Coluna

As referências internacionais de Bolsonaro no mundo pós-Trump (parte 2)

Publicado por: Marcelo Mariano | Postado em: 22 de fevereiro de 2021

Marcelo Mariano*

Na
coluna da semana passada,
foi apresentado um contexto das relações
Brasil-EUA e da situação atual da diplomacia brasileira, sem aliados
importantes entre nossos principais parceiros, como China, Argentina e União
Europeia, além dos próprios Estados Unidos.

Questionou-se, então, quais devem ser as referências
internacionais de Bolsonaro no mundo pós-Trump. Bom, se política externa
brasileira seguir no mesmo rumo – mais ideológica e menos pragmática –, duas
referências dos últimos anos permanecem: Hungria e Israel.

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Primeiro, a Hungria. No poder desde 2010, o
primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, talvez seja um dos pioneiros do mais recente
fenômeno do populismo de direita, que ficou nítido anos depois por meio de
Trump e Brexit. Com uma pauta conservadora, é um dos principais aliados de
Bolsonaro na Europa.

A questão é que, do ponto de vista comercial, a relação
entre Brasil e Hungria é insignificante. A aliança, dessa forma, é mais
ideológica e menos pragmática. Com Israel, a situação é similar.

É verdade que os israelenses são uma referência tecnológica
e podem contribuir com o desenvolvimento de diversos setores brasileiros –
especialmente o agrícola –, mas também é verdade que nossa balança comercial
com Israel é deficitária.

Ideologicamente, Bolsonaro e o primeiro-ministro israelense,
Benjamin Netanyahu, são bastante próximos, embora a transferência da Embaixada
do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém não tenha ocorrido. Trata-se de
uma aproximação que começou antes mesmo da eleição do presidente brasileiro,
quando muitos nem sequer acreditavam que um deputado federal do baixo clero
poderia ser eleito.

Em abril de 2018, fui convidado para a comemoração dos 70
anos do Estado de Israel. Como jornalista, tinha entrevistado o embaixador
israelense, Yossi Shelley, algumas vezes. Apesar de ele não ter gostado de uma
ou outra pergunta sobre a Palestina – perguntas incômodas fazem parte do
trabalho –, a Embaixada me fez o convite, e o evento foi uma excelente
oportunidade para analisar bastidores.

Bolsonaro e Shelley pareciam amigos de longa data. O então
pré-candidato a presidente estava sentado ao lado do embaixador, que fazia
questão de estar sempre próximo daquele que, naquela época, era um azarão
político.

Os ex-senadores Magno Malta, que era contado para ser vice
na chapa com Bolsonaro, e Ana Amélia, que foi vice na chapa de Geraldo Alckmin,
também se fizeram presentes. Porém, não receberam o mesmo tratamento do
ex-capitão. Em determinado momento, Magno Malta estava atrás de mim, vendo as
demais autoridades de longe.

Além de Orbán e Netanyahu, há duas possíveis novas
referências. O presidente russo, Vladimir Putin, é uma delas. Em novembro do
ano passado, já depois da derrota de Trump, Bolsonaro compartilhou em suas
redes sociais uma declaração em que Putin elogia “as qualidades masculinas” do
presidente brasileiro.

O filósofo Olavo de Carvalho, tido como referência por
muitos bolsonaristas, recentemente tem elogiado Putin, especialmente a postura
do presidente russo diante das grandes empresas de tecnologia que controlam o
mercado de redes sociais.

Putin, vale lembrar, é presidente do quarto país com o maior
número de cristãos. São majoritariamente ortodoxos, é verdade. Mesmo assim, a
pauta de defesa do cristianismo é comum entre ele e Bolsonaro.

Uma pauta que, no entanto, não vem sempre à tona. Bolsonaro
também tem boas relações com Mohamed bin Salman, príncipe-herdeiro da Arábia
Saudita, onde ser cristão é proibido. Porém, o assunto nunca foi tratado entre
ambos.

Por fim, a Índia, comandada pelo primeiro-ministro Narendra
Modi, que tem uma política de nacionalismo religioso – nesse caso, nacionalismo
hindu. A aliança já vinha sendo cultivada ainda antes da derrota de Trump, mas,
agora, tende a ganhar força. Apesar de um recente problema envolvendo vacinas,
trata-se de um relação positiva.

Sem dúvidas, Rússia e Índia são economicamente mais
relevantes para o Brasil do que Hungria, por exemplo. Espera-se, portanto, que
essas alianças baseadas primeiramente em outros aspectos, como o religioso,
também tenham resultados positivos para o comércio bilateral.

Espera-se, acima de tudo, que as relações internacionais do
Brasil sejam pautadas nos interesses nacionais e não nos do presidente da vez.
Em outras palavras, a prioridade deve ser manter boas relações entre os países,
independentemente dos governantes, porque os presidentes mudam, enquanto os
interesses do país permanecem.

Bolsonaro costuma buscar parceiros pessoais, e isso pode ser
prejudicial quando um desses parceiros é derrotado. É o caso de Trump, nos
Estados Unidos. E eventualmente pode ser o caso de Netanyahu, que, em breve, enfrentará
novas eleições em Israel em meio a um escândalo de corrupção. 

*Assessor internacional da Prefeitura de Goiânia e vice-presidente do Instituto Goiano de Relações Internacionais (Gori). Escreve sobre política internacional às segundas-feiras.