“Rompimento com Caiado isola ainda mais Jair Bolsonaro”

Entrevista | ROBERT BONIFÁCIO

Postado em: 26-03-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Entrevista | ROBERT BONIFÁCIO

Raphael Bezerra

O doutor em Ciência Política Robert Bonifácio avalia que o rompimento das alianças políticas entre o governador Ronaldo Caiado (DEM) e o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido, deixa Bolsonaro em uma situação de isolamento ainda maior, tendo em vista que Caiado era o principal governador que apoiava o presidente. 

“O que entendo é que o presidente está contribuindo para polarizar o tratamento da Pandemia em termos de saúde pública e economia quando, na realidade, as duas coisas andam juntas e precisam ser enfrentadas sob a ótica da complementaridade e não de exclusão”, opina.

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Ao O Hoje, o professor analisa o impacto político que o presidente deve suportar na sua imagem, já abalada por causa da forma escolhida para fazer a gestão da Pandemia do Coronavírus. 

Como você avalia o discurso do presidente Bolsonaro. Você acredita que o tom foi calculado? Qual é a aposta dele?

Creio que é um discurso que possui três principais objetivos. O primeiro é confundir. E isso é feito a partir da tática de criticar negativamente e também positivamente setores e questões. É o que faz com a imprensa, ao criticar o tratamento sistemático a problema do Covid-19, e ao elogiar uma suposta mudança de orientação nos últimos dias (o que não se mostra verdadeiro) e ao minimizar os efeitos na saúde pública do Covid-19, ao mesmo tempo em que elogia a atuação dos profissionais de saúde. O segundo objetivo é colocar a culpa sob os ombros de outrem. No caso, dos governadores, ao culpá-los por uma situação de histeria. Dessa forma, ele começa a plantar a ideia de se eximir de qualquer culpa em relação ao que está ocorrendo, canalizando potenciais resultados impopulares sob os ombros dos governadores. Por fim, o terceiro objetivo é inflamar sua militância, munindo os seus apoiadores de um mínimo de argumento para não se isolarem socialmente e agirem conforme ele acha ser correto. Certamente, é um discurso que entrará para a história pelo viés negativo, ao se embasar em senso comum e não em evidências científica e por conclamar a disputa ao invés da solidariedade e união.

Caiado foi bastante duro em seu pronunciamento e anunciou oficialmente um rompimento com o presidente. Isso demonstra um isolamento ainda maior do presidente?

Sim, ele está isolado por dois motivos: porque não age embasado em evidências científicas e em indicações de instituições especializadas em saúde públicas e em boas práticas de demais governos e porque busca, a todo custo, jogar para o lado dos governadores quaisquer problemas econômicos advindos dessa situação de pandemia. Logo, o comportamento natural dos governadores e demais atores políticos é se afastar dele, pelo menos no estágio inicial. O rompimento de hoje entre Caiado e ele [Jair Bolsonaro] talvez seja o momento mais emblemático dessa situação, uma vez que o governador goiano era um dos mais próximos.

O quão afetado Bolsonaro sai dessa crise toda? Em algum momento da história tivemos uma crise presidencial tão grave?

Ainda é difícil mensurar, mas eu suponho que parte considerável de eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018, mas que não são ideologicamente próximos a ele tende a se afastarem e começarem a se opor às suas ações. O único momento em que estivemos sob uma pandemia foi no final da década de 1910, por conta da gripe espanhola que, inclusive, fez como vítima o presidente à época, Rodrigues Alves. Contudo, a complexidade do sistema político era menor e a ideia de nação ainda não estava muito bem constituída, inclusive com quase nenhum dever legal do Estado brasileiro para com o bem-estar da população. Logo, creio que o que ocorre não tem paralelo em nossa história e é um duro teste para o vigor de nossa democracia, assim como foram as jornadas de junho de 2013 e o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). (Especial para O Hoje)

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