Coluna

Apesar do alarmismo das redes sociais, inflação mantém-se bem comportada

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 27 de março de 2020

As taxas de inflação tendem a experimentar alguma elevação no fechamento de março, agora antecipada por alguns analistas e instituições de pesquisa em função de pressões inesperadas causadas pela corrida aos supermercados e farmácias. A alta, a despeito de todo o alarmismo fomentado pelas redes sociais, deverá ser modesta diante do cenário prevalecente de baixa demanda e incertezas em relação ao futuro da atividade econômica, do emprego e, portanto, da renda. Mas a queda continuada nos preços dos combustíveis e das passagens aéreas, que já havia contribuído para segurar os índices inflacionários na primeira quinzena deste mês, deverá contrabalançar aquelas pressões, mantendo a inflação em níveis historicamente reduzidos, conforme sugerem os dados já divulgados por institutos de pesquisa de preços.

O Índice de Preço ao Consumidor Semanal (IPC-S), aferido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), indicou leve alta entre os 30 dias encerrados no dia 15 passado e nas quatro semanas terminadas em 22 de março, saindo de 0,04% para 0,18%. Os principais focos de alta estiveram concentrados nos setores de alimentação e de saúde e cuidados pessoais. No primeiro caso, os preços médios dos alimentos saíram de uma variação de 0,81% para 1,01%, com destaque negativo para os preços das hortaliças e dos legumes, que subiram 8,6% (diante de variação de 7,58% no período de 30 dias concluído no dia 15 passado). O aumento de 0,62% nos preços dos artigos de higiene e cuidados pessoais, saindo de variação de 0,06% até a segunda semana deste mês, empurrando a “inflação” do setor de saúde e cuidados pessoais de 0,25% para 0,40%.

Bom (e ruim)

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São altas, no entanto, que tendem a não se repetir, já que a corrida para a compra de alimentos e de produtos de higiene pessoal (como álcool em gel, sabonetes e outros de uso individual) dificilmente ocorrerá novamente, mesmo porque, numa má notícia para o futuro da economia, as restrições de renda deverão ser tornar mais agudas quanto mais longa for a duração da pandemia. A tendência recente de fato tem mostrado comportamento bastante comedido para os preços. Num exemplo, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe/USP), apresentou elevação de apenas 0,10% na terceira quadrissemana de março (ou seja, nas quatro semanas encerradas no dia 20 deste mês), diante de 0,12% na quadrissemana anterior.

Balanço

Uma análise mais desagregada dos componentes do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de março, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre os dias 12 de fevereiro e 16 de março, captando parcialmente os efeitos daquela corrida, sugere espaço mesmo para novas reduções da taxa básica de juros.

O índice apresentou variação de apenas 0,02% para os preços em geral naquele período, conforme já anotado pela coluna, saindo de uma variação de 0,25% nos 30 dias de fevereiro. Esse comportamento indica uma forte desaceleração dos preços nas duas primeiras semanas de março, muito embora os preços médios dos alimentos e bebidas tenham apresentado variação mais intensa, saindo de 0,11% em fevereiro para 0,35%.

Da mesma forma, a taxa de variação dos preços médios dos produtos incluídos no grupo saúde e cuidados pessoais avançou de 0,73% para 0,84%.

Aqueles aumentos foram compensados pelas reduções de 16,88% nas tarifas das passagens aéreas, de 1,30% na tarifa da energia residencial com o fim da bandeira vermelha, e de 1,19% nos preços dos combustíveis, com baixas para gasolina, diesel e etanol. O mesmo conjunto de preços já havia contribuído para segurar o IPCA em fevereiro, registrando quedas, pela ordem, de 6,85%, de 1,71% e de 0,55%.

Excluídos os três itens, os demais preços demonstraram tendência baixista na medição realizada entre a segunda quinzena de fevereiro e a primeira de março. Em fevereiro, subiram em média 0,40%. Nos 30 dias encerrados em 16 de março, no entanto, a variação havia sido de apenas 0,12%.

Desde lá, os preços dos combustíveis sofreram novas reduções decretadas pela Petrobrás (no caso dos derivados de petróleo). A entrada da nova safra, novamente recorde, deverá ser percebida com mais nitidez a partir de abril, ajudando a esvaziar pressões de alta no mercado de alimentos.

O comportamento favorável das taxas de inflação, às custas de uma crise ainda não totalmente dimensionada, associado às previsões de crescimento zero para a economia, numa perspectiva considerada por muitos até otimista, coloca em cena a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) mexer novamente nos juros, com novos cortes, o fazendo as taxas desabar a níveis históricos mais uma vez.