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terça-feira, 26 de novembro de 2024
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CRÍTICA

Elas riram por último

Versão de ‘Caça-Fantasmas’
estrelada por mulheres
mostra que elas mandam bem
em um terreno dominado por homens: os filmes de ação

Postado em 20 de julho de 2016 por Sheyla Sousa
Elas riram por último
Versão de ‘Caça-Fantasmas’

Júnior Bueno

Para quem foi adolescente nos anos 1980, Os Caça-Fantasmas situa-se em um território cinematográfico sagrado. Um espaço afetivo habitado também por De Volta para o Futuro, Os Goonies e Curtindo a Vida Adoidado – entre outros. Mexer em uma franquia como esta pode ser uma tarefa inglória. Ou bem se faz uma cópia fiel do original, chamado remake, ou se cria do zero um universo apenas baseado no original, mas com história e características próprias, o que na indústria do cinema é chamado de reboot. O diretor Paul Fieg optou pelo segundo caminho para realizar uma nova versão da história de quatro homens que se tornam caçadores de fantasmas. 

Na nova versão, em cartaz na cidade, quem assume o macacão laranja são quatro mulheres. E, a princípio, houve quem torcesse o nariz. Em uma cena de Caça-Fantasmas, a cientista Erin, interpertada por Kristen Wiig lê comentários de um vídeo das caça-fantasmas, no Youtube, e um deles diz “vadia nenhuma vai caçar fantasmas”. A provocação é clara: tão logo foi anunciado que o filme ganharia uma nova versão estrelada só por mulheres, comentários misóginos começaram a pipocar nas redes sociais contra as atrizes. Usuários de redes sociais se uniram para negativar o primeiro trailer do filme, transformando-o no vídeo mais odiado do Youtube, com mais de 900 mil polegares para baixo. 

Todo esse rancor surgiu da mudança de público-alvo da franquia. Os primeiros caça-fantasmas foram cultuados por garotos que, hoje, devem ter no mínimo 40 anos. Já a versão de 2016, dirigida por Paul Fieg, parece ter sido feito especialmente para uma nova geração de garotas, que já cresce com noções de feminismo correndo nas redes e rodas de conversa e sabe que mulheres podem também lutar contra entidades sobrenaturais. Apesar de beber numa fonte dos anos 80, é um filme do século 21 para o público do século 21.

Com um gap de 32 anos, é natural que o filme se adequasse aos novos tempos de busca por representatividade. Para se ter uma ideia, o filme de 1984 tinha apenas duas personagens femininas: a secretária Janine (Annie Potts) e a violoncelista Dana (Sigourney Weaver). Dana, aliás, era assediada pelo doutor Peter Venkman (Bill Murray) no primeiro filme e, no segundo, não fazia nada a não ser se preocupar com a segurança de seu bebê. 

No filme que estreia agora, restou a um homem a vaga de secretário das caça-fantasmas. Kevin, interpretado por Chris Hemsworth – o Thor dos cinemas –  é o bonitão cuja burrice é tão grande quanto os músculos bem trabalhados. É uma espécie de vingança após anos do estereótipo de mulheres como secretárias sensuais. E o galã, improvisando em quase todas as cenas, se sai muito bem no papel.

Além das alfinetadas – ou mesmo bordoadas – nas premissas machistas em relação a mulheres, o que chama a atenção são as citações ao filme original. São muitas as menções carinhosas ao filme de 1984, clássico que divertiu várias gerações. O logotipo dos caça-fantasmas, o icônico homem de mar­shmalow gigante e o famigerado Geleia dão as caras no longa. E o elenco original também aparece em participações especiais. Bill Murray é um vidente televisivo, e Dan Aykrod faz um taxista, por exemplo. Só a falta de Harold Ramis, morto em 2014, é sentida com uma pontinha de tristeza. 

Como filme, o novo Caça-Fantasmas não é um caça-níquel vulgar. Está menos interessado em atrair jovens espectadores, a qualquer custo, e mais em se reconectar com os fãs do original e, ao mesmo tempo, oferecer um olhar renovado sobre o passado. Nesse sentido, a escolha dos protagonistas é reveladora e acertada. Conhecidas do público de comédias como Missão Madrinha de Casamento, Melissa McCarty e Kristen Wiig demonstram uma química incrível e um timing impecável. Mas é em Leslie Jones e na surpreendente Kate McKinnon que repousam os momentos mais hilários da produção.

As protagonistas são mulheres solteiras, sem filhos, que não giram em torno dos homens, e interpretadas por atrizes com mais de 40 anos (com exceção de Kate McKinnon). Essa opção dá ao filme um subtexto de empoderamento e de sororidade. Apesar disso, é questionável o fato de que as atrizes brancas interpretem cientistas, e a única atriz negra do elenco faça o papel de uma funcionária do metrô de Nova York. Embora, no fim das contas, todas capturem fantasmas com a mesma habilidade. 

Feig tem como matéria-prima os clichês de filmes de ação, mas pelo menos consegue infiltrar algum frescor na seara masculinizada dos blockbusters. O quarteto de heroínas não depende de homens para salvar Nova York, e traz seu próprio repertório de piadas – algumas feministas, outras pop e cinéfilas. Também pudera: a roteirista é Katie Dipold, responsável pelos ótimos diálogos da sitcom Parks and Recreation, por exemplo. 

O reboot serve, entre outras coisas, para empalidecer o original e relativizar o culto em torno da franquia, que teve um esquecível segundo filme em 1989. No fim das contas, tudo se resume a um clímax explosivo, no coração de Nova York, com tiradas a embalar cada captura de fantasma, de forma descontrolada, e pontes de roteiro prontinhas para pavimentar uma sequência. No fim das contas, elas riram por último.

 

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