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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
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ARTE

Nus na música, nas telas, nas lentes e nas cenas

Fotógrafos, artistas,
atores e modelos militam pelo nu como objeto artístico

Postado em 21 de maio de 2016 por Sheyla Sousa
Nus na música
Fotógrafos

Elisama Ximenes

Pelados, nus, mas sem a mão no bolso. Assim estão os modelos fotográficos nos retratos de Alejandro Zenha. O objeto de seu trabalho, assim como de sua mentora, Regina Esteves, é a figura humana. No entanto, Alejandro ousa e parte para a fotografia de corpos nus. Da mesma forma, a professora de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG) Julliana Oliveira explora a nudez em seus quadros. Do desenho à fotografia, o tabu social é inspiração artística desde o princípio.

Os corpos pelados sempre estiveram presentes nas representação artísticas, fosse na pintura ou na escultura, desde a pré-história. Hoje, alcança a fotografia, o teatro, a dança – dentre outras formas de arte. Os gregos esculpiam corpos que representavam o ideal de belo da época. Fazer esculturas de corpos nus era quase que o mesmo que esculpir um corpo considerado belo e hamônico. A contemporaneidade rompe com esse ideal. Apesar de se apropriar, investe na ironia, na crítica e, inclusive, em problematizações sociais e quebras de estereótipos. 

Cristhian Cantarino é ator e, há cerca de um ano e meio, trabalha com a nudez. Diferente do fotógrafo e da professora de Artes Visuais, Cristhian é o corpo. Nu, ele dança, faz performances ao vivo e em vídeo. E, uma vez, posou para um desenho. O ator aceitou a proposta, porque seria uma possibilidade de “estar envolvido com outras modalidades artísticas, que não apenas os das artes da cena”. Para Julliana, que está ali, do outro lado da tela, de olho no quadro e no corpo, pintar a figura despida “vai além da mera representação, pode tocar, de maneira sensível, tanto quem se mostra para outro, quanto o artista e o público, que se vê diante dessa figura nua”.

Para o modelo, que também é ator, o desenho se diferenciou do que já havia feito antes, porque “de certo modo, o seu corpo é observado de uma forma mais intimista, mais detalhada. Existe certa análise das formas do seu corpo”. Para conseguir abstrair o momento – que, por uma imposição social, é tenso e pode, inclusive, ser invasivo –, Cristhian conta que tentou se divertir com tudo. Enquanto professora, Julliana explica que “o exercício de desenho de modelo vivo é fundamental para o estudo da representação da figura humana”.

Cristhian participou de uma sessão especial de desenho. “A proposta era de desenhar o movimento, e não apenas poses, para trabalhar, também, a agilidade dos desenhistas para quando o tempo para observar e desenhar for menor”, explicou. Por isso, enquanto modelo de desenho, dez minutos foi o máximo de tempo que ficou em uma posição. Além disso, teve de fazer duas poses de cinco minutos e, cinco, de um minuto. A professora de Artes Visuais explica que esse tempo varia de acordo com o método. Em métodos mais longos, ela conta que, caso o modelo esteja em uma posição confortável, é possível que se estenda a duração para 30 minutos. “Mas, nesse tempo, já há muito desgaste de quem está posando e, por isso, é bom evitar”, reforça.

Julliana conta que, após o envolvimento maior com a temática, passou a entender que “a ação de se despir é uma metáfora para a vulnerabilidade e abertura para o outro”. Sobre a fotografia, a artista, que trabalha com o desenho, entende que o registro das lentes é um método de abordar o nu, semelhante, mas que se diferencia no resultado. “A fotografia vai trazer um profundo estudo da luz, da composição, e são aspectos que aparecem também na pintura, mas de forma mais central”. Além disso, Julliana entende que, em contrapartida, a pintura traz “o gesto, a expressividade da pincelada e o trato das camadas”.

Alejandro, com a fotografia, milita pela quebra do paradigma da contemporaneidade: “Não falo mais do corpo idealizado, mas do corpo sexualizado, ou como objeto pornográfico”. Liberdade de expressão, sexualidade, angústia e relações humanas são as principais questões abordadas no trabalho do fotógrafo goiano. Para começar a quebra, o fotógrafo desafia-se a si, e aos seus modelos, a realizarem o processo em espaços públicos. Para ele, as suas obras fotográficas conseguem ir além do nu pornográfico e erótico.

Na sua série, Outono, Alejandro faz os indivíduos interagirem, de forma quase simbiótica, com a natureza, durante a estação sugerida no título. Na linha das estações do ano, Alejandro segue com a série Primavera ou A Última Flor. Nesta, o modelo, de cabelo rosa, vira flor com pétalas que o rodeiam e a nudez como caule. Na série maior, Territórios, o fotógrafo explora o corpo nu no espaço. Em algumas das fotografias, mais de um corpo interage entre si e com o ambiente. 

A esse nu que avança com relação ao pornográfico e erótico, Alejandro chama de nu artístico. No entanto, Cristhian problematiza a nomenclatura, já que “fotos eróticas de revistas masculinas, por exemplo, são chamadas de nu artistico por conta de toda a produção que elas envolvem”. Em seguida, o próprio ator questiona, “Mas qual é o propósito deste tipo de material? É a apreciação artística de fato?”. A partir dessa reflexão, é possível entender como se dá a quebra de paradigmas proposta. 

Julliana aponta as possibilidades alternativas para que, assim, se consiga visualizar de que forma o copo nu pode não ser pornográfico. “Pode ser um estudo de movimento, como o Nu Descendo a Escada de Marcel Duchamp”, exemplifica. Mas, a professora reforça que o sensual não é algo ruim e pode ser aproveitado sem ter a abordagem agressiva da qual Alejandro pretende fugir. “Este corpo pode ser mostrado com muita sensualidade sem, necessariamente, ter uma abordagem explícita. É possível conseguir este tipo de resultado explorando os contornos de uma silhueta”, explica Julliana. 

Como uma proposta de melhoria da abordagem pornográfica, Cristhian avança: “Nós negamos muito a energia da sexualidade e até da pornografia para criar material artístico, e, com essa negação, perdemos a potência que existe ali”. Para o artista de cênicas, é possível utilizar a nudez sem chegar à erotização, “apesar de as duas estarem ligadas no imaginário ocidental”, declara. A exposição nua, julgada como pecaminosa na tradição cristã, ganha espaço artístico e é desafio constante para gente como Alejandro, Julliana e Cristhian, que procuram e trabalham com a sua abordagem artística. 

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