Coluna

Pagamento de renda básica pode gerar R$ 128 bilhões em receitas

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 26 de maio de 2020

O
superministro Paulo Guedes, aquele que colocou a “granada” no bolso do inimigo
(governos estaduais e seus servidores), já adiantou que, a ser prorrogada a
renda básica emergencial, seu valor deverá ser reduzido de R$ 600 para R$ 200.
Na prática, retomando a proposta original da equipe
econômica. Em plena crise humanitária causada pela pandemia, tem prevalecido a
mentalidade “guarda-livros” em toda a equipe econômica, um tipo de raciocínio
que não consegue ir além das relações entre o pagamento de um benefício essencial
aos mais vulneráveis e seus efeitos fiscais, vale dizer, sobre o caixa do
Tesouro. A equipe não se preocupou em analisar os impactos diretos e indiretos
do pagamento da renda básica sobre a economia em seu conjunto e de que forma
esses impactos se distribuem pelos diversos setores da atividade econômica.

Mas
um grupo de pesquisadores e economistas do Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG) se
ocupou precisamente em tentar detalhar esses efeitos, mostrando que o pagamento
da renda básica poderá evitar um tombo ainda mais dramático do emprego e do
Produto Interno Bruto (PIB), contendo o desemprego, e ainda contribuindo para
evitar perdas ainda mais severas para o investimento e a arrecadação de impostos.
Neste último caso, se a renda básica for estendida até dezembro, o custo
estimado atingiria R$ 283,28 bilhões, mas traria uma arrecadação adicional de
R$ 127,95 bilhões para os governos, equivalente a 45% do gasto projetado.

Os
estudos, conduzidos pelos professores do Departamento de Ciências Econômicas da
UFMG Débora Freire Cardoso, Edson Paulo Domingues e Aline Magalhães, associados
aos doutorandos em economia no Cedeplar Thiago Simonato e Diego Miyajima,
resultaram na nota técnica “Renda Básica Emergencial: uma resposta suficiente
para os impactos econômicos da pandemia da Covid-19 no Brasil?”, divulgado na
quarta-feira passada. O trabalho estima os impactos sobre a renda e o consumo,
sobre o emprego e sobre a atividade econômica recorrendo a um modelo
desenvolvido pela economista Débora Freire, que combina dados do Sistema de
Contas Nacionais do Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística (IBGE) e da
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que detalha o perfil de consumo das
famílias, base para o cálculo da inflação, especificando todos os dispêndios
familiares segundo 11 classes de renda.

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Impactos diretos

Mantidos
os valores fixados pela equipe econômica para socorrer e as condições
previamente estabelecidas, a renda básica emergencial (RBE) deverá atingir em
torno de 36,6 milhões de famílias, com maior impacto direto sobre aquelas com
renda de até um salário mínimo. O estudo estima um ganho de 44,6% em três
meses, em relação a um cenário em que não houvesse qualquer medida de socorro.
Entre um e dois salários, o impacto direto sobre a renda real se aproximaria de
11,2%, atingindo 5,5% para a faixa seguinte (dois a três salários mínimos). “Os
impactos exibidos (…) apontam a importância da renda básica emergencial para
a mitigação dos efeitos da crise da pandemia de Covid-19 na renda das famílias,
em especial das mais vulneráveis, marcadas pela informalidade, que se encontram
na base da distribuição”, aponta o trabalho. Caso a renda básica seja estendida
até o final deste ano, obviamente esse efeito direto sobre a renda prevaleceria
até lá, amenizando ainda mais os sofrimentos impostos pela crise sanitária.

Balanço

·  
Caso
a renda deixe de ser paga pelo governo a partir de julho, o trabalho limita o
impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) em apenas 0,08% nos 12 meses de
2020. Isso significa que a redução estimada para a economia, na mediana dos
palpites coletados pelo Banco Central (BC) no mercado financeiro (e resumidos
no relatório Focus), poderia atingir perto de 5,81% ao invés dos 5,89%
previstos sem a adoção, ainda que apenas por três meses, da renda básica.

·  
Na
hipótese de a renda básica ser estendida até o final do ano, sem a redução de
valores defendida pelo superministro dos mercados, o impacto sobre o PIB seria
de 0,55%, ou seja, quase sete vezes mais. Mas seus efeitos ainda poderiam ser
sentidos nos 12 meses seguintes, contribuindo para gerar um incremento de 0,31%
(na hipótese de extinção da renda ao final de junho, esse efeito prolongado
seria reduzido para apenas 0,06%).

·  
A
renda estendida, da mesma forma, poderia evitar perdas de 2,25% no consumo das
famílias até o quarto trimestre deste ano (impacto de apenas 0,19% no caso de
manutenção do programa até junho), carregando ainda um efeito positivo de 1,02%
até o final do próximo ano. Como resultado de uma retração menor do consumo das
famílias, os investimentos seriam favorecidos. Melhor dizendo, o impacto
negativo da crise sobre o investimento seria menor, estimando-se uma redução
1,90% menor se a renda básica for estendida até dezembro, restando um efeito de
1,30% para 2021 (4,8 vezes mais do que o resultado projetado se considerado o cancelamento
da renda em junho deste ano).

·  
Na
mesma linha, a renda básica estendida permitiria um impacto positivo sobre o
emprego até 7,4 vezes maior neste ano na comparação com a outra opção (0,81%
frente a 0,11% para cada uma das hipóteses, respectivamente, significando
menores perdas no mercado de trabalho).

·  
Em
termos setoriais, os segmentos de eletrodomésticos, perfumaria, limpeza e
higiene, produtos de couro e calçados, saúde, vestuário e acessórios, serviços
diversos e alimentos e bebidas tenderiam a mais favorecidos pela medida (com
impactos mais elevados se adotada a renda básica até dezembro próximo).

·  
A
combinação desses efeitos certamente traria consequências para a arrecadação do
governo federal, dos Estados e dos municípios, ajudando a financiar parte dos
gastos exigidos. Mantida apenas por três meses, a renda básica resultaria num
desembolso de R$ 94,43 bilhões e geraria uma receita adicional de impostos de
R$ 22,33 bilhões, representando quase 24% da despesa.

·  
A
renda básica estendida, por sua vez, mobilizaria recursos de R$ 283,28 bilhões,
mas geraria receitas de R$ 127,95 bilhões até o final de 2021, cobrindo 45% de
todo o gasto.