Festival de riso e subversão
Começa, hoje, o 5º Na Ponta do Nariz – Festival Internacional de Palhaçaria e Comicidade com grupos goiano, indígena e argentino
Elisama Ximenes
Provocativos, subversivos e sem fofura. Assim são os palhaços que protagonizam o 5º Na Ponta do Nariz – Festival Internacional de Palhaçaria e Comicidade. O evento começa hoje (17 de junho) e vai até 1º de julho. O festival conta com espetáculos, cursos, exposição de ilustrações, mostra de cinema com debates e Fórum de Economia Criativa e Fomento Artístico – Cultural. Um dos diferenciais do movimento é a vinda do palhaço indígena Hotxuá, com o espetáculo Hotxuá – Sacerdotes do Riso. O espetáculo é trazido pela Associação Hôtxua Companhia Ihkên, de origem krahô.
A etnia krahô ocupa 24 mil hectares do nordeste do Estado do Tocantins e contém 28 aldeias. A significação do palhaço para a cultura krahô tem significação diferente da entendida ocidentalmente. Hotxuá é uma figura sagrada da cultura e age como mediador. Segundo Ulysses Krahô, que é quem responde pela Associação, o palhaço é considerado o sacerdote do riso. Atualmente, o hotxuá da etnia é Ismael Ahtract Krahô. Para além de ser referência do riso, o sacerdote age para mediar confusões e resolver problemas de tristeza dos indígenas.
O espetáculo que será apresentado pela Associação, em Goiânia, mostra fragmentos da Festa da Batata. “É um ritual que dura dois dias, e é uma comemoração de passagem, um ritual de passagem”, explica o krahô. Além disso, o documentário Hotxuá, que conta com direção do artista plástico e cenógrafo Gringo Cardia e da atriz Letícia Sabatella, será parte da programação do Cine Clown. Leticia vem a Goiânia no dia 21 para o debate sobre o filme, que trata da cultura krahô e têm Ismael Ahtract como figura principal do roteiro.
A tradicional Palhaceata será a abertura do festival. Trata-se de uma intervenção artística urbana que segue da Praça Cívica à Praça Universitária. Será uma passeata com paradas para performance. Tanto quem segue a passeata, quanto os traseuntes poderão prestigiar os quatro espetáculos que costurarão o trajeto. O projeto é inspirado no ritual Burning Clown. O festival promete conseguir incorporar, ao ritual, contornos de manifestação pelos direitos humanos. Isso porque os espetáculos tratam de temas como etnia, meio ambiente, gênero e sexualidade.
A palhaceata começa. As pessoas esperam, concentradas, pelo anúncio da partida. Enquanto isso, a companhia goiana de teatro Nu Escuro apresenta o espetáculo O Cabra que Matou as Cabras. A peça conta a história de um advogado vigarista, que costumava enganar seus clientes, e que, agora, se vê envolvido em um caso de assassinatos de cabras e bodes. A trama é recheada de traições, trapaças e reviravoltas. Mais que isso, o enredo lida com as relações de poder e hierarquia implícitas no cotidiano das pessoas e trás o riso como força reveladora e de libertação. O texto do espetáculo foi adaptado da peça medieval francesa A Farsa do Advogado Pathelin e incorpora cordéis nordestinos, esquetes de picadeiros, fábulas medievais, ditos populares e elementos da cultura popular brasileira. Com relação à linguagem teatral, o espetáculo trabalha com teatro de bonecos, circo e músicas cantadas e tocadas ao vivo.
Se fosse festa junina, gritariam “segue passeio”. E o trajeto se inicia. A primeira parada é na adutora da Avenida Universitária. Adutora também chamada de “tubo azul colorido do Centro da Avenida”. Nesse momento, a Cia Teatral Oops! encena o espetáculo Desamor. A peça é uma tragicomédia, seguindo a temática geral do festival, que é o riso provocativo e subversivo. O diretor João Bosco conta que o tema da peça é o amor, mas aquele que não foi bem-sucedido. O casal principal do enredo se apaixona ainda, quando crianças, mas a distância fez com que a história deles não seguisse o caminho que esperavam. “A peça estreou em 2012, e a montagem foi pensada especialmente para a rua”, conta o diretor.
Segundo João Bosco, o cenário é totalmente vazado, e os personagens interagem com os elementos do espaço que ocupam. No caso da apresentação de hoje, as atrizes e os atores vão interagir com os postes, com a grade que protege o viaduto e, ainda, com a própria adutora, conhecida dos goianos. A Cia Teatral Oops! já apresentou a peça em outros espaços e procuram conhecer o local, antes da encenação oficial, para que se preparem e pensem de que maneiras os elementos que já existem podem se tornar peças do cenário. “Quando a gente não consegue chegar antes, pedimos para nos enviar fotos para que possamos sair com tudo pensado”, detalha o diretor. Segundo João Bosco, faz dois meses que estão se preparando para a apresentação em Goiânia.
Para ele, o diferencial de trabalhar com o teatro na rua e com cenários diferenciados é poder trabalhar, também, com o teatro de risco. Quer dizer, explorar o imprevisível com uma potência maior do que o teatro de palco. “Além disso, nem todos que passam na rua sabem que aquilo é um espetáculo; temos de lidar com os barulhos da cidade também”, relata. Ele ressalta que é preciso saber lidar com as possíveis interferências. “Já passamos por diversas situações; é necessário se apropriar e concorrer com todas as informações da cidade”, conta. A construção do roteiro foi a mais horizontal possível, disse o diretor.
Apesar de ser dirigida por João Bosco, os atores também participaram do processo. Contaram também com a colaboração de artistas circenses e preparadores para conseguirem lidar com essa proposta diferente de encenação. O diretor relatou ainda que a companhia está envolvida em todo o festival. “É uma grande honra para nós participar da abertura”, confessou. Mas, além da abertura, os integrantes vão participar, também, das oficinas como ministrantes e participantes. “É muito legal isso de poder integrar os artistas da cidade”, contou.
Chegamos. Quando os palhaços e espectadores alcançarem o destino final – a Praça Universitária – serão recebidos pelo palhaço argentino Chacovachi, com o espetáculo Cuidado, Um Payaso Malo Puede Arruinar Tu Vida. O protagonista é considerado um vingador dos adultos em um mundo de contrariedades, inocência, acidez, conformismo e rebeldia. O enredo explora a crítica social por trás do nariz de palhaço. O personagem não é tonto nem ingênuo, e não é fácil de digerir. Deus, a política, a morte, as drogas, o poder, a falsa modéstia, o amor, os ideais e o conformismo são os objetos de críticas e motivos de rir, no espetáculo, por meio do uso de malabares, magia, equilíbrios e globologia.
Ainda hoje, o grupo indígena mencionado no início da matéria encerra a noite. A alegria é elemento base da cultura krahô e, é assim, que a Associação pretende marcar a vinda à capital goiana. Espetáculos de grupos nacionais, da Colômbia, do Chile, da Argentina, Costa Rica e Itália recheiam a programação dos próximos dias. O festival conta também com a exposição Highlanders Palhaços Imortalizados, atividades formativas, Fórum de Economia Criativa e Fomento Artístico, além do espaço para debate cinematográfico, Cine Clown.
SERVIÇO
Abertura do 5º Na Ponta do Nariz – Festival Internacional de Palhaçaria e Comicidade
Horário: A partir das 17h
Onde: Praça Cívica
Entrada gratuita
Informação sobre programação dos próximos dias e valores:
http://www.napontadonariz.com/