Quinta-feira, 28 de março de 2024

Coluna

Na versão chapa-branca, estagnação na economia não explica queda da inflação

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 09 de novembro de 2019

Em
um País governado por mitos, não deveria surpreender que estes também estendam
seu domínio de forma ainda mais ampla sobre a área econômica. A semana que agora
se encerra foi rica na distribuição de “mitos”, traduzidos na mais rasa
tentativa de manipular os dados da realidade para mostrar um país que parece
existir apenas na imaginação de ministros, assessores e um espécime de comentarista
econômico que viceja por aqui como erva daninha. Prática tão comum como a
distorção da realidade, a manipulação se presta a jogos econômicos e manobras
que quase sempre resultam na transferência de vantagens generosas e lucros idem
a grupos econômicos poderosos, daqui e de fora.

No
mesmo momento em que anunciava a “revolução” a ser patrocinada pelo portentoso
“Plano Mais Brasil”, a equipe econômica esmerou-se para tentar demonstrar que a
queda dos juros para níveis históricos devia-se exclusivamente aos avanços
perpetrados na área fiscal, embora existam dúvidas igualmente de porte sobre os
reais avanços alcançados no setor. Enfim, na visão chapa-branca, a perspectiva
de um ajuste fiscal teria, em uma só cajadada, derrubado a inflação e aberto
espaço para que o Banco Central (BC) pudesse, afinal, derrubar os juros para os
atuais 5,0% ao ano, em vigor desde 30 de outubro.

Não
há a mais leve menção à estagnação virtual da atividade econômica, ao
desemprego que ainda castiga 12,5 milhões de pessoas, aos 27,5 milhões de
“subutilizados”, entre outros fatores que têm contribuído para travar a demanda
e afugentar investimentos. Mais do que a sinalização de uma suposta melhoria
nos resultados fiscais do setor público, o cenário de degradação econômica e social
explica mais profundamente a inflação de 2,54% acumulada nos 12 meses até
outubro deste ano.

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Desmonte

O
“pacotão” do ministro dos mercados, que aprofunda o desmonte da modesta rede de
proteção social construída desde a Constituição de 1988, acaba com as
vinculações de receitas, respeitando (por enquanto) aquelas incluídas na carta
magna (a exemplo dos fundos de participação de Estados e municípios e a
obrigatoriedade de investimentos em saúde e educação, que, pela proposta,
passam a compor um bolo único, a ser atendido conforme a discricionariedade de
governadores e prefeitos). Isso significa que não restará recursos para
pesquisa científica e tecnológica e para promover a inovação na economia.

Balanço

·  
Da
mesma forma, os fundos públicos setoriais perderão R$ 220,0 bilhões, que serão
destinados ao pagamento de juros e à redução da dívida federal. Recursos que
não puderam utilizar por conta do contingenciamento de gastos e do teto imposto
às despesas públicas.

·  
Parte
desses recursos, no entanto, deveria ter como destino programas de erradicação
da pobreza e de combate à fome, assim como para a universalização da banda
larga, alcançando também as faixas menos favorecidas da população. Agora, vão
irrigar os lucros no cassino dos juros.

·  
Retomando
a questão do ajuste fiscal, a despesa total do Tesouro recuou 1,15% em termos
reais na comparação entre os primeiros nove meses deste ano e de 2018, saindo
de R$ 1,027 trilhão para R$ 1,015 trilhão, num corte de R$ 11,788 bilhões. Mais
da metade desse corte, num total de R$ 6,245 bilhões, foi aplicado a despesas
com programas sociais (que encolheram 2,7%).

·  
Na
área do petróleo, o insucesso nas duas rodadas de leilões realizadas na semana
foi rapidamente atribuído às regras do sistema de partilha. Entre 2017 e 2018, nos
cinco leilões realizados, foram arrecadados R$ 27,920 bilhões, em torno de
14,3% mais do que os R$ 24,420 bilhões definidos como valor mínimo.

·  
Neste
ano, em três leilões, as áreas foram leiloadas por R$ 83,910 bilhões,
praticamente 28,6% abaixo dos R$ 117,55 bilhões definidos como preço mínimo.A
Petrobrás dominou as duas rodadas realizadas nesta semana, arrematando 90% de
dois dos quatro blocos de excedentes da cessão onerosa e mais dois no leilão de
partilha, juntamente com empresas chinesas.

·  
A
ausência de investidores e especialmente das grandes petroleiras globais diz
mais sobre o momento econômico e político no País do que as regras adotadas
aqui nos leilões de blocos com alto potencial de petróleo. Não se trata de um
dado isolado. O investimento estrangeiro no Brasil acumulava, até setembro,
retração de quase 12% na comparação com o total registrado nos nove meses
iniciais de 2018, caindo de US$ 53,953 bilhões para US$ 47,519 bilhões.

Aqui dentro, a baixa disposição para investir
está retratada nos dados levantados pelo jornal Valor Econômico (30/10/19).
Entre janeiro e setembro, as empresas captaram no mercado um volume recorde de
recursos, num total de R$ 269,0 bilhões, entre lançamento de debêntures, ações
e operações de renda fixa, mais do que tudo o que haviam captado em todo o ano
passado (R$ 254,0 bilhões em valores corrigidos pela inflação).O dinheiro, no
entanto, foi direcionado em grande parte para o pagamento de dívidas.