Coluna Giramundo
Minhas experiências com o Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos que virou polêmica no Instagram
Publicado por: Marcelo Mariano | Postado em: 19 de abril de 2021Marcelo Mariano*
Na semana passada, usuários do Instagram tiveram acesso a
uma figurinha em comemoração ao Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos. Quem a usasse
nos stories, ganharia mais destaque e, portanto, mais visualizações.
Deu polêmica. Isso porque muita gente passou a usar a
figurinha em stories nada a ver com o tema, simplesmente com o objetivo de
gerar mais engajamento.
Não pretendo, e nem consigo, dar lição de moral, ou dizer
que isso ou aquilo é desrespeitoso. Meu objetivo, em primeiro lugar, é explicar
o que é o Ramadã e, então, contar duas experiências pessoais que tive, no
Marrocos e na Rússia, com esse assunto.
O Ramadã é um dos cinco pilares do islã. Durante esse mês,
deve ser praticado um jejum, do nascer ao pôr do sol, não só de comida e
bebida, mas também de relações sexuais, fumo e até mesmo xingamentos.
Naturalmente, o horário comercial em países de maioria
muçulmana é alterado. Mulheres grávidas e lactantes, crianças, idosos e doentes
estão isentos do jejum.
Nos últimos tempos, cada vez mais muçulmanos passaram a
morar em regiões próximas ao polo, como no norte de Noruega e Finlândia, onde,
no verão, é possível ter dias com sol durante 24 horas ou quase isso.
Em alguns desses casos, para evitar que os fiéis fiquem tanto
tempo sem comer e beber, pode-se ter como referência o horário de Meca, terra
natal do profeta Maomé.
Como o islã segue o calendário lunar, a data muda a cada
ano, com diferenças de poucos dias em relação ao ano anterior. Em julho de
2016, passei os últimos dias do Ramadã no Marrocos, e foi uma experiência única
sentir a vibração das ruas à noite, após a quebra do jejum.
Em uma tarde ensolarada do verão marroquino, fui de
Casablanca a Marrakech em um trem lotado, que quebrou no meio do caminho.
Rapidamente, funcionários e passageiros se organizaram para garantir água e
alimentos aos idosos e demais isentos do jejum.
Não sou muçulmano, mas, por respeito, fiquei sem beber e
comer na frente dos outros, apesar do calor de 40 graus. Aliás, entre o nascer
e o pôr do sol, só bebia e comia sozinho, sem ninguém por perto.
Diferentemente do Marrocos, a Rússia não é um país de
maioria muçulmana, embora haja uma minoria expressiva de seguidores do islã.
Mas eu estava lá em junho de 2018, em plena Copa do Mundo – no finalzinho do
Ramadã daquele ano –, com turistas de todo o mundo.
Reencontrei um amigo muçulmano da Argélia, com quem passei
várias tardes. Em algumas delas, estive ao seu lado quando o sol se punha e ele
quebrava o jejum com as tradicionais tâmaras e um copo de leite, antes de
partir para uma refeição maior.
Sempre tentei ao máximo respeitar as diferentes culturas,
mas teve um dia na Rússia que eu não aguentei e tomei uma cerveja na frente do
meu amigo argelino.
Ele buscou me tranquilizar e disse que, por não ser
muçulmano, eu não precisava me submeter ao sacrifício do jejum. Mesmo assim,
considero que errei.
Por fim, é importante ressaltar que, entre os que não são
isentos, nem todos fazem o jejum. São pessoas culturalmente muçulmanas, mas que
não praticam a religião no dia a dia e não seguem todos os cinco pilares do
islã, assim como há cristãos que não fazem quaresma.
Acima de tudo, o mais importante, para mim, é termos em mente
o relativismo cultural, um conceito antropológico segundo o qual devemos olhar
as diferentes culturas sem preconceitos, julgamentos ou intenção de
modificá-las, restando a missão de apenas tentar entendê-las.
*Assessor internacional da Prefeitura de Goiânia e
vice-presidente do Instituto Goiano de Relações Internacionais (Gori). Escreve
sobre política internacional às segundas-feiras.