Violência contra mulher não escolhe raça, idade ou classe social

Somente este ano já foram registrados mais de 3 mil e duzentos crimes domésticos e familiares contra a mulher em Goiás

Postado em: 02-10-2018 às 10h00
Por: Katrine Fernandes
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Somente este ano já foram registrados mais de 3 mil e duzentos crimes domésticos e familiares contra a mulher em Goiás

Fernanda Martins e Katrine Fernandes*

Casos de violência contra a mulher têm sido uma das pautas mais comuns nos jornais diários. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás relatam que somente este ano  foram registrados mais de 3 mil e duzentos crimes domésticos e familiares contra a mulher em Goiás. Feminicídios, ameaças, agressões físicas e psicológicas são alguns dos vários tipos de violência que mulheres sofrem independente da idade, raça ou classe social.

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De acordo com a delegada Ana Elisa Gomes, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), a maioria dos casos de agressões contra mulheres são motivados pelo inconformismo com o rompimento de relações e por ciúmes. A delegada afirma que as agressões acontecem em todas as idades, mas é mais comum entre mulheres que têm entre 18 e 35 anos.

Muitos casos de violência não são registrados pelas vítimas, segundo a delegada, por elas terem dúvidas sobre estarem ou não sofrendo violência. “Em algumas situações elas não sabem que aquilo é violência, uma ameaça, uma pressão psicológica, um comportamento de controle”.

A delegada reforça sobre a importância das vítimas buscarem ajuda e informações junto à Delegacia da Mulher. “Se você está passando por algum relacionamento que considera ser um relacionamento abusivo, mesmo na dúvida é importante buscar a delegacia e se informar”, declara.  

A auxiliar administrativa de 22 anos, que prefere não se identificar, viveu recentemente um relacionamento abusivo em que sofreu agressões físicas e psicológicas gravíssimas. Ela conta que seu ex-namorado era carinhoso na maioria das vezes, porém, muito rude. A auxiliar afirma que por várias vezes seu ex-cônjuge dizia que queria uma mulher que fosse mais submissa, porque ela queria ser independente.

A jovem conta que a primeira agressão foi motivada por ciúmes. Ela usava vestido e o ex-namorado não gostou da forma como ela estava sentada. Ao tentar conversar com o parceiro, a jovem foi empurrada e ainda ouviu palavras de baixo calão ditas pelo agressor. “Eu estava sentada perto do padrasto dele, minhas pernas estavam abertas, porém com o vestido no meio tampando, ele ficou com ciúmes e veio falar para eu fechar as pernas. Eu falei que não tinha nada a ver, porque era um vestido longo e não dava para ver nada. Depois, fui encostar nele, e ele me empurrou e saiu me xingando”, conta.

Segundo a vítima, depois desse primeiro episódio as agressões verbais se tornaram constantes, e mesmo depois de toda a violência, ele agia como se nada tivesse acontecido e voltava a ser carinhoso. “Ele me chamava de idiota, de burra, lixo, ele sempre me xingava. Quando minha mãe faleceu, ele não me acompanhou e arrumou um milhão de desculpas. Quando cheguei de viagem, eu estava ainda muito triste e ele me dizia que não aguentava mais olhar para minha cara porque eu sempre estava chorando. Me mandava chorar dentro do quarto para não ter que me ver”, relata.

A auxiliar administrativa acredita que muitas mulheres vivam em um relacionamento abusivo por muito tempo, por estarem acostumadas com a situação. Acham que o homem pode estar nervoso somente naquele momento e que ele não voltará a fazer novas agressões, fato que geralmente não ocorre, devido muitas agressões serem reincidentes. “Tudo começa com a humilhação, com a falta de respeito, a partir disso pra ir pra agressão é um pulo, porque você está tão acostumada com o cara te tratando mal que você vai levando a situação com a barriga e depois ainda descobre que não amava esse cara, pois nenhuma mulher ama alguém que a maltrata”, afirma.

Wadson Gama, psicólogo e professor de Desenvolvimento do Potencial Humano do IPOG, afirma que casos de violência doméstica podem ser motivados por homens que se colocam como donos da relação e donos da mulher. Segundo ele, essa relação de violência acontece em situações em que a mulher não está de acordo com as demandas deste homem. “Temos uma cultura machista, por um lado tem a mulher, que sempre foi responsável pela educação dos filhos, e do outro lado o homem, como provedor. É importante dizer que isso faz parte dessa cultura que estabelece que o homem não expressa os seus sentimentos através do diálogo, os homens são educados dentro de uma relação agressiva. Nós temos uma sociedade violenta”, explica.

O psicólogo descreve o perfil das vítimas, que frequentemente não denunciam seus agressores: “Normalmente são mulheres que têm um afeto por este homem. Ficam dependentes afetivamente deles, e em situações em que ela, ou busca uma independência, ou não corresponde ao desejo, ele agride”.

Outra vítima que não quis se identificar é funcionária doméstica, tem 52 anos. Ela conta que esteve em um casamento violento com um esposo alcoólatra, durante 36 anos de sua vida. Se casou com apenas 13 anos com um pretendente arranjado pelo pai (algo que ela diz ser comum na época), logo se tornou mãe e sofreu agressões até mesmo durante a gravidez. 

Com três filhos, ela conta que apanhava do marido e não denunciava por medo das ameaças que sofria. Na época, por ser moradora da zona rural, se escondia em um matagal perto de sua casa onde passava a noite, com medo. A doméstica afirma que permaneceu nesta relação por tanto tempo sem denunciar as agressões sofridas por causa dos filhos. “A minha vontade era sempre de separar dele, porque ele só chegava em casa bêbado, todos os dias, me agredia e agredia meus filhos. Eu sempre falava que era só meus filhos crescerem que eu iria separar, eu não aguentava mais aquela situação”, recorda. A vítima se separou há três anos de seu agressor e afirma não ter mais notícias dele. Se mudou para outra cidade e está em outra relação. Ela nunca denunciou seu ex-marido.

Central de orientação e denúncias de violência contra mulher – Ligue 180

(Fernanda Martins e Katrine Fernandes são integrantes do programa de estágio do jornal O Hoje sob a supervisão de Naiara Gonçalves) 

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