Retrocesso na política cambial coloca reação incipiente da indústria sob risco
A cotação do dólar frente ao real sofreu baixa de 19,5% entre janeiro e os três primeiros dias deste mês, caindo de R$ 4,05 para R$ 3,26
Lauro Veiga Filho/Especial para O Hoje
A cotação do dólar frente ao real sofreu baixa de 19,5% entre janeiro e os três primeiros dias deste mês, na média dos valores registrados pelo Banco Central (BC), caindo de R$ 4,05 para R$ 3,26 – o que significou ainda um recuo de 5,2% frente à cotação média alcançada pela moeda norte-americana em agosto do ano passado (em torno de R$ 3,44). A retomada da tendência de apreciação do real (ou seja, de alta frente ao dólar) pode minar as bases da incipiente reação observada nas exportações da indústria, assim como da acomodação registrada neste ano para a produção industrial, que vem de quatro meses consecutivo de alta conforme analisado pela coluna na edição de ontem deste jornal.
A recaída parece refletir, para além de fatores externos, uma decisão de manter a taxa cambial valorizada como forma de baratear mais uma vez as importações e assim acelerar a queda da inflação aqui dentro. Uma política que trouxe prejuízos gigantescos para toda a indústria ao longo das últimas décadas, levando à desestruturação de setores inteiros e à substituição crescente da produção local por bens e produtos importados, causando demissões, fechamento de fábricas e a transferência de empregos e de renda para fora do País.
“Com a taxa cambial se apreciando, afora sua excessiva volatilidade, emergem riscos de que o incremento exportador não tenha o vulto necessário para uma retomada mais vigorosa da economia. Isso retardaria a ampliação da escala de produção, prejudicando o próprio aumento da produtividade e principalmente os investimentos”, sintetiza o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) em avaliação recente.
No mesmo relatório, o Iedi mostra que a indústria, sacrificada por déficits crescentes a partir de 2008, foi responsável por 97% do salto observado no superávit da balança comercial brasileira como um todo no primeiro semestre deste ano, ao operar uma redução de 88,3% em seu próprio déficit, que desabou de US$ 23,539 bilhões nos primeiros seis meses de 2015 para US$ 2,761 bilhões em igual período deste ano (US$ 2,778 bilhões a menos, o que ajudou a engordar o saldo de toda a balança).
Incluindo todos os setores, as exportações foram superiores às importações por uma diferença de US$ 23,652 bilhões no primeiro semestre deste ano, num recorde histórico para o período, saindo de um superávit de US$ 2,228 bilhões na primeira metade de 2015 (ou seja, US$ 21,414 bilhões a mais, o que correspondeu a um incremento de 968%).
Contribuição menor
O Iedi relembra que os demais setores da economia, excluídos os produtos típicos da indústria de transformação, produziram um superávit de US$ 26,413 bilhões, crescendo 9,6% diante do saldo de US$ 25,767 bilhões observado na metade inicial de 2015, num avanço de US$ 646,0 milhões. A contribuição do restante da economia para o crescimento para o robusto ajuste ocorrido neste ano na área externa limitou-se, portanto, a 3%. Uma parcela ainda muito significativa da melhora no saldo comercial da indústria, como observa o Iedi, resulta ainda principalmente da retração do mercado doméstico, o que tem derrubado as importações de forma acentuada.
Balanço
As compras externas do setor industrial sofreram queda de 26,4% no primeiro semestre, saindo de US$ 81,371 bilhões para US$ 59,889 bilhões nos mesmos seis meses deste ano.
A contribuição para a retração nas importações foi mais importante no segmento de produtos de média-alta tecnologia, na classificação adotada pelo Iedi. A queda chegou a 23,4% influenciada pela redução nas importações de veículos, produtos químicos e de máquinas e equipamentos mecânicos.
As exportações do setor, no entanto, registraram um recuo de 1,2% na mesma comparação, saindo de US$ 57,833 bilhões para US$ 57,128 bilhões, numa perda menos intensa do que a redução de 4,3% anotada pelo conjunto dos produtos importados pelo País.
Diante desse comportamento, a participação dos produtos da indústria de transformação nas exportações totais elevou-se de 61,3% para 63,3%, sempre considerando o primeiro semestre de 2015 e deste ano, respectivamente.
Em lados opostos, as exportações de produtos de alta e de baixa tecnologia registraram variação positiva no semestre, com crescimento de 6% no primeiro caso e leve avanço de 0,8% no segundo.
Os produtos industriais de média-alta e média-baixa tecnologia sofreram perdas de 4,3% e de 9,7% nas vendas externas.
Na leitura do Iedi, “aeronaves; veículos automotivos e afins; e de máquinas mecânicas ou não especificadas noutras atividades ampliaram suas exportações. Mas tais produtos tendem a ser mais sensíveis à taxa de câmbio que as commodities das indústrias de média-baixa e baixa intensidade”.