Coluna

Dívida de empresas e famílias volta a crescer em 2019 e supera 79% do PIB

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 19 de fevereiro de 2020

Empurrado pela contratação de novos empréstimos e financiamento e pela emissão de títulos de dívida privados, o endividamento de empresas não financeiras e famílias voltou a crescer no ano passado, segundo dados do Banco Central (BC). A tendência de queda dos juros, mais acentuada nas taxas básicas fixadas pela autoridade monetária (quer dizer, o próprio BC) do que na ponta dos tomadores de crédito no sistema financeiro, tem feito com que analistas observem esse avanço com certa tranquilidade, mas o tamanho da dívida e, mais importante, a dimensão do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de juros e prestações de suas dívidas podem constituir um obstáculo a mais para uma retomada mais vigorosa da atividade econômica num momento de desemprego alto e avanço da informalidade.

A combinação daqueles dois últimos fatores (desemprego e informalidade) tende a desestimular decisões de consumo pelas famílias, diante de níveis de insegurança mais elevados em relação ao futuro imediato. Adicionalmente, os maus resultados colhidos por amplos setores da economia nas semanas finais de 2019 não autorizam previsões mais entusiasmadas. O Relatório Focus, em sua edição mais recente, divulgada na segunda-feira pelo BC, identificou leve alteração nas apostas do mercado para a variação do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, saindo de 2,30% até a semana anterior para 2,23% na mediana das previsões (quer dizer, nos prognósticos mais mencionados pelo setor financeiro, foco dos levantamentos conduzidos pelo BC).

Os dados de 2019 mostram uma alta nominal de 8,31% no endividamento daqueles dois setores, na comparação com 2018, considerando o crédito ampliado tomado por empresas e famílias (quer dizer, empréstimos e financiamentos contratados no mercado doméstico, o lançamento de títulos pelas empresas, a exemplo de debêntures e outros papéis, e dívida contratada no mercado internacional). Ainda em valores não atualizados, o saldo daquela dívida subiu de R$ 5,308 trilhões, em números arredondados, para R$ 5,748 trilhões, passando de 77,04% para 79,19% do PIB, sempre na estimativa do BC.

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Privado x público

Atualizadas com base na variação do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o estoque dos créditos ampliados apresentou variação real de aproximadamente 4,2%. Depois de aplicada a correção, a dívida saiu de R$ 5,62 trilhões para R$ 5,897 trilhões a valores de janeiro deste ano. Apenas como curiosidade, a dívida bruta do governo geral (federal, estaduais e municipais) variou apenas 4,33% entre 2018 e 2019, saindo de R$ 5,272 trilhões para R$ 5,500 trilhões – quer dizer, abaixo da dívida total do setor privado. Numa tendência inversa, a relação entre a dívida pública e o PIB recuou de 76,5% para 75,8%. Corrigidas pelo IGP-M até janeiro de 2020, o endividamento público mostrou uma evolução de apenas 1,02%. Obviamente, os processos que geraram os dois tipos de endividamento não são comparáveis, assim como a natureza de cada uma dessas dívidas.

Balanço

·   Proporcionalmente, na composição da dívida privada, a emissão de títulos desempenhou papel mais relevante, apresentando um salto de 35,31% em valores nominais. O saldo desses títulos em poder das empresas e das famílias aumentou de R$ 594,821 bilhões para R$ 804,837 bilhões, o que representou um acréscimo de R$ 210,016 bilhões.

·   A participação dos títulos de dívida no endividamento total de empresas e famílias chegou a 14,0% no ano passado, saindo de 11,2% em 2018. Embora essa participação pareça reduzida, a contribuição para o aumento da dívida total atingiu 47,6% (o que significa dizer que os títulos responderam por quase R$ 50 a cada R$ 100 acrescidos ao saldo do endividamento total). Não foi pouca coisa.

·   A maior contribuição veio do saldo de empréstimos e financiamentos, que representou, no ano passado, 61,93% do endividamento geral do setor privado (excluídos os bancos). Nada mais natural que sua influência sobre o crescimento total fosse maior. Ainda assim, foi uma contribuição menor do que poderia sugerir seu “tamanho”.

·   Aos números: o saldo de empréstimos e financiamentos de empresas e famílias avançou 6,76% de 2018 para 2019, passando de R$ 3,334 trilhões para quase R$ 3,560 trilhões, o que representou elevação de R$ 225,379 bilhões (51,12% do acréscimo geral sofrido por todo o estoque da dívida daqueles setores). A participação desse estoque no total chegou a 62,82% em 2018.

·   A dívida total em 2019 só foi superada pelo saldo devido por empresas e famílias em 2015, auge da recessão. Naquele ano, o endividamento somava R$ 4,947 trilhões em valores nominais e correspondia a 82,50% do PIB. Aplicada a correção pelo IGP-M até janeiro deste ano, o valor sobe para R$ 6,147 trilhões. Desde já, portanto, registrou-se um recuo de 4,07% em termos reais. A questão é que a tendência de baixa vigorou apenas até 2017, quando a dívida representou 72,9% do PIB.A relação elevou-se para 77,04% em 2018 e subiu novamente no ano seguinte, conforme já demonstrado.

·   Por motivos diversos, a dívida das empresas não financeiras em todo o mundo atingiu níveis recordes em 2019, somando US$ 13,5 trilhões em valores reais, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

·   A grande preocupação é que um quarto daquele saldo é composto por dívidas de baixa qualidade, emitidas por devedores de alto risco. Segundo a OCDE, apenas 30% dessas dívidas receberam classificação elevada das agências de risco. Qualquer mudança de cenário poderá deixar parcela relevante dessa dívida sob suspeita, disparando sinais de alerta ao redor do redor do globo.