Feminicídio é crime de ódio, não de amor, alerta promotora

Foram registrados 148 assassinatos no ano passado e 131 em 2017

Postado em: 28-02-2019 às 10h30
Por: Suzana Ferreira Meira
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Foram registrados 148 assassinatos no ano passado e 131 em 2017

As mortes
qualificadas como feminicídio em São Paulo aumentaram 12,9% em 2018 na
comparação com o ano anterior, conforme dados da Secretaria de Segurança
Pública (SSP) de São Paulo. Foram registrados 148 assassinatos no ano passado e
131 em 2017. O homicídio qualificado como feminicídio foi definido pela Lei nº
13.104 de 2015, que estabelece penas maiores para os casos em que o assassinato
é motivado pelo fato da vítima ser mulher.

O feminicídio corresponde a 27% do total de
homicídios dolosos de mulheres no estado de São Paulo, que somaram 548 casos em
2018. Desde que a lei foi instituída, a morte de mulheres por feminicídio tem
aumentado.

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Para a promotora Valéria Scarance, que
coordena o Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), embora
seja negativo o aumento da morte de mulheres, o enquadramento dessas mortes
como feminicídio é um dado positivo, pois demonstra que a lei vem sendo
incorporada pelos órgãos públicos.

“Nesse contexto de morte violenta de mulheres,
o número de fatos enquadrados como feminicídio também aumentou. Ou seja, o
número de mortes é um número absoluto, mas o número de feminicídio é variável
porque depende da interpretação que se dá no momento de registro da ocorrência.
Aumentar esses números é um aspecto positivo e que revela envolvimento e
conscientização por parte das autoridades”, avaliou a promotora. 

De acordo com o Anuário de
Segurança de 2018, com dados de 2017, as mortes de mulheres vítimas de
violência cresceram 5,9%. Antes da qualificação do homicídio em situação de
violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação à
condição de mulher, não era possível sistematizar esses dados.

“Isso é muito importante para possibilitar a criação de políticas
públicas e medidas de prevenção”, afirmou a defensora pública Paula Sant’Anna
Machado, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres.

Segundo a promotora Valéri Scarance, a informação gerada a partir da lei
promove avanços importantes para enfrentar o problema. “Muitas pessoas nem
sequer sabiam o que era feminicídio. Era uma categoria desconhecida no Brasil e
ainda pairava a ideia de que era violência entre marido e mulher, que não
justificava essa lei. Depois de três anos, não se discute mais a necessidade
dela. A população conhece a lei, e as vítimas sabem o que é o sistema de
Justiça também”, argumentou a promotora.

Raio-X

A pesquisa Raio-X do Feminicídio, elaborada pelo Núcleo de Gênero do
MP-SP, com base nas denúncias oferecidas pelo órgão entre março de 2016 e 2017,
traça um perfil dos casos ocorridos no estado. Dos 364 casos analisados, em 66%
deles, o ataque ocorreu dentro da casa da mulher e mais de 8% dos casos estavam
relacionados à rotina da vítima, como local de trabalho ou o caminho
percorrido. “O feminicida pratica os crimes se prevalecendo do fato de que ele
conhece a rotina da mulher e encurrala as mulheres em lugares em que a defesa é
mais difícil. Esse é o padrão”, disse a promotora.

Foi o que ocorreu com a enfermeira
Fernanda Sante Limeira, morta a tiros, aos 35 anos, pelo ex-marido na porta de
Unidade Básica de Saúde em que trabalhava em São Paulo, em 2016. “Ele nunca
aceitou a separação. Ela continuou a vida dela, trabalhando, estudando,
cuidando da filha. Ele queria a guarda da menina a qualquer custo e sempre
fazia coisas para afetar a Fernanda”, relatou Dalva Limeira, tia de Fernanda, à
 Agência Brasil.

Na época, a enfermeira denunciou as ameaças que sofria, mas, mesmo
assim, teve um pedido de medida protetiva negado pela Justiça um mês antes da
morte. Segundo o levantamento do MP-SP, quando essas medidas são concedidas,
elas ajudam a evitar os assassinatos. “Dos 364 casos analisados, considerando
mortes consumadas ou tentadas, só 3% das mulheres tinham medida protetiva, ou
seja, 97% dessas mulheres não romperam o silêncio ou não obtiveram a medida”,
disse a promotora.

De 124 mortes, cinco mulheres tinham registrado
boletim de ocorrência. “Eu acho que com tudo que a Fernanda apresentou, todos
os processos, todas as vezes que a Fernanda depôs, todos os relatos que tem
[tinha como evitar essa morte]. Com todas essas informações, a Justiça tinha
que ter cuidado mais da Fernanda. O único recurso que ela tinha era a
Justiça. Foi feita muita coisa. Infelizmente, o Estado falhou com a Fernanda”,
disse a promotora.

Quase três anos após a morte da
enfermeira, a família aguarda para os dias 16 e 17 de maio o
julgamento de Ismael Praxedes, que foi detido em flagrante e está preso desde
então.

A defensora pública destaca que,
junto com as medidas protetivas, são necessárias políticas públicas de apoio a
essas mulheres. “É preciso ter auxílio aluguel, abrigos sigilosos, apoio
multidisciplinar. Se essas políticas não existem, o Estado empurra novamente
essa mulher para a violência”, afirmou.

Ela critica, por exemplo, o fato de que muitas vezes as mulheres que
buscam ajuda são culpabilizadas. “A educação é uma das ferramentas mais
importantes. Precisamos discutir gênero e que essa discriminação é estrutural
na nossa sociedade”, avaliou.

Amor?

A promotora Valéria Scarence disse que, a partir dos dados do MP-SP, o
feminicídio se mostra muito mais como atos de ódio do que de amor. Ainda é
comum que se referiam a esses casos como “crime passional”. “O que motiva esses
homens não é um sentimento de amor, mas de propriedade e um ódio por terem sido
abandonados ou contrariados”, criticou. A pesquisa mostra que os feminicidas
usam dois ou mais instrumentos para a prática do crime, sendo que 60% utilizam
arma branca (faca, facão, foice).

“Eles praticam o crime com muito ódio, com muita raiva, então, porque
nós dizemos que são atos de extermínio, porque há repetição de golpes, não é
simplesmente uma morte, é uma morte com dor”, afirmou a promotora. Ela cita
casos em que as mulheres são mortas com dezenas de facadas, queimadas ou
asfixiadas. “Em regra, é o machismo que determina a morte dessas mulheres e a
conduta desses homens”, avaliou. (Agência
Brasil
)

 

 

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