Aumenta número de crianças e jovens à espera de uma família

Enquanto 75% dos disponíveis para adoção têm mais de 10 anos, por exemplo, apenas 2% dos que querem adotar se propõem a cuidar de alguém nessa faixa etária

Postado em: 23-05-2018 às 18h55
Por: Lucas de Godoi
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Enquanto 75% dos disponíveis para adoção têm mais de 10 anos, por exemplo, apenas 2% dos que querem adotar se propõem a cuidar de alguém nessa faixa etária

O número de histórias de vida de crianças e jovens que crescem em abrigos é cada vez maior. Em 25 de maio, data em que se comemora o Dia Nacional da Adoção, as atenções estão voltadas para os jovens que ainda vivem em abrigos e não conseguiram uma família. De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção, mais de 45 mil crianças e adolescentes estão acolhidos no Brasil, 7 mil estão cadastrados. Porém, a maioria é formada por crianças com mais de cinco anos de idade. Os números refletem um cenário em que jovens crescem dentro dos abrigos e não têm para onde ir quando completam 18 anos.

Com 14 anos, a J.P.A mora no Lar Abrigo Sol Nascente, em Itumbiara. No local há três anos, a jovem ainda sonha em encontrar uma família para seguir em frente. “Eu tenho vontade de sair daqui porque eu acho que todo mundo tem que ter uma família. Acho que todo mundo tem que ter um pai, uma mãe, alguém por perto para ter carinho e amor. Não é que aqui não tenha, aqui tem até demais, mas ter uma mãe e um pai por perto é bom”, desabafou.

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A adolescente lembra como foi parar no local, há três anos. “Morava com a mãe biológica, aí o Conselho Tutelar me pegou porque eu fui abusada pelo meu pai adotivo e pela minha mãe”. A jovem faz cursos durante alguns dias da semana para tentar amenizar o tempo longe da família. “Faço informática, administração, inglês, dança e estudo. Agradeço muito a Deus porque se eu tivesse na minha família biológica eu não faria esse tanto de atividades que eu faço aqui”, afirmou.

Segundo o cadastro de adoção, existem hoje 5 vezes mais pretendentes do que crianças disponíveis para adoção. Mas se o número de pessoas querendo adotar é maior do que o de crianças cadastradas, por que muitas delas completam 18 anos ainda em instituição de acolhimento? A resposta vem do juiz da 1ª Vara Cível e da Infância e da Juventude de Itumbiara, Sílvio Jacinto Pereira, ao destacar que muitas vezes o que dificulta o processo de adoção é o perfil escolhido pelas famílias. De acordo com ele, a maioria dos pretendentes busca por recém-nascidos, de cor branca, sexo feminino e sem irmãos, e essa não é a realidade encontrada nos abrigos.

“Devido a questão do perfil, os casais que pretendem adotar fazem uma escolha e já definem o perfil que via de regra é a preferência por crianças de até 3 anos e no máximo 5 anos de idade, saudáveis e que não sejam grupos de irmãos. Por outro lado, há o que chamamos de pirâmide invertida, ou seja, a maioria das crianças e adolescentes que está nos abrigos esperando encontrar o pai e a mãe tem mais do que 5 anos, boa parte tem irmãos porque advém de um contexto sociofamiliar disfuncional”, explicou o magistrado.

Se as opções são poucas para jovens que vão completar 18 anos, o que dizer dos que têm alguma deficiência física ou mental? Dentro do perfil de jovens que ficam em abrigos e que não conseguem uma família estão os gêmeos M.J.S e L.J.S, de 6 anos. Os meninos foram acolhidos com 40 dias de vida e até hoje estão disponíveis para adoção. No caso deles, além da idade, apresentam problema de saúde o que torna a adoção ainda mais complicada. Os dois têm encefalopatia crônica, ou seja, uma doença que é caracterizada pelo mal funcionamento do cérebro. Um é portador do estágio mais avançado da doença e isso faz com que ele não ande e nem fale. Já no outro, a doença não é progressiva e ele evolui a cada dia.

De acordo com a coordenadora administrativa do abrigo em que os meninos vivem, Lusia Ferreira Dantas, a saúde dos dois foi comprometida pelo uso de drogas pela mãe durante a gestação. “Há uma dificuldade muito grande na adoção deles porque já passaram da idade e por causa da deficiência. Há várias pessoas que chegam a ligar aqui, mas quando falamos dos problemas de saúde que eles possuem, elas não se interessam mais e voltam atrás”, relatou.

Porém, segundo ela, cuidar de todos com muito amor é o que pode tentar amenizar a falta que uma família faz. “Estamos proporcionando a eles o melhor possível, já que eles não têm o amor dos pais. Tentamos no dia a dia, por meio da escolha da escola, cursos, passeios, sanar um pouco dessas feridas com as quais eles chegam aqui. Lógico que a gente não consegue fazer o que uma mãe ou pai fazem, mas fazemos o possível para ao menos chegar perto, o que não é fácil”, pontuou.

Minimizando os problemas

Os menores M.J.S e L.J.S, de 6 anos, ganharam o coração não só dos educadores, mas também de todos por onde eles passam. Apesar de não falarem, eles sentem cada gesto e carinho que lhes são dados. Seja na fisioterapia ou no abrigo. No entanto, nada substitui o amor de um pai e uma mãe. “Durante os seis anos que estão na instituição, eles recebem todo apoio material, médico a tempo e a hora, só que falta a questão do convívio familiar, do aconchego, do cheiro da família, de ter um pai, uma mãe”, ressaltou Simone Gonçalves Moreira, coordenadora da equipe interprofissional da 4ª Região Judiciária, com sede em Itumbiara.

Mesmo acolhidos, a rotina dos meninos é intensa. M.J.S vai duas vezes por semana para a Associação de Amigos de Autista (AMA), em Itumbiara, onde faz aulas de equoterapia, hidroginástica, educação física. A criança chega às 7h, vai para a sala de aula, caminha para depois iniciar suas atividades. “Tudo com o objetivo de promover a comunicação, interação social e a melhoria do comportamento. Ele chegou muito tímido, com dificuldades de reabilitação e interação. Hoje, demonstra que é uma criança carinhosa, que precisa de cuidados e que tem potencial de melhorar a cada dia”, salientou a diretora pedagógica da AMA, Jucileide Aparecida Guerina Alves.

L.J.S também sai do abrigo alguns dias da semana. O tratamento dele é realizado na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Itumbiara. Ele já apresenta um grau maior de deficiência: não anda, não fala e se alimenta por sonda. Ele fica na sala com mais quatro crianças, onde tem aulas de estimulação sensorial com esponjas e tintas, fisioterapia e fonoaudiologia. “A melhora deles é visível, mas se tivessem uma família adotiva, com certeza o desenvolvimento teria sido muito maior”, enfatizou Simone.

Adoção Tardia 

O caso da adolescente de 14 anos e dos meninos de 6 anos caracterizam a chamada adoção tardia, de quem está acima dos três anos de idade. Os números de demanda e procura ainda são bem distantes. Enquanto 75% dos disponíveis para adoção têm mais de 10 anos, por exemplo, apenas 2% dos que querem adotar se propõem a cuidar de alguém nessa faixa etária, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção.

Ainda segundo os dados, a maior parte das crianças disponíveis para adoção no País – cerca de 60,89% – tem mais de 10 anos de idade, mas 82,20% das pessoas que querem adotar aceitam apenas crianças menores de cinco anos.

Assim, as chances da jovem de 14 anos e dos meninos de 6 serem adotados são mínimas. “O desafio é muito grande e é preciso que as pessoas entendam e se sensibilizem que elas podem ser felizes na condição de pais e de mães mesmo com uma criança que tenha 5, 6 anos de idade ou mais. O nosso desafio é convencer essas pessoas que na adoção a situação de pai e de mãe ela acontece independentemente da idade da criança adotada”, salientou o juiz Sílvio Jacinto.

De acordo com ele, o abrigo é uma relação institucional, não é uma relação familiar. A relação que se tem nestes locais é: criança, adolescente com educador, com diretor, com o profissional. Para o magistrado, as instituições de acolhimento não são espaços adequados para que ela tenha a relação familiar em nível de profundidade que se tem dentro de uma família. 

(Texto: Arianne Lopes / Fotos: Aline Caetano – TJGO) 

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