Coluna

Supremo segura decisão sobre incentivos a agrotóxicos há 4 anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de setembro de 2020

Num país que tem se notabilizado internacionalmente pelos maus-tratos ao meio ambiente e atravessa uma fase de escalada literalmente arrasadora de desmatamentos e queimadas na região amazônica e em outros santuários naturais, como o Pantanal, não chega a ser surpreendente que mantenha há décadas políticas de incentivo ao uso de pesticidas, inseticidas e agrotóxicos em geral, seja qual for sua toxidade e letalidade. Assim mesmo, sem gradações e nem distinções, como em geral ocorre em países mais civilizados e mais desenvolvidos.

Mais preocupante ainda, esses incentivos poderiam já ter sido revisados caso o Supremo Tribunal Federal (STF) não tivesse “sentado” sobre a ação que contesta a constitucionalidade desse tipo de política desde julho de 2016 – ou seja, há pouco mais de quatro anos. O processo movido pelo PSOL deveria ter sido julgado em fevereiro deste ano, mas foi novamente adiado e não há prazos para que entre na pauta de julgamentos do STF. Em 20 de maio, mais recente movimentação anotada no site do tribunal, o ministro Edson Fachin, relator da ação, decidiu admitir no processo como “amicuscuriae” (amigo da corte) a CropLife Brasil, entidade que representa a indústria de sementes, defensivos e de biotecnologia aplicada à agricultura. Mas nada de julgamento.

No caso em questão, os benefícios destinados, ao fundo e na prática, às grandes multinacionais do setor incluem isenção total de contribuições sociais como Cofins e PIS/Pasep, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Importação (II), todos na área federal. Os Estados igualmente entram com sua “contribuição”, num período em que muitos deles enfrentam crises fiscais, com dificuldades para fazer frente mesmo a despesas essenciais, brigam para manter a suspensão de pagamentos de juros à União e, não fosse o incremento nas transferências federais, teriam certamente problemas ainda mais graves para enfrentar a pandemia e seus impactos sobre a saúde e sobre a economia.

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Privilégios na crise

Na esfera estadual, o Convênio nº 100, firmado pelos secretários estaduais da Fazenda no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) desde 1997 (e renovado ano a ano desde lá), permite reduzir em 60% a base de cálculo para cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas transações internas e nas saídas do insumo para outros Estados.Além disso, permite isentar integralmente aqueles produtos por meio de um simples decreto do chefe do Executivo estadual. O setor é dominado por uma dezena de grupos internacionais e somente a Bayer, dona da Monsanto, detém um quarto do mercado global. Mas os “benefícios” são concedidos aqui a pretexto de “baratear” os custos no campo e combater a alta nos preços dos alimentos – propósitos nobres, como se nota, mas que poderiam ser alcançados por outros caminhos, menos custosos para o País e para sua população, especialmente para aqueles que lidam diariamente no preparo e na aplicação de produtos extremamente tóxicos nas lavouras.

Balanço

·   Lá atrás, a ação já havia recebido a adesão, também como “amicuscuriae”, de organizações da sociedade civil e de entidades de defesa dos direitos humanos, conforme relata o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). A entidade considera que aqueles “benefícios fiscais violam o princípio da defesa do consumidor previsto na Constituição Federal que visa a proteger a vida e a saúde da população”.

·   Advogada do Idec, Mariana Gondo destaca, de acordo com assessoria do instituto, que “o Estado deveria agir no sentido de minimizar o uso de agrotóxicos e não de aumentar. Tal ação desincentiva o desenvolvimento de alternativas técnicas para a produção agrícola e não estimula produtores a migrar para modelos menos nocivos. Como resultado, esses benefícios fiscais intensificam a oferta de alimentos nocivos à saúde no mercado de consumo brasileiro”.

·   Relatório produzido recentemente pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva(Abrasco)por meio do Grupo Técnico Saúde e Ambiente, com o apoio do Instituto Ibirapitanga e pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indica que a renúncia de receitas pelos Estados e pelo governo federal corresponde a quase quatro vezes o tamanho do orçamento do Ministério do Meio Ambiente fixado para este ano, próximo a R$ 2,7 bilhões.

·   Entre outros resultados, o trabalho mostra que os dados disponíveis permitem estimar, em números de 2017, que os governos vêm tendo prejuízos da ordem de R$ 10,0 bilhões por ano, dos quais perto de 63% (pouco mais de R$ 6,2 bilhões) referem-se ao ICMS que deixa de ser recolhido, especialmente nas operações interestaduais. As isenções do IPI, PIS/Pasep e Cofins e do Imposto de Importação respondem pelos demais 37%.

·   Esse tipo de incentivo, considera o relatório, favorece apenas marginalmente os custos de produção de alimentos, já que seis commodities (entre elas, soja, algodão e cana) responderam por 85% do consumo de agrotóxicos no País (dados de 2014, que devem ter se agravado nos anos seguintes diante do avanço das lavouras de soja). “Isso revela que agrotóxicos são utilizados principalmente para produção de commodities, cujos produtores são tomadores de preço no mercado internacional”, destaca o trabalho.

·   Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que o uso e abuso de agrotóxicos causam 200 mil mortes por ano em todo o mundo, considerando casos de intoxicação aguda. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, pouco mais de 1,8 mil pessoas morreram entre 2007 e 2017 intoxicadas por agrotóxicos e 718 ficaram com sequelas. Na estatística da Fiocruz, a cada dólar gasto na compra desses produtos, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta em média US$ 1,28 para tratar casos de intoxicação aguda.

·   O benefício fiscal, além de tudo, gera “distorções alocativas”, como gostam de dizer os economistas. Ou seja, inibe investimentos em formatos mais equilibrados e sustentáveis de exploração agrícola. As estimativas de custos ainda não incluem os impactos da aplicação abusiva de agrotóxicos sobre os solos, gastos com descontaminação das águas, a redução das populações de aves e insetos polinizadores e de inimigos naturais de pragas agrícolas.