Coluna

Cortes em despesas sociais superam R$ 48,3 bilhões nos últimos cinco anos

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 07 de novembro de 2019

O
“ajuste” fiscal em curso desde 2015 (sim, houve corte de gastos naquele ano, ao
contrário do que parece acreditar o senso comum) tem sacrificado fortemente não
apenas os investimentos, mas também os principais programas de transferência de
renda aos mais pobres, a assistência social, despesas com educação e saúde e
ainda o socorro aos desempregados. Parece óbvio que as decisões adotadas por
sucessivas equipes econômicas tenham e continuem a atingir exatamente as
porções mais vulneráveis na briga pelos recursos do orçamento federal.

Dito
de outra forma, os cortes de despesas alcançam preferencialmente aqueles que
mais precisam dos recursos do Estado – e esta é a face menos lembrada em toda
política de “reforma” ou “modernização” do setor público. Prática repetida agora,
quando a equipe de plantão apresenta ao Congresso um “pacotão” de emendas
constitucionais destinadas, claro, a colocar ordem no Estado depois de três
décadas de desmandos e caos, a se crer nas palavras eloquentes do ministro dos
mercados.

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Os
números do Tesouro Nacional, atualizados com base na inflação até setembro
deste ano, mostram que as despesas primárias totais (quer dizer, descontada a
montanha de recursos destinada ao pagamento de juros ano após ano)
mantiveram-se praticamente inalteradas desde 2014, considerando os gastos
realizados entre janeiro e setembro de cada exercício. Nos primeiros nove meses
daquele ano, a despesa primária havia somado R$ 1,022 trilhão, caindo para
pouco menos de R$ 967,70 bilhões no mesmo período de 2015. Neste ano, ainda no
acumulado até setembro, o gasto primário chegou a R$ 1,015 trilhão, num recuo
de 0,71% em termos reais.

Por trás da
estagnação

A
estagnação aparente das despesas, no entanto, esconde cortes severos aplicados
nos investimentos federais e igualmente num conjunto selecionado de gastos
sociais – incluindo programas de assistência social, os pagamentos da renda
mensal vitalícia aos idosos menos favorecidos, Bolsa Família, Minha Casa Minha
Vida (MCMV) e despesas discricionárias e obrigatórias sujeitas à programação
orçamentária nas áreas de educação e saúde (ou seja, que podem ser
“administradas” ou postergadas pela equipe econômica segundo o fluxo de entrada
de receitas).

Os
investimentos despencaram quase 67% em termos reais entre 2014 e 2019,
encolhendo radicalmente de R$ 83,085 bilhões para R$ 27,485 bilhões. Em outros
termos, a participação do investimento realizado no período sobre a despesa
primária total caiu de 8,13% para 2,71%. Segundo o ministro dos mercados, Paulo
Guedes, essa rubrica tenderia a atingir em 2020 o seu nível histórico mais
baixo, caso sua equipe não tivesse preparado o “pacotão salvador”.

Balanço

·  
O
ministro, além de fervoroso defensor dos dogmas neoliberais mais caros aos
mercados, parece ser adepto igualmente de certa ironia.
Ao anunciar as três propostas de emenda constitucional (PEC), Guedes estimou
que a PEC dita “emergencial”, que autoriza ao governo federal, Estados e
prefeituras uma série de medidas de caráter temporário para conter suas
despesas, trará uma economia de R$ 12,750 bilhões, dos quais um quarto (algo em
torno de R$ 3,190 bilhões) deverá ser forçosamente direcionado para
investimentos.

·  
Nos
últimos cinco anos, no entanto, o investimento federal sofreu corte de
praticamente R$ 55,6 bilhões. O “pacote” dito de emergência ajudaria a repor,
na melhor das hipóteses, alguma coisa como 5,7% das perdas registradas a partir
de 2015.

·  
O
cenário dos gastos sociais relacionados acima não foi muito mais auspicioso.
Tomados em conjunto, todas aquelas linhas orçamentárias e programas consumiram
R$ 274,316 bilhões nos nove meses iniciais de 2014, representando 26,84% de
toda a despesa primária. Em igual intervalo deste ano, o Tesouro desembolsou R$
226,011 bilhões, o que significou 22,27% do gasto primário total. Foi o
percentual mais baixo desde os 20,31% registrados em 2010. Em valores
absolutos, o dado de 2019 supera apenas os R$ 217,003 bilhões gastos de janeiro
a setembro de 2012.

·  
Na
comparação entre aqueles dois períodos, o gasto social caiu 17,6%, o que representou
um corte de R$ 48,305 bilhões – algo como 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB).
No investimento, a redução correspondeu a praticamente 0,8% do PIB estimado
pelo Banco Central (BC) para o período de 12 meses encerrados em setembro deste
ano.

·  
A
tesoura atuou com desenvoltura maior no setor da educação, que perdeu R$ 19,025
bilhões, com as despesas caindo de R$ 37,248 bilhões para R$ 18,223 bilhões –
um tombo de 51,08% em valores reais.

·  
Os
gastos federais com a construção de moradias e conjuntos habitacionais
populares, financiados pelo programa MCMV, sofreram baixa de 82,1%, desabando
de R$ 18,376 bilhões para R$ 3,286 bilhões.

·  
Na
área da saúde, os cortes foram menos severos, mas atingiram R$ 5,668 bilhões,
com as despesas baixando de R$ 86,049 bilhões para R$ 80,382 bilhões.

O Bolsa Família, uma das experiências mais
bem-sucedidas no combate à pobreza, teve baixa de 10,9%, já que as despesas
recuaram de R$ 26,229 bilhões para R$ 23,374 bilhões (num corte de R$ 2,855
bilhões).