Violência doméstica: A vítima se torna culpada

A maioria das vítimas sentem coibidas de registrar a queixa por um contexto cultural e por falta de apoio familiar e judicial

Postado em: 04-10-2018 às 18h00
Por: Patrick Wallison
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A maioria das vítimas sentem coibidas de registrar a queixa por um contexto cultural e por falta de apoio familiar e judicial

Patrick Wallison e Guilherme Melo*

Prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher são os objetivos da Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Com 12 anos de aplicação deste decreto, pouco mudou na sociedade de fato. Goiás, por exemplo, é o segundo Estado brasileiro que mais tem homicídios de mulheres. Só neste ano, mais 3,2 mil casos de agressões foram registrados segundo o Ministério Público. 

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Para a historiadora Ana Carolina Coelho, nos países da América Latina, culturalmente, as mulheres são consideradas posse dos homens de sua sociedade. “Primeiro do pai, depois do marido e por fim de seus filhos. A mulher se torna ‘coisificada’. Pode-se aplicar o direito de posse do homem sobre elas, isso não é algo legal, mas sim cultural”, explica.  

Registar um caso de violência doméstica não é uma decisão fácil para a mulher. No início, a relação é, quase sempre, um mar de rosas, mas com o passar do tempo se torna um purgatório para a vítima. Um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que em 2017 apenas 5% dos casos foram relatados. 

A estudante de comunicação social, de 20 anos, que prefere não ser identificada, passou por esta realidade. A jovem, que saiu do interior para Capital, buscando melhores condições de estudo, e decidiu morar com seu ex-companheiro. “No começo era uma convivência pacífica, até ele começar a implicar com minhas roupas, depois passou a gritar, a xingar e, por fim, me a bater”, conta. 

A vítima, assim como muitas mulheres, não queria denunciar, depois de insistência de algumas amigas ela foi na delegacia registrar um boletim. Para a surpresa da estudante, o direcionamento das perguntas não foram dos mais esperados. “O agente me tratou bem, mas algumas perguntas como ‘Você morava de favor na casa dele?, você estava vestindo qual roupa na hora do ocorrido? E você já foi agressiva com ele?’, parecia que eu tinha uma parcela da culpa também”, relata a jovem. 

A promotora Carla Von Betzez faz parte da campanha “Menos rótulo e mais respeito”, e conta que criou o grupo, junto com outras amigas, por não suportar mais piadas que tornavam as mulheres inferiores no ambiente de trabalho. “Goiás ainda é uma sociedade muito machista, então algumas piadas reforçam a ideia de ‘coisificar as mulheres”, o que às vezes legitimiza para a sociedade o crime de violência doméstica, que na verdade é um crime de ódio”, ressalta.

Segundo a promotora a maioria das vítimas se sentem desestimuladas a registrar uma queixa contra o agressor, primeiramente pelos próprios familiares e depois pelo poder judicial. “A lei Maria de Penha é uma das leis mais elogiadas do mundo, o que ainda falta é uma aplicabilidade real e uma melhor preparação dos agentes que vão lidar com a vítima”, conta Carla. Como Ana Carolina, Carla ressalta que o melhor caminho para reverter essa condição, seria através de conversas, diálogos, aulas, quebrando esse tabu para as novas gerações. 

Fernanda Novais, arquiteta de 36 anos, sofreu agressões do ex-marido, com quem viveu durante 12 anos. Ela conta que na época das agressões pensou em denunciar, mas teve impedimento por parte da família. “Meu tio pediu para não denunciar, porque como ficariam meus filhos”, lembra. Fernanda teve um casal de gêmeos com seu ex-companheiro e conta que as crianças presenciaram algumas agressões. “Ele me batia na frente dos nossos filhos, que na época tinha cerca de 5 anos”, conta. Segundo uma pesquisa do Instituto Avon, quando uma criança presencia um ato de violência doméstica, o trauma é parecido com o de um soldado voltando da guerra. 

A arquiteta, hoje, mora com os filhos e conversa diariamente com eles sobre o respeito entre homem e mulher. “Não quero que minha filha passe o que eu passei, então a oriento e também com o meu filho, explicando o amor e o respeito a todos”, revela a mãe. 

Segundo a delegada Ana Elisa Gomes, os agentes recebem uma preparação para receber a vítima de forma hospitaleira e que “com a implementação melhor das leis e dos próprios agentes de segurança será alcançado um melhor resultado na recepção das mulheres”. A delegada ressalta ainda, que no Estado quase não existe apoio para as vítimas. 

*(Patrick Wallison e Guilherme Melo são integrantes do programa de estágio do jornal O Hoje sob a supervisão de Naiara Gonçalves) 

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