Cientista brasileira cria ‘caneta’ que detecta câncer durante cirurgia

Dispositivo em estudo é capaz de extrair moléculas de tecido e apontar, no material analisado, a presença de células com tumores

Postado em: 17-05-2019 às 17h45
Por: Suzana Ferreira Meira
Imagem Ilustrando a Notícia: Cientista brasileira cria ‘caneta’ que detecta câncer durante cirurgia
Dispositivo em estudo é capaz de extrair moléculas de tecido e apontar, no material analisado, a presença de células com tumores

Da Redação

Cientista
brasileira, Livia Schiavinato Eberlin, de 33 anos desenvolveu uma espécie de
caneta capaz de detectar células tumorais em poucos segundos. Livia é formada
em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, apesar da pouca
idade, já é chefe de um laboratório de pesquisa da Universidade do Texas em
Austin, nos Estados Unidos.

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Foi lá que, há
quatro anos, ela iniciou os estudos de um dispositivo capaz de extrair
moléculas de tecido humano e apontar, no material analisado, a presença de
células cancerosas. A tecnologia está em estudo, mas já teve resultados
promissores ao ser usada na análise de 800 amostras de tecido humano.

A pesquisadora,
que já mora há dez anos nos EUA, para onde se mudou para fazer doutorado, está
no Brasil nesta semana para apresentar os achados de sua pesquisa no congresso
Next Frontiers to Cure Cancer, promovido anualmente pelo A.C. Camargo Cancer Center
na cidade de São Paulo.

Nos Estados Unidos, Livia
ganhou destaque na comunidade científica ao ser uma das personalidades
selecionadas em 2018 para receber a renomada bolsa da Fundação MacArthur,
conhecida como “bolsa dos gênios” e destinada a profissionais com atuação
destacada e criativa em sua área. O prêmio, no valor de U$ 625 mil (cerca de R$
2,5 milhões), é de uso livre pelo bolsista.

Em entrevista exclusiva ao Estado, a pesquisadora explicou que
a caneta, batizada de MacSpec Pen, tem como principal objetivo certificar,
durante uma cirurgia oncológica, que todo o tecido tumoral foi removido do
corpo do paciente. Isso porque nem sempre é possível visualizar a olho nu o limite
entre a lesão cancerosa e o tecido saudável. “Muitas vezes o tecido é retirado
e analisado por um patologista ainda durante a cirurgia para confirmar se todo
o tumor está sendo retirado, mas esse processo leva de 30 a 40 minutos e,
enquanto isso, o paciente fica lá, exposto à anestesia e a outros riscos
cirúrgicos”, explica Livia.

A caneta desenvolvida por ela
e sua equipe de pesquisadores usa uma técnica de análise química para dar essa
mesma resposta que um patologista daria. “A caneta tem um reservatório
preenchido com água. Quando a ponta dela toca o tecido, capta moléculas que se
dissolvem em água e são transportadas para um espectrômetro de massa,
equipamento que caracteriza a amostra como cancerosa ou não”, explica a
cientista.

Essa caracterização da amostra em
maligna ou não pode ser feita porque a tecnologia usa, além dos equipamentos de
análise química, técnicas de inteligência artificial para que a máquina
“responda” se as células são tumorais.

Para isso, foram usadas, na criação
do modelo, centenas de amostras de tecidos cancerosos que, por meio de suas
características, “ensinam” a máquina a identificar tecido tumoral.

“Na primeira fase da pesquisa
analisamos mais de 200 amostras de tecido humano e verificamos uma precisão de
identificação do câncer de 97%”, conta Livia.

Próximos passos

 O resultado dessa etapa do estudo
foi publicado na prestigiosa revista científica Science Translational Medicine
em 2017. Depois, o grupo de pesquisa da brasileira nos EUA ampliou a
investigação para 800 amostras de tecido e, mais recentemente, obteve autorização
de comitês de ética de instituições americanas para testar a técnica em
humanos, durante cirurgias reais.

“Apesar dos bons resultados em amostras
de tecido, o modelo ainda precisa ser validado em testes clínicos. Se os
resultados forem confirmados, ainda deve demorar de dois a três anos para a
caneta ser lançada como produto”, opina Livia. O dispositivo já foi testado
para câncer de cérebro, ovário, tireoide, mama e pulmão, e está começando a ser
usado também nas pesquisas de tumor de pele.

Caso a técnica se mostre
eficaz também para esse tipo de câncer, ela poderia ser usada para identificar
se pintas ou outras lesões de pele são malignas sem a necessidade de remoção de
uma parte do tecido, o que pode trazer danos estéticos. 

Para Fabiana Baroni Makdissi,
cirurgiã oncológica e diretora do Centro de Referência da Mama do A. C. Camargo
Cancer Center, caso confirmada a eficácia do método em todas as fases da
pesquisa, ele trará ganhos nos tratamentos contra o câncer por permitir maior
precisão na retirada dos tumores. “Uma das coisas mais importantes quando a
gente fala de tratamento cirúrgico é que o cirurgião consiga retirar
completamente o tumor. As taxas de cura vão estar relacionadas a isso, mas
temos limitações em garantir que toda a circunferência do tecido retirado
esteja livre de células tumorais. Então, uma tecnologia como essa, se validada,
tem muito a agregar.”

Ela explica que a técnica
seria importante porque nem todos os hospitais contam com um patologista na
equipe cirúrgica para analisar o tecido removido ainda durante a operação.
“Nesses casos em que não há essa análise das margens durante a cirurgia, a taxa
de reoperação é maior”, diz.

Fabiana destaca ainda que a rapidez
do novo método pode ter outras vantagens para o paciente. “A redução do tempo
cirúrgico seria um benefício agregado da técnica, principalmente em pacientes
mais idosos, com doenças crônicas, que têm maiores riscos durante um
procedimento cirúrgico”, diz a especialista.

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