Coluna

Dívida de empresas e famílias dispara e supera 80% do PIB (antes da crise)

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 28 de março de 2020

A escalada do dólar deverá provocar nova alta na dívida total das empresas não financeiras e das famílias em março, a se considerar o comportamento desse indicador em fevereiro, o que deve tornar ainda mais complicadas as perspectivas para o endividamento na crise que se aproxima, diante da possibilidade concreta de perda de receitas e de renda em toda a economia. Os dados apurados em fevereiro pelo Banco Central (BC) mostram um salto de 12,9% para o saldo do chamado “crédito ampliado” acumulado no segundo mês do ano por pessoas jurídicas (excluído o setor financeiro), na comparação com o segundo mês de 2019.

Em valores nominais, o endividamento daqueles setores avançou de R$ 5,144 trilhões para R$ 5,877 trilhões, somando mais R$ 671,405 bilhões ao saldo devedor das empresas e das famílias. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que soma as riquezas geradas pela economia ao longo de determinado período (no caso, em 12 meses), o endividamento subiu de 75,0% para 80,2% – o segundo mais alto para o mês desde que o BC iniciou a divulgação desses dados, em 2013. Em fevereiro de 2016, aquela relação havia alcançado 82,12%.

A perda de valor do real e consequente encarecimento do dólar levaram a um salto de 19,4% no estoque da dívida externa de empresas e famílias no mesmo período, refletindo principalmente o aumento de quase 30% na cotação da moeda norte-americana entre fevereiro do ano passado e igual mês deste ano. Essa variação (precisamente de 29,76%) considera a cotação registrada pelo BC no final de cada um daqueles meses. Tomada a média mensal, a alta chegou a 16,58%. A dívida externa, convertida em reais, subiu de R$ 1,260 trilhão para R$ 1,504 trilhão, saindo de 18,1% para 20,5% do PIB, em valores aproximados.

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Incertezas e o dólar

O valor dessa dívida tende a continuar crescendo em março, já que, até sexta-feira, 27, o dólar já havia subido mais 13,62% em relação ao final de fevereiro. Na média das cotações acumuladas ao longo de fevereiro e nos primeiros 27 dias de março, a alta havia sido de 11,8%. Como a contribuição do câmbio para o crescimento da dívida tem sido substancial, até pelas dimensões das altas no mercado do dólar, a perspectiva de um aumento da dívida parece muito concreta a esta altura.

Deve-se considerar que o maior endividamento coincidirá com uma fase de extrema incerteza e turbulência, com perspectiva real de uma retração econômica talvez mais intensa do que a da crise de 2008/2009 em todo o mundo. Esse fator torna o cenário mais preocupante. E ainda mais quando se considera que a massa salarial ampliada disponível tem crescido a velocidades mais baixas.

Balanço

Como se sabe, o conceito de massa salarial ampliada disponível, desenvolvido pela equipe do BC, considera a soma de todos os rendimentos recebidos pelos trabalhadores no mercado de trabalho em ocupações formais e informais, aposentadorias, pensões e benefícios sociais (como o Bolsa Família e os benefícios de prestação continuada), descontando-se os recolhimentos na fonte do Imposto de Renda e as contribuições pagas à Previdência.

Até janeiro, dado mais recente divulgado pelo BC, a massa salarial havia somado um total de R$ 3,437 trilhões (perto de 47,1% do PIB), em valores nominais acumulados em 12 meses. Na comparação com os 12 meses encerrados em janeiro de 2019, registrou-se uma variação de 6,46%. Nesse período, ao atingir pouco menos de R$ 3,229 trilhões, a massa chegou a corresponder a 46,74% do PIB.

A dívida contratada em títulos de emissão privada aumentou mais fortemente, subindo de R$ 620,847 bilhões (8,9% do PIB) para R$ 795,045 bilhões (10,85% do PIB), em alta de 28,06%. A dívida constituída sob a forma de empréstimos e financiamentos, muito maior, registrou variação de 7,62% entre fevereiro de 2019 e igual mês deste ano, saindo de R$ 3,325 trilhões (47,88% do PIB) para R$ 3,578 trilhões (48,82%).

A maior fatia dessa dívida está representada por financiamentos contratados a bancos, financeiras e outras instituições de crédito, somando R$ 3,347 trilhões em fevereiro passado, numa elevação de 7,57% frente a igual mês do ano passado (R$ 3,111 trilhões).

Pressionados pela rápida deterioração das condições econômicas, a equipe do superministro Paulo Guedes decidiu finalmente atolar as mãos na massa para produzir um pacote de medidas mais ambicioso (embora nem tanto, já que uma parte significativa dos recursos corresponde a antecipação de despesas que deveriam ocorrer mais tarde ao longo deste ano e outra fatia terá os bancos como destino).

Guedes chegou a antecipar um pacote de socorro de praticamente R$ 750,0 bilhões, o que corresponderia a qualquer coisa em torno de 10,2% do PIB. Proporcionalmente, portanto, a ajuda estaria ligeiramente acima do volume de recursos propostos pelo governo dos Estados Unidos (US$ 2,150 trilhões, algo como 9,9% do PIB).

Um tanto diferente do pacote brasileiro, o norte-americano propõe entregar a cada cidadão, por meio de cheques entregues diretamente a cada cidadão ou via auxílio desemprego (obviamente, para os que perderem o emprego), algo como US$ 550,0 bilhões, o que corresponde, no entanto, a apenas 2,9% da renda pessoal dos norte-americanos.