Coluna

“Maior taxa em duas décadas” esconde perdas reais no varejo

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 09 de julho de 2020

Pandemia?
Qual pandemia? A economia brasileira, com toda sua pujança, venceu a
“gripezinha”? Afinal, os números não mentem e o crescimento das vendas em maio,
atesta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi o mais
intenso em duas décadas. Se você, cuidadosa leitora ou cuidadoso leitor, olhar
os números atentamente poderá observar um cenário um tanto diverso dos tons
rosa-choque empregados pelo instituto para desenhar o cenário do varejo em
maio. Então os números são falsos? Não. Apenas a forma de divulgação não parece
ter sido a mais adequada, especialmente porque é conhecido o poder das
manchetes para influenciar opiniões e interferir nos rumos do debate político e
econômico.


na segunda linha de seu comunicado à imprensa, trazendo os números do varejo, o
instituto anota que “a alta foi insuficiente para o setor recuperar as perdas
de março e abril, que refletiram os efeitos do isolamento social para controle
da pandemia de Covid-19”. Embora não esteja no relatório divulgado pelo IBGE, não
há garantias de que a economia possa ter atingido o fundo do poço em abril, já
que persistem incertezas enormes em relação ao curto prazo, justamente porque a
liberação precipitada das atividades econômicas torna os riscos de uma recaída
(ou “segunda onda”, como prefere o noticiário sobre o vírus) ainda maiores.

O
mais provável, diante do que se pode observar em outros países, até aqui, é que
o País enfrente períodos intercalados de afastamento social mais radical e
momentos de liberação moderada dos negócios até que a pandemia possa ser
contida por uma vacina ou pelo desenvolvimento de novos medicamentos, com
eficácia comprovada. O resultado dessas idas e vindas seria uma atividade
econômica intercalando altos e baixos, numa espécie de ziguezague, para aqueles
que preferem ter uma antevisão mais gráfica do processo.

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Por trás das
estatísticas

Tudo
considerado, vamos aos números divulgados ontem pelo instituto, que incluíram
ainda os resultados da pesquisa mensal da produção industrial por Estado. As
vendas do varejo convencional apresentaram altas de 13,9% em todo o País e de
19,4% em Goiás, na passagem de abril para maio. Antes de sair por aí soltando
rojões, lembre-se que março e abril registraram baixas de 2,8% e de 16,3%
frente aos meses imediatamente anteriores em todo o País. Para Goiás, a
pesquisa do IBGE havia mostrado perdas de 6,3% e de 17,1% nas mesmas
comparações. As medidas de restrição, que foram observadas com maior rigor
naqueles dois meses (relativamente, excluídos os grupos terraplanistas), haviam
sido afrouxadas em maio, o que permitiu algum respiro. Ainda assim, na média do
Brasil, o nível de vendas em maio continuava 7,3% inferior àquele observado em
fevereiro (com perda equivalente também em Goiás). Na comparação com maio do
ano passado, a pesquisa mostra retrocesso de 7,2% em todo o País e de 7,4% no
Estado. Para repor toda a perda, as vendas deveriam ter crescido a taxas
superiores a 20% (algo na faixa de 23% ou um pouco mais). Num dado preocupante,
pelo que pode antecipar como tendência para a capacidade de consumo das
famílias, está na redução de 0,9% nas vendas de hiper e supermercados em maio
(frente a igual mês de 2019). O setor vinha de altas de 6,1% e de 6,6% em março
e abril, mas acumula crescimento de apenas 0,4% nos cinco primeiros meses deste
ano.

Balanço

·  
O
mesmo diagnóstico vale para o comércio ampliado, que inclui, além de lojas
tradicionais, concessionárias de veículos, motos e autopeças e o comércio de
materiais de construção. Na comparação com abril, o volume de vendas nesta área
chegou a saltar 19,6% na média do País e 23,2% em Goiás.

·  
De
novo, para refrescar a memória, deve-se notar que as vendas haviam sofrido
quedas de 14,0% e de 17,5% em março e abril, em relação aos meses imediatamente
anteriores. No Estado, o varejo ampliado registrou baixas de 5,7% e de 20,7%.

·  
Ao
final das contas, comparando maio com fevereiro, como corretamente procede o
IBGE, restava ainda uma retração de 15,1% para o varejo amplo na média
brasileira e uma redução de 7,9% em Goiás.

·  
Alguns
setores chegaram a pouco mais do que dobrar as vendas de abril para maio, caso
das lojas de artigos do vestuário, tecidos e calçados (alta de 100,6%).
Comparadas a fevereiro, a queda ainda era de 64,1%. Mais claramente, o setor
perdeu praticamente dois terços de suas vendas. O salto, no caso, representa
muito pouco diante da forte retração observada nos meses anteriores.

·  
O
mesmo vale para veículos, motos e peças, que tiveram alta de 51,7% nas vendas
de abril para maio. A despeito desse desempenho lustroso, o segmento acumula
perdas de 38,7% diante de fevereiro. Em Goiás, na comparação com maio de 2019,
as vendas no setor encolheram 25,1% e fecharam os cinco primeiros meses deste
ano com redução de 10,8% em relação ao mesmo período de 2019.

·  
A
produção industrial no Estado anotou elevação de 3,0% entre abril e maio e veio
mais fraca do que a média do restante do País (alta de 7,0% conforme divulgado
na semana passada). Quando comparada a maio de 2019, a indústria goiana
registrou o melhor desempenho entre as regiões pesquisadas pelo IBGE, avançando
1,5% (depois de recuar 0,9% e 0,6% em março e abril).

·  
O
crescimento ficou concentrado basicamente em dois segmentos – a indústria
extrativa e a fabricação de produtos alimentícios. No primeiro caso, a produção
experimentou alta de 24,9% frente a maio de 2019, especialmente por influência
do processamento de fosfato e de britas. A produção de alimentos, por sua vez,
cresceu 9,0%, segundo o IBGE, por conta da maior produção de açúcar (setor que
conseguiu dobrar suas exportações no primeiro semestre, para 385,44 mil
toneladas) e de óleo de soja refinado.