Ações sobre o aborto devem reacender debate sobre o tema no STF e no Congresso

Nesta semana, nova ação no tribunal pede que o aborto deixe de ser considerado crime até a 12ª semana de gestação, em qualquer situação

Postado em: 12-03-2017 às 08h00
Por: Renato
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Nesta semana, nova ação no tribunal pede que o aborto deixe de ser considerado crime até a 12ª semana de gestação, em qualquer situação

Desde o ano passado, ações encaminhadas ao Supremo Tribunal
Federal (STF) e julgadas pela Corte reacenderam a discussão sobre a
descriminalização do aborto no país. Nesta semana, uma nova ação protocolada
no tribunal pede que o aborto deixe de ser considerado crime até a 12ª semana
de gestação, em qualquer situação. Também está na pauta da Corte neste ano o
tema do aborto em caso de contaminação da mãe com o vírus Zika. Por outro lado,
tramitam no Congresso Nacional mais de 30 projetos sobre o assunto, a maioria
deles restringindo as possibilidades legais para a prática.

A ação impetrada essa semana pelo PSOL e a ONG Anis ainda
não tem previsão para julgamento. Já a ação da Associação Nacional de
Defensores Públicos (Anadep), que trata da descriminalização do aborto em caso
de infecção por Zika, já está pronta para julgamento. A relatoria é da
presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Entretanto, ainda não há data para
entrar na pauta do plenário.

Legislativo

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No ano passado, uma decisão da Primeira Turma do
STF, ao julgar um caso específico, considerou que o aborto não era crime até a
12ª semana de gestação. Logo após o julgamento da ação, cuja relatoria foi do
ministro Luis Roberto Barroso, a Câmara dos Deputados criou uma comissão
especial para debater o assunto. O tema foi inserido dentro da discussão da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 58-A/2011, que trata na verdade sobre a
licença-maternidade no caso de bebês prematuros.

O movimento que defende a descriminalização do aborto teme
uma reação do Legislativo em direção contrária à decisão do Supremo do ano
passado e a futuros debates sobre o tema. O risco, avaliam ativistas, é que a
interrupção da gravidez seja considerada crime inclusive nos casos atualmente
autorizados pela lei: estupro, má-formação do feto ou risco de vida para a mãe.

“A gente tem 34 projetos de retrocesso, alguns deles retiram
direitos, como o PL 5.069/2013, que revoga a lei de atendimento à vítima de
violência sexual [lei 12.843/2013]. Na verdade, a gente está vivendo hoje o que
a gente chama de uma ofensiva conservadora, que se dá, sobretudo, pelo
Legislativo”, diz a socióloga Joluzia Batista, colaboradora do Centro Feminista
de Estudos e Assessoria (CFEMEA) .

Outra proposta que prevê regras mais duras para o aborto é o
Projeto de Lei 478/2007, conhecido como Estatuto do Nascituro, que transforma o
aborto em crime hediondo e impõe ao Estado a obrigação do pagamento de auxílio
às vítimas de estupro que engravidarem, para suprir as necessidades da criança.
A proposta aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
(CCJC), mas também após a decisão do STF, foi apresentado requerimento para
urgência na apreciação da matéria.

De acordo com Joluiza, desde 2013, quando o deputado Marco
Feliciano (PSC-SP) assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara, ampliaram-se no Legislativo as tentativas de barrar as leis pró-aborto.
“Eles tem tentado nos últimos anos colocar o direito à vida desde a concepção,
já entraram com pedido de urgência para votação do estatuto do nascituro, que é
um perigo enorme para qualquer mulher, que chegar na unidade de saúde inclusive
com aborto espontâneo, ela pode ser acusada de ter cometido um crime. É gravíssimo”,
defende.

Autonomia

Um dos argumentos dos movimentos que defendem a
descriminalização do aborto é o direito da mulher em decidir sobre o seu
próprio corpo. Essa foi também a defesa do ministro Barroso, ao votar no
julgamento de novembro. Para ele, se trata de questão de autonomia da mulher.

Mas para a professora Lenise Garcia, presidente do Movimento
Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, o argumento de autonomia
da mulher é falacioso. Isso porque, segundo ela, muitas gestantes são obrigadas
pelos companheiros a interromper a gravidez. Ela defende que a decisão sobre a
questão cabe ao Congresso e não ao STF.

“O Congresso Nacional é onde estão os nossos representantes,
ele representa a população brasileira. A imensa maioria da população é contra
legalizar o aborto e nós estamos corretamente representados no parlamento com
relação a isso. Tirar isso e levar para o STF me parece um viés que é um
prejuízo à própria democracia”, defendeu a professora ao participar do programa
Diálogo Brasil, da TV Brasil.

Disputa

O senador Magno Malta (PR-ES) é relator de uma sugestão
popular que tramita na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que trata da
descriminalização até o terceiro mês de gestação. Ele destaca que, além das
manifestações pró-aborto, a comissão também recebeu um abaixo-assinado, com
mais de 20 mil assinaturas, contrário à sugestão. O documento foi formalizado
por grupos ligados a várias igrejas. Ele defende que o tema deve ser decidido
pelo Legislativo, e não pelo Judiciário.

“O papel do Supremo é julgar se uma lei é constitucional ou
não. Não cabe a ele criar leis, pois não tem atribuição legislativa. Ao
contrário, essa é atribuição do parlamento. Está na hora de fazer a Justiça
brasileira entender qual é o seu papel. A cada audiência pública me convenço
mais de que a vida começa na concepção e ninguém pode ser acintoso com ela.
Deus deu a vida, só ele pode tirar, meu relatório será nessa linha”, adiantou.

Por outro lado, a deputada federal Érika Kokay (PT-DF),
integrante das comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Defesa dos
Direitos da Mulher, considera que o tema já foi decidido pelo STF. Para ela, é
“leviano” tratar do aborto “clandestinamente” dentro da discussão da PEC
58-A/2011, que trata de licença-maternidade no caso de bebês prematuros.

“Vamos estar nessa comissão, na verdade, o projeto assegura
o direito do prematuro. É um arranjo leviano você introduzir uma discussão que
diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher em uma PEC que, em
princípio, a sua ementa não tem uma relação direta. São tentativas ocultas,
subterfúgios de buscar colocar as mulheres mais uma vez sob o fogo da própria
inquisição. Essa sanha persecutória contra as mulheres, que lembra a
inquisição, tem como consequência continuar deixando milhões de mulheres que
fazem aborto na clandestinidade”, diz a deputada.

Zika

Pesquisa da Fiocruz aponta que quase a metade das
gestações com Zika levam a desfechos adversos, com alterações neurológicas ou
morte fetal. Marisa Sanematsu, diretora do Instituto Patrícia Galvão, destaca
que, no caso do Zika, o problema é gerado por uma incapacidade do Estado em
controlar a proliferação do mosquito, que é o vetor da doença.

“Por incapacidade do Estado, você expõe as mulheres a um
risco e as leva a uma gestação que tem como produto final uma criança que,
depois de nascida, se nascida, será repleta de sequelas que vão exigir cuidados
ininterruptos, muito investimento, fisioterapia e tudo mais. E o Estado também
não vai dar isso. Então vamos ter que ter um debate sobre o direito da mulher
em decidir se ela quer passar pelo sofrimento de não saber se o bebê que ela
está gestando vai sobreviver e em que condições”, defende Marisa.

Para Lenise Garcia, a mera possibilidade de a criança ter
alguma deficiência não pode justificar a interrupção da gravidez. “Me preocupa
muito que se justifique um aborto pelo fato de que a criança possa ter uma
deficiência. Isso me parece totalmente contrário à política para as pessoas com
deficiência e ao reconhecimento do valor dessas pessoas. Nós acabamos de passar
por uma Paralimpíada maravilhosa, em que nós vimos o potencial e o quanto a
pessoa com deficiência pode contribuir para a sua família e para a sociedade.
Então, quando a vinda de uma pessoa com deficiência é colocada como um ônus
para a mulher, eu não posso concordar”, diz.

Foto: Reprodução (R7) 

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