Coluna

Alta (enganosa) dos anúncios de investimentos em Goiás em 2019

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 20 de fevereiro de 2020

A
depender de como são divulgadas e, especialmente, analisadas, estatísticas podem
levar a leituras mais inflamadas do que os dados sugerem, para o bem ou para o
mal. Em primeiro lugar, sempre é de bom-tom lembrar que anúncios de projetos
podem ou não ser concretizados ao longo do tempo. Se todos os anúncios já divulgados
por aqui fossem de fato implantados, apenas para relembrar exemplos recentes,
Goiás teria fábricas de aviões, armas e munições,
motocicletas e muito mais montadoras de veículos. Por isso mesmo, como segundo
lembrete, esse tipo de anúncio corresponde a uma declaração de intenção, não
raras vezes sustentada pela assinatura de termos de compromisso com o governo
estadual.

Assim,
as séries de estatísticas levantadas e veiculadas pela
Rede Nacional de Informações
sobre o Investimento (Renai), do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços (MDIC), podem refletir uma tendência, um momento específico ou um
ciclo na economia, mas não significam que os investimentos anunciados de fato
deverão ocorrer. Seja como for, os dados de 2019 devem ser vistos ainda com
maior cautela.
No
ano passado, os anúncios de investimento coletados pela Renai,
em parceira com secretarias
estaduais de desenvolvimento econômico e federações regionais da indústria (por
meio da rede de Centros Internacionais de Negócios),
apresentaram
forte incremento na comparação com 2018, subindo de US$ 1,401 bilhão para US$
1,549 bilhão, numa alta de quase 10,6%.

Analisado a
certa distância, sem visão mais crítica, o dado parece extremamente favorável
num momento de baixo crescimento econômico, desemprego elevado e máquinas
ociosas na indústria. O fato é que praticamente dois terços daqueles
investimentos, algo como US$ 1,019 bilhão (ou 65,8% do total), foram anunciados
pela Saneamento de Goiás S.A.(Saneago) e serão investidos nos próximos cinco
anos em projetos de ampliação e melhoria dos sistemas de abastecimento de água
e de tratamento de esgotos.

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Forte baixa

Excluída
a Saneago, que não havia anunciado projetos em 2018, na contabilidade da Renai
pelo menos, os demais setores comunicaram em 2019 a previsão de investir US$
530,151 milhões nos próximos anos, o que corresponderia a uma retração de 62,2%
frente ao ano anterior, em meio a polêmicas desgastantes envolvendo os
principais protagonistas do setor empresarial, setores da Assembleia
Legislativa e o governo do Estado. Adicionalmente, pouco mais de 58%
do valor anunciado nos 12
meses de 2019 dizem respeito a uma única operação, divulgada pela CMOC Brasil, subsidiáriada
China Molybdenum (CMOC), que prevê investir US$ 308,483 milhões na expansão de
suas operações em Catalão, onde explora nióbio e fosfato.

Balanço

·  
As
perspectivas para o investimento em 2019 foram afetadas, em Goiás, ainda pelo
desempenho fortemente negativo do setor público estadual, que concentrou
praticamente
todo o arrocho nos seus gastos naquela rubrica ao longo do exercício passado.

·  
Como
já divulgado neste espaço, os investimentos do governo desabaram de R$ 1,185
bilhão para R$ 527,535 milhões entre 2018 e o ano passado, encolhendo 55,47%
(ou seja, R$ 657,065 milhões a menos). O dado considera os valores pagos pelo
Estado e ainda investimentos inscritos em restos a pagar processados e não processados
igualmente pagos.

·  
Considerando
os valores liquidados, etapa na execução orçamentária que antecede o desembolso
efetivo, e sem incluir restos a pagar, o investimento atingiu em 2019 o menor
nível desde 2001, em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). A prestação de contas do governo relaciona a liquidação de R$ 359,670
milhões em investimentos no ano passado, num tombo de 68,2% frente a R$ 1,132
bilhão registrados em 2018.

·  
A
valores de dezembro de 2019, para comparação, o investimento liquidado –
critério utilizado pelos governos estaduais para aferir seu desempenho fiscal
até 2017 – havia alcançado R$ 693,39 bilhões em 2001. Esse número chegou a
despencar para R$ 452,9 milhões em 2012 e avançou até R$ 3,040 bilhões em 2014,
o mais elevado da série, representando 14,6% da receita corrente líquida.

·  
As
contratações do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) em
Goiás entraram em forte baixa a partir de setembro, revertendo a estabilidade
virtual observada até o mês imediatamente anterior, quando as contratações
ainda apontavam variação de 1,27% diante dos oito primeiros meses de 2018.

·  
Entre
janeiro e setembro de 2019, dado mais recente divulgado, o total de contratações
do FCO para o Estado atingiu R$ 2,195 bilhões, o que representou redução de
5,47% frente a igual intervalo do ano anterior, já que o volume de contratações
havia somado R$ 2,322 bilhões em números arredondados.

·  
Também
entre janeiro e setembro, as consultas encaminhadas por empresas goianas ao
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
desabaram 24,72%
frente aos mesmos nove meses de 2018, saindo de R$ 1,566 bilhão para R$ 1,179
bilhão – o valor mais baixo desde 2003, quando, nos mesmos nove meses, as
consultas haviam alcançado R$ 964,40 milhões, em valores não atualizados.