Quinta-feira, 28 de março de 2024

Coluna

Custos sobem moderadamente, mas preços de milho e soja disparam

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 05 de junho de 2020

Lauro Veiga 

A
queda mais recente do dólar, em combinação com a tendência de baixa nas
cotações internacionais das principais commodities agrícolas, empurrou
ligeiramente para baixo os preços do milho e da soja nos primeiros dias de
junho. Esses valores, no entanto, mantêm-se fortemente acima dos níveis
observados em igual período do ano passado, com exceção para o algodão. Os
movimentos observados nos mercados agrícolas, de qualquer forma, sugerem mais
uma safra de ganhos entre polpudos e ainda bastante razoáveis para os
produtores, reforçando as análises que antecipam um desempenho para o campo na
contramão de todo o restante da economia, duramente atingida pela crise
sanitária.

O
indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da
Esalq/USP, para os preços do milho e da soja registra altas de 43,9% e de 41,7%
na média mensal de maio deste ano em comparação com o mesmo mês do ano passado.
No primeiro caso, os preços saíram de R$ 34,84 para R$ 50,12 por saca, recuando
levemente na média dos três primeiros dias de junho, quando o indicador para os
preços registrados pelo milho na BMF&Bovespa atingiram R$ 49,43. Ainda
assim, esses valores correspondem a alta de 30,5% frente aos três dias iniciais
de junho de 2019, quando a saca do grão havia alcançado R$ 37,89.

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Entre
os dias 1º e 3 deste ano, a cotação da saca de soja no Paraná, Estado escolhido
como referência para o cálculo do indicador de preços do centro de estudos,
chegou a R$ 100,37 frente a R$ 103,34 na média de maio, apontando queda de
2,87%. Mas, na comparação com o começo de junho do ano passado (R$ 76,10), a
soja ainda acumula salto de 31,9%. O algodão, ao contrário, subiu 2,2% entre
maio e os primeiros dias deste mês, com a arroba da pluma saindo de R$ 87,57
(média dos 31 dias de maio) para R$ 89,52. A comparação com igual intervalo de
2019 é menos favorável, apontando redução de 4,45% (em relação aos valores
médios de R$ 93,69 alcançados então pela arroba).

Custos

Considerando
os custos operacionais das lavouras, estimados pelo Instituto Mato-Grossense de
Economia Agropecuária (Imea), milho e algodão apresentam altas muito próximas
de 7,6%, diante de uma variação inferior a 0,5% para a soja, favorecida pela
queda de 4,8% no custo dos macronutrientes utilizados na adubação da cultura.
Considerando os preços médios registrados pelo Imea na semana passada, apenas o
algodão apresenta um balanço que parece à primeira vista negativo. O custo
operacional por arroba da pluma está previsto em R$ 84,44 diante de um preço ao
produtor na faixa de R$ 83,30. O descompasso pode ser apenas aparente, já que
30,2% da safra 2020/21 já haviam sido negociados pelos produtores a preços médios
mais elevados. Para comparação, até maio do ano passado, apenas 15,4% da
produção esperada já haviam sido negociados.

Balanço

·  
A
despeito do recuo mais recente observado para os preços aos produtores, o milho
promete margens ainda substanciais, asseguradas ainda pela antecipação na
fixação de preços de venda do grão e de compra de insumos. Até o final de maio
deste ano, quase 29,5% da produção prevista para a safra 2020/21 haviam sido
negociadas antecipadamente com tradings e indústrias. Em 2019, no mesmo
período, ainda não havia sido registrada qualquer prefixação.

·  
Na
semana passada, conforme o Imea, os preços da saca do milho chegaram a R$
36,72, o que se compara com o custo operacional projetado em menos de R$ 23,00
por saca. A antecipação dos negócios com a próxima safra, insuflada pela
escalada do dólar, permitiu que os produtores fixassem preços de venda
superiores à média observada mais recentemente, o que
tende a assegurar preços médios de venda mais elevados do que os atuais, com
margens igualmente mais favoráveis.

·  
A
soja apresenta o cenário mais confortável. Não só a produção tende a ser
elevada, aproximando-se de 131,0 milhões de toneladas, a se confirmarem as
previsões do Itaú Unibanco, como o balanço entre preços e custos deverá trazer
as margens para níveis acima das médias históricas.

·  
Os
custos operacionais da oleaginosa deverão se aproximar de R$ 58,00 por saca em
Mato Grosso, maior produtor de soja do País. Para comparação, a mesma saca
chegou a ser cotada a R$ 93,87 no encerramento da semana que passou, conforme o
Imea. Como a prefixação de preços foi três vezes maior até o final de maio, a
possibilidade de que esses produtores tenham firmado valores médios muito
próximos ou até mais elevados para a safra 2020/21 deve ser considerada, o que
ajudaria a turbinar as margens.

·  
Em
números, até o final do mês passado os produtores da região já haviam negociado
37,25% da produção esperada, diante de 12,35% em maio de 2019. Mais uma vez, a
venda acelerada da safra a ser colhida apenas em 2021 foi incentivada pela
desvalorização do real, que compensou largamente a queda dos preços em dólares
no mercado internacional, tornando a soja brasileira mais competitiva lá fora.

·  
Para
concluir, a coluna abre parênteses para um quase desabafo em relação ao
comportamento recente dos tais “mercados”. Não chega a ser surpresa a ausência
de racionalidade naquelas plagas e os números mais atuais reafirmam um total
desligamento em relação ao lado real da economia, sem mencionar a mais completa
falta de senso moral, ético e humanitário (o que não se poderia mesmo esperar
de atores alimentados pela ambição e pela necessidade de produzir lucros a
qualquer custo). Os preços das ações disparam numa espécie de celebração
macabra dos mercados num momento em que as mortes pelo novo Coronavírus superam
a marca dos milhares por dia.