JÚNIOR BUENO

Se vivo fosse, Molière teria 394 anos. E deixaria todo mundo de cabelo em pé – alguém com essa idade andando por aí. Mas o dramaturgo francês, mestre da comédia satírica certamente sacudiria o esqueleto de alegria ao saber que está sendo encenado pelos Parlapatões. Isso se ele entendesse português. Mas com quase quatro séculos na cacunda, ele teria tempo de aprender, não? Bem, vocês entenderam. O grupo paulistano Parlapatões, com mais de 40 comédias na bagagem, chega a Goiânia com o espetáculo O Burguês Fidalgo. 

A escolha do texto de Molière está profundamente ligada ao momento histórico brasileiro, visto com humor, em que o grupo faz uma divertida versão da comédia clássica. Sim, a comédia de erros continua a mesma, só não temos Molière aqui para narrar o quiprocó. Ainda muito atual, o texto fala diretamente das necessidades de uma classe em ascensão em sua desenfreada busca por prestígio social.

O chamado “sonho burguês de nobreza” – desejo de uma classe dominada em ocupar o lugar da classe dominante – é retratada pelo Sr. Jordain, que não economiza esforços nem dinheiro para se tornar um membro da nobreza. Para isso, contrata professores de música, dança, esgrima e filosofia, que brigam entre si para ver quem tira mais vantagem e dinheiro do figurão. O burguês do título, embora seja casado, tenta conquistar o amor de uma nobre para se projetar socialmente. Suas tentativas o expõem ao completo ridículo e revelam o quanto está cercado de interesseiros, que tiram proveito das ilusões que o burguês cria sobre si mesmo. 

Sua esposa, Sra. Jordain, é a única que percebe como o marido tem sido feito de tolo, enquanto um nobre falido, Dorante, prometendo um romance com a Marquesa Doriméne, vai tirando o seu dinheiro. Em paralelo, o jovem Cleónte quer casar com a filha de Jordain, Lucile, mas o pai quer que a filha se case com um fidalgo. As confusões se sucedem até que o criado de Cléonte, Coville, arma uma grande farsa para enganar o burguês Jordain.

O gênio de Molière vai além da visão sobre o comportamento social e, por meio da força demolidora do humor, se volta para os conflitos sociais e políticos ocultos nas relações cotidianas na vida de um homem que se deixa enganar para ser aceito socialmente. A tradução e a adaptação de Adonis Comelato, Hugo Possolo e Rafael Fanganiello mantêm o ambiente histórico, quando nobres e burgueses disputavam o domínio da sociedade para, sem fugir do tempo na qual a história é narrada, jogar com nossa realidade atual. 

Para o diretor Hugo Possolo, a encenação permite “uma visão sobre um país emergente, que quer ser mais do que consegue. Mais que uma analogia de épocas, os Parlapatões pretendem brincar com as facetas risíveis de um Brasil que vive a fantasia de crescimento, sem resolver sequer seus problemas básicos,” diz o diretor. A peça ganha uma encenação festiva, com música ao vivo e espaço para os improvisos que caracterizam o grupo. Cada personagem da história é dos tipos brasileiros contemporâneos em ascensão, mas com uma lente de aumento bem grande, exagerando certos traços e revelando o quanto cada uma delas se deixa corromper na perspectiva de uma vida melhor. 

Nascido como uma comédia-balé, essa adaptação busca no burlesco sua vertente mais musical, festiva e sensual, com coreografias de Rogério Maia. Enfim, uma encenação divertida e alegre com o humor parlapatônico, sempre provocativo e capaz de levar grandes plateias ao teatro. 

Surgidos em 1991, os Parlapatões são um grupo voltado para comédia, técnicas circenses e improvisação. Produziram mais de 46 diferentes espetáculos e promoveram eventos, mostras e festivais. Hoje, o grupo tem o seu teatro próprio, o Espaço Parlapatões, reconhecido por sua programação artística e pelo seu papel na revitalização do Centro da cidade de São Paulo.

SERVIÇO

Espetáculo ‘O Burguês Fidalgo, de Moliére’

Quando: De 13 a 15 de maio 

Horário: Sexta e sábado, às 21h, e domingo às 20h

Onde: Teatro Sesi – Avenida João Leite, nº 1.013, Setor Santa Genoveva – Goiânia

Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)