Concurso de miss: a diplomacia da beleza
Dezoito candidatas vão se reunir, hoje, para uma maratona de eventos que vão colocar à prova seus atributos
JÚNIOR BUENO
O poeta Vinícius de Moraes escreveu: “As muito feias que me perdoem. Mas beleza é fundamental”. Criticado até hoje pelo verso, o poetinha não viveu para ver se tinha ou não razão. O genial – e feio – Vinícius talvez nem quisesse lançar nenhuma verdade absoluta no mundo, apenas louvar o belo, que, no caso do poema Receita de Mulher, vinha nas formas de uma mulher. Ou várias – Vinícius era fogo! Pois bem. Só beleza, sem conteúdo, não diz nada – como todo mundo sabe –, mas é bom saber apreciar formas harmônicas, e quem gosta de comparar mulheres belas para eleger a mais linda vai gostar de saber que se aproxima mais um concurso Miss Goiás.
Dezoito candidatas vão se reunir, hoje, para uma maratona de eventos que vão colocar à prova seus atributos, como beleza, graciosidade, inteligência e desenvoltura. A coroação ocorrerá na próxima quarta-feira (27), quando será eleita a Miss Goiás, representante brasileira que vai disputar o título de Miss Brasil, e, se vencer, chegará ao Miss Universo, ponto mais alto aonde pode chegar uma mulher, cuja beleza esteja dentro de certos padrões. Nunca houve uma goiana no Miss Brasil. Mas a atual Miss Brasil Mundo (outra franquia) é a goiana Beatrice Fontoura.
O Miss Universo é um concurso de beleza, e como tal recebe frequentemente críticas de incentivar padrões de beleza inacessíveis à maioria das pessoas e de ser uma disputa machista, onde mulheres brigam e desfilam, em trajes menores, por uma coroa que coloca a vencedora em um patamar acima das demais. Mas não é só isso: o concurso atravessou o século 20 como um fenômeno de cultura de massa, cheio de histórias e curiosidades, que o Essência relembra aqui.
O Miss Universo foi criado na Califórnia, em 1952 pela empresa de vestuário Pacific Mills, inspirado em um concurso anterior, Miss América, que data da década de 1920. Ao longo do tempo, tornou-se ao longo dos anos um evento da Kayser-Roth Corporation e da Gulf and Western Industries, até ser comprado, em 1996, pelo empresário Donald Trump – esse mesmo que agora concorre à presidência dos EUA e assombra meio mundo com ideias conservadoras e um tanto preconceituosas sobre imigrantes, negros, gays e mulheres.
O primeiro Miss Universo ocorreu no verão de 1952 com a presença de 39 americanas e 29 estrangeiras. A vencedora foi Armi Helena Kuusela, da Finlândia, que recebeu um contrato para trabalhar na Universal. O show é o terceiro programa internacional mais visto do mundo. Perde apenas para a final da Copa do Mundo e a abertura dos Jogos Olímpicos. Para se ter uma ideia, quando a miss Japão Riyo Mori venceu o concurso de Miss Universo 2007, sua antecessora, a porto-riquenha Zuleyka Rivera Mendoza, se atrapalhou na hora de passar a coroa e acabou derrubando o objeto no chão. Nesse ano, a audiência foi de 600 milhões de espectadores – ou seja, uma em cada dez pessoas no mundo viu o concurso.
As únicas brasileiras a vencerem o concurso foram Ieda Maria Vargas, em 1963, e Martha Vasconcellos, em 1968. Em 2007, a mineira Natália Guimarães ficou em segundo lugar. Em 1954, houve uma polêmica envolvendo uma das mais famosas misses brasileiras, Martha Rocha. Aos 18 anos, ela participou do concurso Miss Bahia, venceu e, logo após, tornou-se Miss Brasil. Logo que chegou aos Estados Unidos, pesquisas já a consideravam eleita Miss Universo. Martha ficou em segundo lugar, e diz a lenda que a perda do o título de Miss Universo para a americana Miriam Stevenson se deveu a duas polegadas a mais nos quadris. Ainda assim, Martha ficou famosa em todo o mundo e virou referência de beleza.
Estados Unidos e Venezuela são os dois grandes vencedores do Miss Universo. Cada um dos países já emplacou, respectivamente, oito e sete beldades no primeiro lugar da premiação. O país latinoamericano ganhou a fama de ser uma ‘fábrica de misses’, que gera burburinho até quando perde. No ano passado, o evento internacional coroou a filipina Pia Alonzo Wurtzbach, em meio a um mico de escala mundial, quando o apresentador Steve Harvey anunciou a Miss Colômbia como vencedora e teve de reparar sua gafe minutos depois. Ariadna Gutierrez, que ficou a ver navios, fez do limão uma limonada, e hoje estrela mais campanhas de moda e comerciais que a vencedora, Pia Alonso.
Alguns entreveros diplomáticos foram mais tensos que a gafe do apresentador. Em 2005, as autoridades da Tailândia, que foi sede do evento, ficaram revoltadas com uma sessão de fotos na qual as candidatas apareciam de biquíni em frente a um templo budista. As imagens tiveram de ser excluídas do vídeo oficial do concurso.
Já em 2002, a Miss Líbano, Christina Sawaya, desistiu do concurso por causa da participação da Miss Israel, nação considerada inimiga. Em 2015, um selfie incendiou ainda mais a situação entre os dois países, em guerra desde 2006: a candidata israelense, Doron Matalon, se intrometeu na foto de Saly Greige, candidata libanesa, despertando a indignação de libaneses. Ao que parece, quando elas dizem desejar “a paz mundial”, é mais que uma força de expressão.
O concurso de Miss Universo – e seus derivados – e os de Miss Mundo são passaporte para a fama e para uma possível carreira, cujas portas são abertas pela beleza, mas só algum pendor artístico pode manter. Vera Fisher, Renata Fan, Grazi Massafera, Natália Guimarães, Suzy Rêgo são algumas das brasileiras que trocaram o maiô Catalina por uma carreira como atrizes ou apresentadoras. Nos Estados Unidos, Vanessa Williams, a primeira negra a ser coroada Miss América, e Halle Berry viraram atrizes de sucesso após aposentar a faixa.
Houve até miss querendo ser presidente da República. Irene Sáez, Miss Universo 1981, foi candidata à presidência da Venezuela, em 1998, depois de ser eleita prefeita em Chacao, em 1992, e governadora de Nueva Esparta em 1999. Quem disse que elas não são capazes de chegar lá?
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