Redescobrir Gonzaguinha
O cantor e compositor Gonzaguinha, morto há 25 anos, tem sua obra revisitada em homenagem do Premio da Música Brasileira hoje à noite
JÚNIOR BUENO
No ano da Lava Jato, da crise e do impeachment, as músicas de Gonzaguinha, morto em 1991, soam mais atuais do que nunca, seja pela contundência política ou pela qualidade superior dos versos, em comparação com o que é produzido na música brasileira hoje. É então mais que acertada a opção de homenagear o cantor e compositor na 27ª edição do Prêmio da Música Brasileira, que será realizado, hoje à noite, no Theatro Muncipal do Rio de Janeiro (RJ). Além da homenagem, serão premiados os destaques na música brasileira em 2015.
“As composições dele têm uma contemporaneidade rara. Algumas, parece que ele fez, ontem, como É, que tem mais de 30 anos e é um retrato fiel do Brasil de hoje”, disse ao jornal O Globo o diretor-geral do prêmio, José Maurício Machline. Para o espetáculo, grandes nomes da MPB vão apresentar as composições mais conhecidas do filho de Luiz Gonzaga.
Angela Ro Ro foi escalada para dividir com Luiz Melodia a canção Grito de Alerta; Ney Matogrosso canta Gonzaguinha pela primeira vez com a linda Explode Coração; Sangrando terá Filipe Catto e Simone Mazzer; A banda Dônica vai de Lindo Lago do Amor, Alcione, de Com A Perna no Mundo, e a Criolo coube a indignada Comportamento Geral. Os filhos de Gonzaguinha Daniel, Fernanda e Amora Pêra, trançam vozes em Redescobrir. E o primeiro número da festa será Galope, cantada e tocada por João Bosco, Gilberto Gil e Lenine. Homenageada no ano passado e intérprete magistral de Gonzaguinha, Maria Betânia não se apresentará em 2016.
O Prêmio da Música Brasileira traz, pela primeira vez, esquetes teatrais em meio às premiações. Dira Paes interpreta Dina, mãe adotiva de Gonzaguinha, e Júlio Andrade, que já havia interpretado o compositor no filme Gonzaga – De Pai Pra Filho, volta ao papel durante a cerimônia. Camaleão por ter interpretado Raul Seixas e Paulo Coelho, Júlio também vai cantar Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino) e, junto a Dira, apresentar os indicados e premiados.
O roteiro da cerimônia foi escrito pela cantora Zélia Duncan, assim como nos dois anos anteriores. Zélia já cantou muito Gonzaguinha na noite, mas nunca gravou uma música dele. Para a noite de hoje, ela enfrentou o desafio de escrever um texto, com alta dose de dramaturgia, em que o apresentador relata a vida do artista em primeira pessoa. Em 2016, a cantora é a artista com mais indicações ao Prêmio. Com o álbum Antes do Mundo Acabar, Zélia concorre a cinco prêmios.
O fato de o homenageado não estar presente não altera a forma como os shows são concebidos. “A única diferença é a presença do artista. Está no regulamento do Prêmio que, em um ano, homenageamos um artista vivo e, no seguinte, um já morto. Mas o que é sempre ressaltado é a obra do artista,” disse José Maurício ao site Glamurama.
Cantor-rancor
Gonzaguinha era filho do também cantor e compositor Luiz Gonzaga e de Odaleia Guedes dos Santos, cantora do Dancing Brasil, que morreu precocemente. Acabou sendo criado pelos padrinhos Dina e Xavier. Compôs a primeira canção, Lembranças da Primavera, aos 14 anos, e em 1961, aos 16, foi morar com o pai para estudar. Voltou para o Rio de Janeiro para estudar Economia, pela Universidade Cândido Mendes.
Na casa do psiquiatra Aluízio Porto Carrero, conheceu e se tornou amigo de Ivan Lins. Conheceu também a primeira mulher, Ângela, com quem teve dois filhos: Daniel e Fernanda. Teve depois uma filha com a atriz Sandra Pêra: Amora Pêra. Foi nessa convivência, na casa do psiquiatra, que fundou o Movimento Artístico Universitário (MAU) com Aldir Blanc, Ivan Lins, Márcio Proença, Paulo Emílio e César Costa Filho. Tal movimento teve importante papel na música popular do Brasil, nos anos 70, e em 1971 resultou no programa na TV Globo Som Livre Exportação.
Característico pela postura de crítica à ditadura, teve, das 72 canções submtidas ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), 54 foram censuradas, entre as quais o primeiro sucesso, Comportamento Geral. Neste início de carreira, a apresentação agressiva e pouco agradável aos olhos da mídia lhe valeu o apelido de “cantor rancor”. Com o começo da abertura política, na segunda metade da década de 1970, começou a modificar o discurso e a compor músicas de tom mais lírico, como Começaria Tudo Outra Vez, Explode Coração e Grito de Alerta, e também temas de samba-enredo, como O que É O que É e Nem o Pobre Nem o Rei.
Teve músicas gravadas por muitos dos grandes intérpretes da MPB, como Maria Bethânia, Simone, Elis Regina, Fagner, e Joanna. Em 1975, dispensou os empresários e se tornou um artista independente, o que fez em 1986, fundar o selo Moleque, pelo qual chegou a gravar dois trabalhos. Nos últimos 12 anos de vida, Gonzaguinha viveu em Belo Horizonte com a segunda mulher, Louise Margarete Martins, e a filha deles, a caçula Mariana.
Após uma apresentação em Pato Branco, no Paraná, Gonzaguinha morreu aos 45 anos, vítima de um acidente automobilístico, na manhã do dia 29 de abril de 1991, entre as cidades de Renascença e Marmeleiro, enquanto dirigia o automóvel rumo a Foz do Iguaçu – encerrando tragicamente a brilhante carreira. Sua obra é sempre revisitada pelas gerações que vieram depois na MPB, inclusive três de seus filhos, Amora, Fernanda e Daniel.
Turnê
O Prêmio da Música Brasileira é uma premiação da música popular brasileira, sendo considerada a de maior longevidade. Idealizado em 1987 por José Maurício Machline, a premiação inicialmente era conhecida pelos nomes de seus patrocinadores: já foi Prêmio Sharp, Prêmio Caras e Prêmio Tim.
O Prêmio conta com um conselho permanente de oito personalidades ligadas à cultura brasileira, todos com poder de voto e responsáveis pelas diretrizes da premiação. São eles: Antonio Carlos Miguel, Yamandu Costa, Wanderléa, Gilberto Gil, João Bosco, Arnaldo Antunes e José Maurício Machline. A premiação será transmitida ao vivo pelo Canal Brasil a partir das 21h.
O Prêmio da Música Brasileira, que pela primeira vez tem patrocínio do Banco do Brasil, se estende numa turnê, que começa no próximo dia 2 de julho, em Porto Alegre, e que passará ainda por Brasília, no dia 7; Goiânia, no dia 9; Salvador, no dia 22, e Rio de Janeiro, nos dias 29 e 30 de julho. Canções de Gonzaguinha serão interpretadas pelas vozes de Gal Costa, Ivete Sangalo, Elba Ramalho, Zeca Baleiro, Lenine, Zélia Duncan e Maria Gadú. E, até o fim do ano, Filipe Catto e Simone Mazzer percorrem um circuito do Centro Cultural Banco do Brasil num show com músicas do compositor.