros leitores e raras leitoras sabem, o diabo está sempre nos
detalhes. O primeiro “detalhe”, como tem sido reiterado neste espaço: em larga
medida, esse incremento tem sido sustentado pela entrada no mercado de um maior
número de trabalhadores sem carteira, “empreendedores” (na verdade
desempregados que decidem arriscar um “bico” para sobreviver) sem registro no
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, CNPJ), que formam a maioria dos que se
arriscam em atividades por conta própria.

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Mais “detalhes”

O
segundo “detalhe” está no número persistentemente elevado de desempregados. O
total de desocupados recuou 2,0% entre o segundo e o terceiro trimestres deste
ano, saindo de 12,766 milhões para 12,515 milhões de pessoas, mas ficou
ligeiramente mais alto do que os 12,450 milhões registrados no terceiro
trimestre de 2018. A despeito das oscilações recentes, o total de trabalhadores
sem emprego é pouco mais do que o dobro do número de desempregados no final de
2013. Além disso, a pesquisa registra ainda 27,453 milhões de pessoas
subutilizadas, seja porque trabalham menos horas do que gostaria, porque estão
desempregadas ou se encontram fora do mercado, mas gostariam de voltar a
trabalhar. Comparado ao final de 2013, mais uma vez, o número mais recente
acumula um salto de 81%. As pessoas desalentadas, diante da ausência de
perspectivas de conseguir uma colocação digna, cresceram 186% no período,
chegando a 4,703 milhões de pessoas no terceiro trimestre deste ano. Esse
número já foi maior, chegando a 4,905 milhões no trimestre entre março e maio
deste ano, mas tem se mantido muito acima da média anterior à crise.

Balanço

·  
O
total de trabalhadores sem carteira assinada avançou 2,8% tanto na comparação
entre o terceiro e o segundo trimestres deste ano quanto em relação ao terceiro
trimestre de 2018, alcançando 18,951 milhões de pessoas, pouco mais de um
quinto do total de ocupados.

·  
Na
passagem do segundo para o terceiro trimestres, houve um acréscimo de 513,0 mil
pessoas no contingente total do pessoal sem registro em carteira. O número
total de ocupados registrou acréscimo de 459,0 mil pessoas, o que significa
dizer que o mercado dispensou trabalhadores contratados formalmente.

·  
De
fato, o número de trabalhadores com carteira, somando empregados dos setores
privado e público e serviços domésticos, encolheu 0,7% naquela comparação, para
36,083 milhões (238,0 mil a menos).

·  
Em
12 meses, tomando como base o terceiro trimestre de 2018, o total de ocupados
cresceu 1,6%, correspondendo à contratação de mais 1,468 milhão de pessoas.
Desse total, o avanço dos trabalhadores sem carteira e sem CNPJ, somados, teve
contribuição de 73,1% (mais 1,073 milhão de pessoas, com variação de 2,8%).

·  
Mais
claramente ainda, a cada 100 novos ocupados na economia,
73 não tinham qualquer registro formal. Ou seja, trata-se de uma reação
enganosa no mercado de trabalho, vastamente sustentada por ocupações informais,
sem direitos trabalhistas, sem férias, sem 13º salário, sem FGTS e sem
Previdência, o que gera maior insegurança entre as famílias e pouca disposição
para o consumo.

·  
Em
resumo, as características assumidas pela “recuperação” no mercado de trabalho
têm sido insuficientes para sustentar voos mais ambiciosos da atividade
econômica como um todo, como esta coluna tem buscado mostrar ao longo do ano.
Talvez isso explique porque os rendimentos reais mantêm-se virtualmente
congelados numa faixa ao redor de R$ 2,3 mil desde o começo do ano passado.

A massa total de rendimentos, em termos reais,
havia crescido 3,1% no terceiro trimestre de 2018, frente a igual período de
2017, injetando R$ 6,215 bilhões no orçamento das famílias (que mesmo assim não
se sentiram animadas a consumir mais). No terceiro trimestre deste ano, o
avançou ficou limitado a 1,8% na comparação anual, com mais R$ 3,783 bilhões à
disposição das famílias, quer dizer, o equivalente a 61% do valor recebido a
mais um ano atrás.